Messi ArgentinaGetty

O Tri, uma lembrança do "futebol não tão avançado" aos europeus

A Copa do Mundo acabou e vai deixar saudades. Foram muitas histórias improváveis, vitórias não esperadas, eliminações surpreendentes e jogos que deixaram todos os amantes do futebol no mais puro estado de deleite. A final foi uma dessas partidas. Um 3 a 3 na decisão do torneio é algo que somente Argentina e França poderiam entregar neste momento.

Após 20 anos, a taça da Copa do Mundo volta à América do Sul, em uma excursão que parecia interminável no Velho Continente. Mesmo com toda a rivalidade presente entre aqueles de sangue latino, pedacinhos espalhados por toda América do Sul comemoram hoje.

Uma coisa que se aprende na vida é que algumas frases envelhecem mal. Dentre as que entram nessa categoria, destacam-se as afirmações de Kylian Mbappé sobre o futebol sul-americano.

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"Na América do Sul, o futebol não é tão avançado quanto na Europa. Por isso que quando você olha para as últimas Copas, sempre são os europeus que ganham", disse o camisa 10 da seleção vice-campeã de 2022, em entrevista à TNT Sports, em maio deste ano.

É bem claro que os campeonatos nacionais dos países latinos não contam com a mesma estrutura, organização, marketing e, principalmente, investimento financeiro como ocorre nas principais ligas europeias.

Mas as questões que ficaram das palavras de Mbappé são as seguintes: por que o futebol sul-americano não seria tão avançado? Quais os motivos que levaram a América do Sul não ser tão temida mais?

Para a resposta, é possível começar com outro questionamento: como fomentar campeonatos competitivos e de nível técnico alto se antiga lógica colonizadora continua em vigor? Os melhores jogadores da América do Sul estão saindo cada vez mais cedo de seus países rumo à Europa.

Vide o caso do jovem fenômeno Endrick, que foi vendido ao Real Madrid por uma fortuna, mas que só não viajou para a Espanha por conta uma regulamentação da FIFA, que determina que jogadores troquem de continente apenas depois de completarem 18 anos.

Falar de um futebol "não tão desenvolvido" quando as causas para esse subdesenvolvimento têm suas raízes exatamente na retirada de todos os nossos melhores talentos de seus países prega suas peças em quem se predispõe apenas a reproduzir o discurso - e a mentalidade - elitista e eurocêntrico. Principalmente os jogadores jovens mantêm esse sonho de jogar na Europa, fazendo com que o nível dos campeonatos europeus fique cada vez mais alto, a despeito das ligas de seus países de origem.

As altíssimas e assustadoras quantias de dinheiro que o futebol europeu movimenta hoje em dia são tentações que deixam qualquer pessoa querendo uma parte para si. Não é de se culpar o atleta, que no final das contas é um trabalhador, também. Para o jogador, atuar na Europa é realizar sonhos e a oportunidade mais concreta de mudar de vida e ascender socialmente. Para boleiros, família e clubes, não há como resistir às propostas cada vez mais altas financeiramente para não permanecer em seu país natural.

O ponto é que, assim como o continente europeu subdesenvolveu diferentes partes do mundo com seu colonialismo, ele continua a subdesenvolver o futebol das 'periferias' do mundo ao concentrar todos os principais "ativos" do negócio nas gélidas terras do hemisfério norte.

Parece bem claro que se não fossem os atletas sul-americanos, africanos e asiáticos, os campeonatos como Premier League, Ligue 1 e LaLiga não seriam nada "desenvolvidos". Com uma liga nacional forte e globalizada, é natural que os atletas dos países que abrigam as competições precisem se sobressair para garantir que não sejam apenas estrangeiros nos lugares de destaque.

Uma liga forte, quase sempre indica uma seleção nacional forte, é o caso da recente ascensão da Inglaterra, também pode ser visto com a Ligue 1 na França e LaLiga com a Espanha, em 2010. Todas essas ligas seriam gritantemente mais fracas caso dependessem apenas de nativos ou naturalizados.

A campeã Argentina passou quase todo o ciclo de Copa do Mundo jogando contra rivais do futebol "não tão desenvolvido" e teve o mais alto nível de excelência para bater a França, que jogou quase que exclusivamente contra europeus nesses últimos quatro anos.

Hoje, Messi e companhia não são apenas argentinos, mas um pouquinho bolivianos, um tantinho paraguaios, peruanos, venezuelanos e, por que não dizer, um tiquinho brasileiros.

O título da Argentina, mesmo que para desgosto de muitos brasileiros, é uma lembrança, uma mensagem de que o futebol "não tão desenvolvido" continua mais forte, vibrante e mais competitivo que nunca.

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