Breno Lopes Palmeiras Santos Libertadores Maracanã FinalRodrigo Corsi/Paulistão

Palmeiras falava em 'inveja', mas ganha a América gerando empatia

Um clube de futebol é muita coisa. A identidade carrega marcas centenárias, detalhes que atravessam os anos, mas esse rosto vai sendo também atravessado por outras construções, forjado a cada dia entre a história e o presente, se reconhecendo, ou se contradizendo, nas cores, símbolos, lugares no mundo.

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Um movimento constante, vivo. O Palmeiras que ganha a Copa Libertadores de 2020 neste começo de 2021 é bastante diferente daquele projetado seis janeiros atrás, quando anunciou a contratação de Dudu e começou um novo ciclo para sua memória.

Como uma resposta a um time em frangalhos que por muito pouco não visitou a segunda divisão pela terceira vez no século, o Palmeiras queria voltar a se reconhecer grande. E de forma rápida, urgente, o fez, ainda que no caminho fosse colher aquela antipatia típica do futebol. Aquele clube esforçado, quase rebaixado, num salto passava a ser malquerido pelas outras torcidas do Brasil.

O clube do dinheiro, que pode comprar tudo. Dum patrocínio gigantesco, de aporte financeiro com ares de mecenato. Do ingresso médio mais caro do país. Do orgulho que enche a boca para dizer que possui o melhor elenco, o melhor novo estádio e os melhores acertos comerciais. Da torcida única nos clássicos, do bairro cercado evitando os populares. Da promíscua relação com o presidente da República, o protagonista da foto da última taça nacional. Da campanha que dizia, como se confirmasse a repulsa, que "verde é a cor da inveja".

Há alguns valores subjetivos que são claros no futebol. Um deles é aquele que une todos contra o poderoso da vez. Quando a grana jorra pelas bandeirinhas de escanteio, torrando as contas para vencer concorrências, e o time em campo não se faz realmente memorável, a rejeição é automática. O Palmeiras de 2018 foi isso.

Mas agora, como prova que para além do tom da camisa as identidades no futebol se formam e reformam a cada temporada, o Palmeiras é outro. O campeão da América não tem pinta de seleção milionária, muito menos de timaço montado com sobras para ganhar tudo. Aliás, depois de anos, talvez nem o próprio torcedor saiba o nome do atual diretor de futebol, cargo que até outro dia tinha caráter de primeiro-ministro.

O Palmeiras que frequentava os programas de televisão para ser reconhecido pela agressividade no mercado toca o céu no gol de Breno Lopes, contratado em cima da hora por reposição e volume, sem nenhuma certeza de se tornar uma peça importante.

O clube que foi à China trazer Ramires e Ricardo Goulart, à Europa repatriar Bruno Henrique e Felipe Melo, à Colômbia apostar nos campeões Borja e Guerra, virou o time de Danilo, Gabriel Menino e Patrick de Paula, garotos que estrearam como profissionais na temporada que levaram a maior copa possível.

Não que os investimentos tenham parado, longe disso. É também o time de Weverton, Gustavo Goméz e Luiz Adriano, contratações no ponto, e time de Rony, revelação desejada por muitos. Mas a testa que tinha escrito "melhor elenco do Brasil", agora vai ao microfone, de óculos juliet, brincar com o sucesso da categoria de base.

Por fim, Abel Ferreira. A cada curva torta, o projeto do Palmeiras interrompia a ideia traçada e apostava na bola de segurança. Sem entrar agora nos méritos técnicos, mas foi assim que desistiu rapidamente de Eduardo Baptista e Roger, para promover os retornos de Cuca e Luiz Felipe Scolari. Quando não conseguiu bancar outra novidade ao fim de 2019, também recorreu ao pôster na parede e foi de Vanderlei Luxemburgo, alimentando esse perfil de clube bastante ligado aos ídolos de tempos hegemônicos.

Com o português, abriram-se as janelas, trocou-se o ar. Abel chega sem os vícios do futebol brasileiro e sem a base de comparação de títulos anteriores. Não há muitas voltas, muitos poréns, e um técnico europeu chega com um objetivo direto, o de montar um time decente, melhor que o anterior. Cola em Andrey Cebola, o auxiliar da transição, mergulha no clube e melhora jogadores, tirando mais do que nunca desse plantel. Na multiplicação das possibilidades, o elenco reduzido ganhou reforços dentro dele próprio.

Por trilhas sinuosas, num calendário de pandemia e com esquisitas jornadas sem torcida, esse Palmeiras é mais do frescor do trabalho de Abel, do herói improvável Breno, do desabafo do criticado Rony e da dança das Crias da Academia. Mais coletivo que de estrelas, mais Willian Bigode que Dudu, compartilhando o protagonismo e buscando jogar mais bola. Inveja, essa vontade de possuir o que pertence a outro, deveria ser, esportivamente, para times legais conquistando títulos grandes, não de cores em propagandas de redes sociais.

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