Acabou a era Fernando Diniz no São Paulo. Como outros que vieram antes dele, o treinador sai do clube como quem cumpre uma profecia: esteve para ser demitido desde que pisou no Morumbi pela primeira vez, há pouco mais de 15 meses. Leva consigo futebol de razoável a bom, muitas frustrações e a direção que o permitiu vencer a guilhotina por tanto tempo, em mais uma “refundação” do clube.
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Este não é um texto para defender Fernando Diniz. O São Paulo derreteu após a eliminação na Copa do Brasil e o treinador fez poucos ajustes para evitar o pior. Repetiu modelo de jogo e escalações o quanto pôde, não se preveniu contra deficiências graves que o time apresentava e viu seus jogadores perderem gradualmente a confiança em campo, sem conseguir reverter esse cenário fora dele.
Demiti-lo agora, mais que uma correção de rota, é antecipar o planejamento da próxima temporada. Se o São Paulo entende que o futuro não será com Diniz, nada mais justo que ele faça essa mudança no cronograma que melhor lhe atende. A questão é que o técnico não é sacado só pelos erros que cometeu, mas como uma resposta às demandas da torcida.
Sua queda vai contra a promessa de estabilidade feita pelo presidente Julio Casares há menos de dois meses, indicando falta de convicção em algum dos dois pontos da história. Diniz também é demitido antes de sê-lo de fato, com toda a imprensa ciente de que ele não resistiria à pressão muito antes do anúncio oficial. É, antes de tudo, uma reação.
O São Paulo de Diniz é, para mim, o de melhor futebol do clube na década. É um dos que esteve mais próximo de vencer de fato, embora vá terminar pior do que os times de Muricy Ramalho (2014) e, talvez, Diego Aguirre (2018). É também o que melhor trabalhou com a base, num momento de crise financeira que já força o clube a abrir mão de contratações de impacto, embora ainda tenha de gastar muito em acordos antigos como os de Hernanes, Juanfran e Daniel Alves.
Como todos os seus antecessores, porém, Diniz enfrentou um contexto de absoluta impaciência. A cada derrota, ultimatos eram dados ao treinador e aos principais jogadores. Novatos tiveram de enfrentar forte resistência antes de poderem mostrar que eram capazes de terem sequência. Dirigentes, mesmo ídolos, eram instados semanalmente a “tomar uma atitude” para que o clube “voltasse aos velhos tempos”, e acabaram eles mesmos entrando na alça de mira quando não atenderam os pedidos.
Diniz teve o “benefício” de não viver isso no estádio. Não encarou vaias ou gritos de burro a cada apresentação ruim e seus jogadores não eram xingados presencialmente a cada erro individual. Imagine a tensão no Morumbi se o São Paulo resolvesse, nas quartas contra o Flamengo, insistir tanto na famigerada saída de bola com o goleiro? Um sistema que depende tanto de confiança para ser executado dificilmente sobreviveria a um clássico com estádio lotado.
Getty ImagesMesmo assim, a pressão se fez presente em todo o ano, mesmo no ambiente virtual. Jogadores veem diariamente suas redes serem invadidas por torcedores com dedo em riste reclamando por “respeito”, “amor à camisa” ou algo do tipo. O nome do técnico vai parar nos Trending Topics do Twitter ao fim de cada partida que não termina com vitória, enquanto os comentaristas usam palavras de ordem para cobrar soluções drásticas. Entre elas, velhos conhecidos que já provaram sua capacidade de vencer com a camisa tricolor.
Vejam, essa realidade não é exclusiva do São Paulo ou de Diniz. Vamos olhar para os três últimos campeões da Libertadores que falam português. O Palmeiras, em seus anos de fila, se especializou em queimar jogadores e viver de um certo sebastianismo, sempre acreditando que velhos ídolos poderiam salvá-lo.
O Flamengo conviveu por anos com perseguições a quem quer que não tivesse a “cara do clube”, em busca do novo Adriano Imperador que o tirasse do limbo. O Grêmio, depois de superar 15 anos de erros do tipo, deu a volta por cima e chegou ao topo, mas agora já vê torcida e crítica tratarem o melhor jogador do time como descartável, flertando com o pior.
Veja, não estamos falando de demitir, simplesmente. Correções de rota são necessárias e muitas vezes salvam uma temporada. Só que a insatisfação não pode virar método, círculo vicioso em que só a grama do vizinho presta e é verdinha.
A culpa não é da torcida, fundamentalmente. Em crises dessa magnitude, clubes dão a volta por cima quando encontram um combo de parcimônia na gestão financeira com paciência e boas escolhas no trato com futebol, coisas que o São Paulo não tem há anos. A questão é que o ambiente criado a partir das arquibancadas, virtuais ou reais, estimula o erro dos dirigentes.
O cliente nem sempre tem razão. O são-paulino irritado pede a volta de nomes como Muricy Ramalho, esquecendo que ele também protagonizou sua cota de vexames nesses anos de crise. Olha para os sucessos de Inter e Santos e cobra que se faça muito com pouco, para daqui a algum tempo lamentar a ausência de reforços capazes de decidir quando as coisas derem errado nesse contexto de austeridade. Pede a cabeça de nomes de peso do time e lamenta sua má sorte quando eles aparecem em outros lugares com destaque e títulos.
Acostumados que estamos a tratar a torcida como bem máximo de um clube, intocável, às vezes deixamos escapar que as opiniões e desejos do público em momentos de insatisfação nem sempre são os mais acertados. E torcida somos nós, todos, do organizado ao dirigente, do comentarista de Twitter ao que vai na TV. Nesse caldo, não é raro que essas pontas todas retroalimentem uma insatisfação que acaba por chegar no clube, seja ele qual for.
Pouco a pouco, vai minando trabalhos que estão em construção e atrasando o desenvolvimento de jogadores que poderiam ser úteis. Uma hora a pressão funciona e “atitudes são tomadas”, em geral deixando terra arrasada. Depois de um ano com um estilo de jogo definido, aproveitamento da base, criação de uma cultura de trabalho, quem substituirá Diniz? Haverá um cuidado de manter os pontos positivos de um trabalho que chegou perto de render ao clube um título?
O tom usado para falar do treinador indica que não, afinal ele já não presta desde a eliminação contra o Mirassol, em julho passado. A direção que trouxe todo o elenco e bancava Diniz já foi substituída, inclusive quem estava em aviso prévio. Não é difícil imaginar que em algum ponto também chegarão reforços, de maior ou menor peso, que devem mudar a cara do time. “Sangue novo”, vão dizer. Tudo isso dentro de uma estrutura amadora, com problemas políticos graves que se arrastam há mais de uma década.
A responsabilidade é de quem tem a caneta. Cabe à direção do São Paulo encontrar as melhores respostas para os dilemas do clube, que podem ou não passar pelo trabalho de Fernando Diniz. Só que a torcida tem, sim, parte nesse processo, e poderia ter uma influência mais positiva no futuro do clube se não agisse de forma tão destrutiva a cada tropeço.
