Luis Suárez provou seu espírito de Imortal, virou um troféu para o Grêmio e um prêmio para o futebol brasileiro

A carta de apresentação com a camisa do Grêmio não poderia ter sido melhor: hat-trick, três gols marcados em sua estreia contra o São Luiz, no Campeonato Gaúcho. Só deixou de estufar as redes ou dar assistência em quatro do total de 12 jogos que disputou pelo estadual, fazendo inclusive o gol que garantiu o título na final contra o Caxias. Mas o início de temporada no Brasil sempre traz consigo aquela dúvida em relação aos estaduais. Suárez já tinha um título para marcar sua passagem pelo Grêmio, mas conseguiria manter o alto nível jogando Campeonato Brasileiro?

Os ótimos números vistos no Gauchão seguiram temporada adentro. Na Copa do Brasil, é verdade que o desempenho talvez pudesse ter sido um pouco melhor: apenas dois gols em nove jogos até a eliminação nas quartas de final contra o Flamengo. Mas no Campeonato Brasileiro, o fator preponderante que fez do Grêmio um candidato ao título foi a presença do uruguaio. Em toda a competição, não houve um único jogador que mudasse tanto os outros 10 à sua volta.

Suarez fez gols de todas as formas: dentro e fora da área, com o pé direito ou esquerdo, de pênalti ou de cabeça. A média de 0,5 tentos por partida é praticamente a mesma que marcou a maior parte de sua carreira, salvo sua última temporada pelo Liverpool ou sua campanha mais avassaladora pelo Barcelona.

Os29 gols em 2023fizeram dele o maior artilheiro do Grêmio em uma única temporada nos últimos 13 anos. A exibição para ficar na memória não poderia ser outra que não fosse a dos 4 a 3 contra o Botafogo, de virada, pela 33ª rodada do Brasileirão. Os alvinegros estavam em frangalhos, já no caminho de protagonizar a maior derrocada de um líder na história do futebol? Sim. Mas Suárez não tinha nada a ver com isso: esteve onde tinha que estar para estufar as redes. Os dois gols (além de uma assistência) em três Gre-Nais obviamente não são menos importantes, por toda a rivalidade já conhecida.

Além das finalizações cirúrgicas, o alto número de assistências foi outro dado impressionante da passagem de Luis Suárez pelo Grêmio. O uruguaio distribuiu 17 passes para gols de seus companheiros ao longo do ano, estatística que em toda sua carreira só é inferior às suas duas melhores temporadas pelo Barcelona no auge do Trio MSN (Messi-Suárez-Neymar). Em 2014/15 foram 21 assistências de Luisito, na campanha seguinte foram 23.

Considerando apenas o Brasileirão, as 11 assistências o colocaram no topo deste ranking. Somando-as aos 17 gols (apenas um de pênalti), ninguém mais foi tão diretamente responsável por bolas nas redes do que o camisa 9. Ajuda, e muito, a explicar por que Luis Suárez tem sido aclamado como o grande craque da edição 2023 do Campeonato Brasileiro – mesmo com oPalmeiras de Abel Ferreira e Endrick tendo sido campeão.

Embora não tenha vivido seu auge no Grêmio, uma vez que a realidade atual impõe aos grandes um ápice no futebol europeu, é correto afirmar que Suárez nunca jogou tanto quanto em seu período com a camisa tricolor. Quantitativamente, claro. Foram 54 partidas, recorde pessoal do veterano em uma única temporada.

A bateria incansável de jogos cobrou sua conta: o ritmo incessante de tantas batalhas contribuiu em sua decisão de deixar o Brasil para atuar em uma liga bem menos exigente, como a dos Estados Unidos, mas também agravou antigas dores no joelho. Na metade da temporada, o uruguaio chegou a assustar os gremistas quando surgiu o boato de que se aposentaria naquele momento, uma vez que as dores que sentia no joelho eram insuportáveis.

Em entrevista ao canal Deporte, já no final de 2023, Suárez revelou a dura rotina das dores e todo o sacrifício que se submetia para entregar, dentro de campo, a sua melhor versão possível: “Nas noites anteriores aos jogos, tomo três comprimidos e antes do jogo tenho de me injetar um Voltaren (anti-inflamatório). Se não fizer isso, não consigo jogar (...) No interior, tenho um desgaste da cartilagem e está batendo no osso. Não gera líquido, e por vezes não consigo dobrar (...) Eu quis provar, com amor e compromisso com o futebol, que apesar da minha idade avançada, e com um joelho complicado, eu poderia dar muito no Grêmio”.

Se o joelho “complicado” e a idade avançada tiraram muito de sua explosão física, Luis Suárez só conseguiu dar muito para o Grêmio por causa de seu cérebro. Visto como um predador durante a maior parte de sua carreira, em especial no futebol europeu, Suárez mostrou no Brasil o seu lado mais cerebral: antevia jogadas, criava oportunidades, puxava marcação... repertório completo.

Os gols e assistências. O sacrifício e a entrega. A identificação com o clube, com a cidade e com o povo que representava. Suárez conseguiu tudo isso. Quando, futuramente, relembrarmos sua passagem pelo Grêmio, algumas mentes limitadas vão questionar: “mas só ganhou um estadual!”. Pobres almas. O futebol vai muito além, como Suárez foi além. O uruguaio provou que é imortal. Ao longo de 2023, o torcedor gremista se encheu de orgulho só de vê-lo com a camisa tricolor. Luis Suárez foi um grande troféu na história do Grêmio, e sua presença por aqui foi um presente para o futebol brasileiro.