Não deveria haver medo no futebol

A gente torce e trabalha para que o futebol alcance todo o seu potencial. Alcance todas as pessoas que ele pode alcançar, sem excluir ninguém. É um sonho que, às vezes, parece distante. Ao mesmo tempo, a cada passo ficamos mais próximos de ter essa frase como uma realidade.

Recentemente, algumas reações de medo de se envolver com o futebol ficaram em evidência. Um exemplo é o jogador Joshua Cavallo, do Adelaide United. O australiano, que falou abertamente sobre ser um jogador gay, revelou que teria receio de jogar a Copa do Mundo de 2022 no Qatar devido às leis que consideram atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo ilegais.

Na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, esse medo já era algo preocupante. Apesar de organizar uma Copa no país, membros da Fifa alertaram que demonstrações de afeto entre pessoas LGBTQIAP+ poderiam receber respostas agressivas por parte da população.

Outro exemplo: uma pesquisa da Associação de Torcedores de Futebol (FSA, na sigla em inglês) revelou que uma em cada cinco mulheres sofreram atenção física indesejada ao assistirem a jogos de futebol masculino. Na mesma pesquisa, que entrevistou duas mil mulheres no Reino Unido, elas relataram que sentiram raiva, vergonha alheia, incômodo e até vontade de não voltar mais ao estádio como efeitos de comentários e atitudes sexistas.

Mas o pior disso tudo é que 4% das entrevistadas consideram o sexismo “parte da experiência” de ir a um jogo de futebol. Se isso realmente está tão presente na “experiência” do torcer, como algumas delas acreditam, não surpreende que outras não querem chegar perto deste ambiente.

Aqui no Brasil, o futebol foi palco para o medo de uma criança de 9 anos. Bruninho, torcedor e jogador da base do Santos, pediu desculpas por pegar a camisa de Jaílson, goleiro do Palmeiras. O menino foi hostilizado por torcedores do seu próprio time.

É nesses momentos, quando você está quase desistindo de acreditar que as coisas vão melhorar, que pode entrar a beleza do futebol. A potência de receber, de acolher e de transformar o pior dos dias no melhor. É um poder de transformação.

Quando Joshua Cavallo contou ao mundo que é gay, a reação dentro do próprio mundo do futebol foi de acolhimento. O jogador recebeu mensagens de atletas e ex-atletas, ídolos, clubes e entidades. Mesmo sabendo que ainda há muita homofobia no futebol, a recepção a Josh é uma luz no fim do túnel.

A luta contra o sexismo nos estádios está longe de acabar, mas ver mulheres ocupando os clubes, os campos, as arquibancadas e as cabines de transmissão mostra o quanto deste caminho já foi percorrido.

A CBF anunciou, durante a convocação da seleção feminina nesta semana, que fará um evento para homenagear as jogadoras da primeira seleção brasileira, que disputou a Copa do Mundo de 1991. Olhar para o passado, valorizar e aprender com ele são passos importantíssimos para a evolução.

E, no caso de Bruninho, o menino hostilizado por ganhar uma camisa de um adversário? Recebeu mensagens de carinho de Pelé, Neymar, Gabigol. Vai assistir ao próximo jogo do Santos de camarote. Vai receber camisas de vários outros clubes do país. Vai ter momentos incríveis. Quem é apaixonado por futebol tem aquele momento em que se sentiu parte daquilo.

Não se pode esquecer em nenhum momento que o futebol segue causando medo em pessoas que não se sentem aceitas por ele ou seguras em seus ambientes. Mas também não dá para esquecer as coisas boas que ele proporciona.

Por isso, antes de tratar o futebol como “caso perdido”, é importante lembrar da potência do futebol de evoluir e abraçar aqueles que, um dia, o próprio meio do futebol excluiu.

Publicidade