Um clássico historicamente envolto em rivalidades e polêmicas ganhou, ao longo desta semana, um de seus mais intensos episódios. O Barcelona vs Real Madrid anteriormente marcado para 26 de outubro, por La Liga, foi adiado para dezembro devido à escalada de tensão política entre a Catalunha e o governo central espanhol.
Esta tensão voltou a ebulir depois que o Tribunal Supremo da Espanha impôs penas de 9 a 13 anos de prisão aos nove líderes separatistas catalães, condenados por sedição por terem organizado e promovido o plebiscito separatista, ocorrido em 2017 e considerado ilegal pelo governo espanhol. A decisão resultou em muitos protestos e repressão na Catalunha, com policiais usando cassetetes e bombas de gás, ao longo da semana.
Foi este o pano de fundo que motivou La Liga a resolver adiar, por falta de segurança, o jogo válido que aconteceria no Camp Nou pela décima rodada, ainda que a Polícia desse garantias para a realização do jogo – vale destacar que o Barcelona jogou no Camp Nou, contra o Bétis, 72h depois de um atentado terrorista que matou 13 pessoas e feriu outras 100 em 2017.
A organização do campeonato separou três datas possíveis, todas em dezembro, para a realização do clássico. Tanto Barcelona quanto Real Madrid optaram pelo dia 18 do último mês de 2019, embora a data ainda precise ser oficializada por La Liga. De qualquer forma, a histórica disputa entre Catalunha e o governo de Madri volta a influenciar um jogo de futebol. Confira, abaixo, um resumo dos acontecimentos recentes – e distantes – que motivaram este adiamento.
Prisões políticas e tensão na Catalunha
(Foto: Getty Images)
Na última segunda-feira (14), nove líderes separatistas espanhóis, além de outras três pessoas envolvidas no plebiscito separatista de 2017, receberam penas de prisão que vão de 9 a 13 anos. Eles também tiveram seus direitos políticos caçados.
A decisão levou cerca de 8 mil catalães a protestarem, pedindo “liberdade aos presos políticos” no aeroporto de El Prat. A polícia usou bombas de gás e cassetetes contra os manifestantes. As cenas violentas resultaram no cancelamento de mais de cem voos naquele dia, e reascendeu a tensão que não era vista nas ruas desde o plebiscito de 2017.
Plebiscito e Camp Nou de portas fechadas
“Você deseja que a Catalunha seja um Estado independente sob a forma de República?”, perguntava a cédula do plebiscito.
Apesar de a questão separatista dividir os catalães, o plebiscito realizado em 1º de outubro de 2017 viu o “sim” levar a melhor com 90% dos votos. Isso porque, além de ter considerado o movimento ilegal, o governo central de Madri acabou dando força à causa catalã por tentar proibir os cidadãos de votarem.
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Com violência policial e confisco das urnas, o voto virou uma questão de honra e resultou em mais de 800 pessoas hospitalizadas. Em cenas registradas, foi possível ver policiais vestidos com armaduras, e portando escudos, agarrando manifestantes pelos cabelos, agredindo mulheres e empurrando idosos. Naquele mesmo dia, o Barcelona recebia o Las Palmas em casa. O jogo chegou a ser cancelado, mas em questão de horas optaram pela realização a portões fechados. Após a vitória por 3 a 0, a imprensa catalã classificou a atitude do Barça como vergonhosa, uma vez que o clamor popular era pela recusa do time em entrar no gramado.
O que os clubes disseram sobre o adiamento?
Obrigados, tanto pela liga quanto pela federação espanhola, a adiar o clássico de 26 de outubro de 2019, Barcelona e Real Madrid se manifestaram de formas distintas. O clube da capital emitiu nota em que apenas confirmava ter chegado a um acordo com o Barça para que o duelo acontecesse em 18 de dezembro.
Já o Barcelona explicou ter recusado mandar este jogo no Bernabéu (o que inverteria os mandos de campo), manifestou o desejo de ter mantido o clássico para 26 de outubro, comunicou o acerto com o Real Madrid para a realização da partida em 18 de dezembro, no Camp Nou, e lamentou as chateações para sócios ou torcedores que já haviam garantido seus ingressos. Além disso, insistiu:
“O Clube tem uma confiança absoluta na atitude cívica e pacífica de sua massa social, que sempre se comporta de maneira exemplar no Camp Nou”.
O que disseram jogadores e treinadores de Barça e Real?
Getty ImagesErnesto Valverde não concorda com o adiamento (Foto: Getty Images)
“É preciso respeitar não só o calendário, mas também os torcedores”, disse o técnico Ernesto Valverde, do Barcelona, mostrando ser contrário à decisão que foi tomada.
“Sei que há muito debate, porque é lógico, mas a minha posição como treinador é esta, estar pronto para a data que as pessoas adequadas decidirem. Vamos nos adaptar e é melhor eu ficar calado”, disse Zidane, técnico do Real Madrid.
Getty Images(Foto: Getty Images)
Símbolo da luta pela independência catalã, Pep Guardiola, hoje técnico do Manchester City, também falou sobre o tema. Embora não tenha respondido sobre o adiamento, pediu ajuda da comunidade internacional para lidar com a tensão política e voltou a pedir liberdade para os presos políticos.
“Tenho amigos pessoais que irão passar nove anos na prisão porque votaram. Por terem pedido para as pessoas votar, e são milhões de pessoas que, pacificamente, vão apoiar estas pessoas”.
Entenda a questão da Catalunha e seu peso no El Clásico
(C)Getty Images(Foto: Getty Images)
A Catalunha é atualmente uma comunidade autônoma da Espanha, que além de ter a segunda maior população do país detém o maior PIB e tem um idioma próprio (catalão). Até 1714, o então Principado da Catalunha era um Estado completamente independente, até que sucumbiu para a coroa espanhola após um cerco.
Barcelona já proibiu Real de ter jogado Campeonato Catalão
Durante o período em que a Espanha esteve sob o comando do ditador Francisco Franco, entre 1938 e 1973, o idioma catalão, assim como qualquer manifestação separatista, eram proibidos e repreendido com violência. O período coincide com o crescimento da rivalidade esportiva entre o Barcelona e Real Madrid. Nos jogos realizados dentro do Camp Nou, catalães encontraram um refúgio para falarem o seu idioma e exaltarem sua bandeira.