Fernando Diniz São Paulo 2020/2021Rubens Chiri/São Paulo/Divulgação

Em queda livre, São Paulo perde aquilo que o conduziu à liderança: coragem, convicção e movimentação

Não é preciso muito para ver e concluir que o jogo do São Paulo não está funcionando e que há defeitos graves. Os resultados e o desempenho são provas e o desespero da torcida, compreensível. Mas acredito que caiba a nós, jornalistas, tentar explicar os motivos para este momento em que o São Paulo não consegue repetir o futebol que o conduziu à liderança e fez críticos falarem em fila para pedidos de desculpas a Fernando Diniz e outras bobagens mais.

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Ficar preso ao "gosto ou não gosto" sobre o técnico e suas ideias, sobre a saída de bola ou sobre o jogador X ou Y é questão de opinião. E, sinto muito, elas pouco importam neste momento. Nem a minha, nem a sua. O papel de quem se propõe a analisar futebol é fugir de preferências pessoais e da gritaria das redes sociais. Jornalismo é serviço de utilidade pública e esclarecimento de fatos, e não propagação de teses do achismo ou dos próprios desejos, gostos e aflições.

Pois, então. O que acontece com o São Paulo, que não vence e não joga há cinco partidas na temporada? Há um claro bloqueio psicológico interferindo no rendimento do time e isso ganhou força diante das diferentes maneiras que os adversários utilizaram para neutralizar e massacrar o São Paulo.

O Grêmio recuou e congestionou a área para evitar tabelas e infiltrações. Red Bull Bragantino e Internacional subiram suas linhas, sufocaram a saída de bola e ajudaram a destruir a confiança dos jogadores nesse que era o principal atributo do time que ascendeu à liderança há poucas semanas.

O São Paulo se viu nu, dissecado. Não há confiança e segurança na execução dos movimentos, o que acaba sendo confundido muitas vezes com falta de raça e outros clichês que o torcedor pode cultivar, mas que os jornalistas deveriam manter distância. Primeiro porque é impossível entrar na mente dos jogadores e saber se eles estavam ou não com preguiça ou motivados. Se entraram "querendo mais" ou "apenas para mais um jogo". Legilimência (um abraço aos fãs de Harry Potter) foge das capacidades humanas.

Segundo, porque essa é uma muleta frágil diante da imposição do adversário. O Inter, como fizera o Red Bull, amassou o São Paulo sem precisar correr mais. Foi na base da estratégia e do posicionamento.

Tchê Tchê e Patrick São Paulo Internacional Brasileirão 20012021Ricardo Duarte/Internacional/DivulgaçãoFoto: Ricardo Duarte/Internacional/Divulgação

A quantidade de divididas vencidas pelos gaúchos indica uma postura diferente? Claro que sim, mas atribuir a goleada ser mais ou menos raçudo não esclarece nada e nem mostra o que deve ser melhorado. A parte anímica não está em suar mais a camisa ou sujar mais o calção. Está na convicção com que os gestos técnicos são executados ao longo da partida. Com menos confiança e uma estratégia mais bem encaixada pelo adversário, tudo fica mais difícil.

Quando disparou no Campeonato Brasileiro e chegou à primeira colocação, o São Paulo se destacou por um jogo de progressão em bloco. A saída de bola curta e de alta densidade demográfica atraía os adversários, muitas vezes sem a organização necessária para avançar as linhas, e permitia que o São Paulo chegasse ao ataque com poucos toques e sem a necessidade de grandes arrancadas. Afinal, não há jogadores com essas características - e isso será fundamental para a sequência desta análise.

O princípio básico do estilo de Fernando Diniz é ocupação de espaços para superioridade numérica. Reparem quantos gols foram feitos em que quatro, cinco jogadores estavam na mesma faixa do campo para construir trocas de passes rápidos, atrair os adversários para aquela zona e, de repente, inverter a jogada para encontrar alguém livre para concluir a gol. Isso mostra uma dependência alta de movimentação, mesmo quando há chance de não receber a bola, e de convicção nos passes. Qualquer tentativa mais frouxa deixa a bola de graça para o rival, que terá o outro lado do campo desabitado para investidas em velocidade.

Ou seja, exatamente os problemas que foram vistos contra Red Bull, Athletico e Inter. Quantas vezes os atacantes desses times receberam a bola livres e com metros e metros para avançar com a bola e finalizar a gol? Isso mostra que o São Paulo deixou de cumprir o beabá que o caracterizava. Não temos visto mais a formação desses pequenos grupos de jogadores no mesmo lado para circular a bola e servir de armadilha para os adversários.

Os jogadores não estão abrindo para receber sem a certeza que ganharão a bola imediatamente ou sem pressão. Os gritos de "movimenta", que para muita gente não serviam para nada, são o lembrete para esse quesito fundamental do jogo de Diniz e parecem não estar mais sendo absorvidos durante as partidas.

Dani Alves São Paulo Grêmio 23 12 2020Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.netFoto: Rubens Chiri/São Paulo FC

A saída de bola continuou curta e com muitas opções de passe. Mas por que o São Paulo erra mais agora? Entram aí, novamente, a confiança e a falta de movimentação. Inter e Red Bull posicionaram seus times à frente e encaixaram marcações bem justas para obrigar o São Paulo a arriscar os passes mais difíceis. Isso funcionou diversas vezes para os tricolores, mas justamente quando havia coragem e opções para esse risco ser corrido. Quando se arrisca sem convicção, a chance de erro é muito maior, como se vê em abundância nas partidas de 2021.

Além de tornar os passes mais difíceis, essa falta de movimentação provoca outro dano para a saída de bola. Mesmo quando o time vence a primeira linha de marcação, ou até mesmo a segunda, o são-paulino que recebe a bola com mais espaço não tem para quem tocar. Isso se deve ao fato de Diniz povoar demais o primeiro terço do campo para conseguir uma saída mais sustentada. Sem coragem e movimentação para rodar posições, o time não sai do lugar e é obrigado a recomeçar as jogadas. Ou então acaba desarmado em inferioridade numérica.

Esse poderia ser um problema menos grave se o São Paulo contasse com jogadores de outras características. Um velocista ou um driblador poderiam dominar no círculo central e apostar em uma jogada individual para vencer a linha defensiva adversária enquanto o resto do time avança. Um centroavante com características de pivô poderia segurar a bola até a tão necessária progressão em bloco acontecer. Mas Fernando Diniz não tem opções confiáveis para essas tarefas. Paulinho Boia, Tréllez e Carneiro, por exemplo.

Sem conseguir cumprir as premissas básicas do estilo de seu técnico, o São Paulo passa a ser um time sem etiqueta, sem nenhuma identidade marcante. Cabe ao técnico, então, encontrar soluções, tanto para devolver a coragem que foi tão presente nos meses finais de 2020, quanto para apresentar mudanças estratégicas que surpreendam os adversários.

Hoje, para vencer, o São Paulo depende de muitos fatores que fogem a ele. Precisa que o time espace suas linhas ao tentar marcar pressão ou que as retrancas tenham menos organização. Por si só, com o que é feito no momento, não parece haver caminhos para uma vitória contundente.

Diante da falta de opções, inclusive no próprio repertório, o que Fernando Diniz poderia fazer? Se quer tentar resgatar o que já deu certo, precisa rever as escolhas que conduzem essa tentativa. A busca pelo substituto de Luciano prova a dificuldade. Galeano, apesar de ainda ter poucos ou nenhum argumento no profissional para ganhar essa vaga durante a lesão de Luciano, era o jogador com características mais próximas às do titular. É um segundo atacante inquieto, que sai da área, tem técnica e incomoda os zagueiros. Poderia ter sido um risco a ser corrido.

Fernando Diniz e Luciano se provocam no MorumbiRubens Chiri/São Paulo FCFoto: Rubens Chiri/São Paulo FC

Na zaga, Bruno Alves não está bem. Tem sofrido todas as vezes em que precisa lidar com pivôs. Foi assim com Sand, do Lanús, Diego Souza, do Grêmio, e Yuri Alberto, do Inter. A saída de bola também é uma das piores no atual momento: sem qualidade e sem confiança. Rodrigo, cria da base e com bons minutos acumulados em Portugal, não poderia ser testado?

Seria um acréscimo importante na saída de bola e poderia evitar a insistência em improvisar Léo, que por enquanto mostra mais dificuldades do que virtudes como zagueiro e que poderia ser mais útil corrigindo os problemas defensivos gerados por Reinaldo e sua desobediência tática. Foram várias as vezes em que seus companheiros cobraram maior atenção com o posicionamento da linha defensiva no jogo contra o Inter. O desespero o atrapalha demais.

Obviamente não há fórmula mágica. Há pontos de clara deficiência e poucas e incertas opções para mudar, tanto pelas peças do elenco quanto pela mentalidade de Fernando Diniz. Mas são pontos que estão à vista. O São Paulo precisa de novos caminhos para vencer. E foi melhor no Brasileirão do que nos torneios de mata-mata justamente por ser um time que se molda pouco às circunstâncias.

Enquanto o Brasileirão pedia paciência e regularidade, esse grupo fluiu como nunca. Quando os primeiros acasos e dificuldades exigiram maior jogo de cintura e repertório, como costuma acontecer em jogos eliminatórios, o São Paulo padeceu. E precisa urgentemente de um remédio para reagir.

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