Richarlison 2º gol, Brasil x Sérvia, Copa do Mundo 2022Getty Images

Richarlison tentou um voleio, acabou chacoalhando um país

Eram algumas expectativas depositadas num jogo de futebol que dura não muito mais de uma hora e meia. As quatro Copas do Mundo de frustração, os quatro anos dum governo em que seus fanáticos raptaram a camisa amarela, os dois anos de pandemia, a década de dependência de Neymar, as trinta seleções que já tinham entrado em campo no Qatar.

O alívio, a libertação e o grito vieram juntos num instante mínimo, que agora já dura uma eternidade na memória. Ficará para a história que tudo fez sentido no voleio de Richarlison, o lance-síntese, a imagem, o símbolo e o meme que poderá marcar para sempre uma espécie de correção de rota para um novo tempo.

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O giro do pombo é o gol que fechou a primeira rodada da Copa e também inaugurou uma era da equipe nacional, virou um fio. As pessoas na rua vestidas de Brasil, quem diria, um centroavante decidindo um jogo grande com a camisa 9, que saudade, um time com tanto talento na frente que finalmente não parece estar a serviço do brilho individual de um craque só, ufa. Ar fresco.

É claro que tudo isso terá o verdadeiro impacto se a seleção ganhar o torneio daqui três semanas, mas quem conta a vida em Copas do Mundo e se lembra onde viu cada santo jogo da amarelinha desde antes do nada jamais se esquecerá daquela tarde-noite de quinta-feira, quando foi reverenciado o direito primeiro da nossa gente, vivenciar um Mundial e saudar, de forma praticamente unânime, uma atuação convincente, firme, do maior campeão.

Sergej Milinkovic-Savic, Casemiro, Brasil x Sérvia, Copa do Mundo 2022Getty Images

O sorteio previa, e a semana mundialista confirmou, que o Brasil seria o grande com a estreia mais ingrata. É verdade que Argentina e Alemanha perderam de virada no segundo tempo, que a França até tomou um gol de início, mas a Sérvia travou a primeira parte do jogo como nenhum outro adversário. Nesse primeiro dos vários jogos dentro do mesmo, o onze de Tite teve o mérito da paciência.

Porque está na conta um certo nervosismo inicial, e de Casemiro para a frente eram quatro estreantes: Paquetá, 25 anos, Raphinha, 25, Vinicius Jr., 22, e Richarlison, 25, gente que se deparou com um adversário duro, de marcação forte, logo no maior jogo possível de suas vidas até ali, diante dos 200 milhões de torcedores em sua maioria metidos a técnicos e craques.

Eles orbitaram um instável Neymar, resguardados por uma defesa que beirou o impecável, e se prepararam para o segundo jogo ali dentro, o do inevitável domínio brasileiro. Já era tempo de gol quando Vinicius bateu e Richarlison abriu o placar no rebote. Já era tempo de vitória quando o artilheiro do dia fez mais um.

Richarlison Brazil Serbia 2022 World CupGetty

E começou então um terceiro momento, com Rodrygo, Gabriel Jesus, Antony e mais tarde Martinelli, um verdadeiro convite ao inferno às defesas cansadas para os vinte e poucos minutos finais. Ali já era Carnaval, molecagem para lembrar que as tantas substituições e um elenco tão largo mudaram definitivamente o jogo, e o talento que Tite tem no banco é descomunal.

Simbólico que a foto dos 2 a 0 seja logo a do jogador mais identificado com a seleção brasileira e inclusive com as questões de seu país, mesmo de longe. Richarlison não é Ronaldo, nem Romário, muito menos Pelé, o que é ótimo, porque sua relevância vem exatamente por mostrar ser possível ser alguém um pouco mais próximo de nós. Um herói factível para este tempo.

Uma escalação possível, uma memória afetiva pessoal dos destaques da primeira rodada teria Courtois, Hakimi, Thiago Silva, Alderweireld e Theo Hernández; Casemiro, Bellingham, Pedri, Gavi; Griezmann e Richarlison. Poderia ter outros de França, Espanha e Inglaterra, mas a Copa irá encarregar de destacá-los em breve. Falta alguém que represente o grandioso jogo da Arábia Saudita, talvez o zagueiro Hassan Al Tambakti, e caberia o goleiro japonês, Shuichi Gonda. Gostei também do equatoriano Preciado, de Kouyaté e Frenkie de Jong no encontro entre Senegal e Holanda, do protagonismo de Musiala na Alemanha, de tanta gente. Enfim, o que é uma lista se não suas ausências.

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