Rogério LourençoFlamengo / Divulgação

“Pressão sobre Ceni foi normal, mas Jorge Jesus não inventou a roda”, diz ex-técnico do Flamengo

Depois que Jorge Jesus deixou o Flamengo para voltar ao Benfica, na metade de 2020, havia uma dúvida e uma certeza: conseguiria o Rubro-Negro se manter vitorioso sem o técnico português? Perguntavam. De qualquer forma, o peso de seu sucessor será um dos maiores na história do clube, sentenciavam outros tantos após o 2019 com título brasileiro e de Libertadores.

Domènec Torrent, o primeiro sucessor, acabou demitido. Rogério Ceni chegou, conviveu com muitas críticas mas, no final das contas, conseguiu o título brasileiro. Pela segunda vez em sua história, o Rubro-Negro conseguiu ser bicampeão nacional. Rogério Lourenço conhece muito bem esta responsabilidade: tanto como jogador, em 1993, quanto como treinador, em 2010, esteve no vestiário de um Flamengo que lutava pelo bicampeonato do Brasileirão.

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Em entrevista exclusiva com a Goal, o treinador, que se prepara para voltar às atividades à beira do campo, falou sobre sua impressão da temporada brasileira 2020. Lamentou o rebaixamento do Vasco, onde deu os primeiros passos como jogador, e da permanência do Cruzeiro, onde fez história com títulos importantes como Copa do Brasil e Libertadores, na Série B. Além disso, tratou como normal a pressão sofrida por Ceni no Flamengo e, apesar dos elogios ao time de 2019 de Jorge Jesus, sentenciou: o português não “inventou a roda” no futebol.

O que você tem feito?

“Como todos, estou mais tempo em casa e acabamos até assistindo mais jogos. Está sendo um período, na minha carreira de 10, 15 anos, como treinador, que eu mais estou vendo jogos”.

Quais times mais chamaram sua atenção na última temporada?

“As equipes oscilaram muito durante o Campeonato Brasileiro. Você vê boas equipes, jogando um bom futebol. Tecnicamente, a gente não tem os mesmos jogadores brilhantes que a gente tinha há 20, 30 anos atrás, mas taticamente a gente tem evoluído. Os nossos profissionais estão cada dia melhor, esta chegada de treinadores estrangeiros também acaba sendo legal, porque é um intercâmbio de ideias e características, de escolas, que acaba acontecendo”.

“Uma grande decepção, que não posso deixar de falar, até porque eu joguei no Vasco da Gama, comecei nas escolinhas do Vasco da Gama... não pelo fato de descer, mas jogou muito mal o campeonato. Claro, o descenso é péssimo para uma equipe com a grandeza do Vasco. Mas o time não conseguiu jogar bem a competição inteira”.

Na sua opinião, quem foi o melhor treinador no Brasil em 2020?

“Não vi um destaque que ficasse acima da média. O Diniz teve um momento bom, o Sampaoli teve um momento bom, o Cuca, o Rogério Ceni teve um momento bom. O Abel... mas acho que não teve um profissional que se destacasse 100% na competição. Com todas essas questões envolvendo a Covid, não tem como você ter um rendimento de 100%. Não vou destacar um porque não acho que teve este melhor, o acima da média”.

Qual foi a sua impressão do trabalho do Rogério Ceni no Flamengo? Ter sido ídolo no São Paulo chegou a atrapalhar um pouco?

“Acho que não, mas pode ter atrapalhado porque o Rogério Ceni tem um curto tempo como treinador. Temos que analisar que a fase do Rogério Ceni jogador já acabou. E ele começou uma carreira de treinador, não joga mais. É outra pessoa, outro profissional, um profissional de beira de campo. Tudo o que aconteceu no São Paulo foi maravilhoso, está na história, mas agora é o Rogério Ceni treinador. E agora ele vai pra São Paulo, como foi, para ser campeão dentro do Morumbi. De repente comemorou um pouco mais discreto, pra respeitar o São Paulo, mas essa é a vida do futebol”.

Achou a pressão sobre ele exagerada ou normal?

“A pressão, ela foi normal, porque o ano de 2019 do Flamengo foi espetacular com o Jorge Jesus. Acho que foi o melhor time dos últimos anos aqui no Brasil, o Flamengo de 2019. E o Flamengo já tem uma exigência por si só. No Flamengo, a dimensão é sempre muito grande, tanto pro céu quanto para o inferno”.

“Em 2020, a cobrança seria muito grande. Poderia vir o Guardiola, poderia vir o Mourinho que a cobrança seria muito grande. Veio o Domènec, ele não conseguiu colocar as ideias dele. O Rogério, no início, a equipe não estava jogando bem, depois a equipe melhorou... mas em nenhum momento a equipe jogou como a do Jorge Jesus. E nem vai jogar! Porque aquele momento foi aquele momento de 2019. Passou. E também não é porque o Jorge Jesus é o inventor da roda. Não é. Ele é um ótimo treinador? É. Mas agora ele está em quarto no Campeonato Português. Ele tem 66 anos (...) Foi uma junção de fatores que fez aquele Flamengo, e isso não se repete. Pode acontecer de forma diferente. O Flamengo foi campeão novamente, mas de forma diferente... e a cobrança vai continuar. Que bom que ele (Ceni) ganhou, porque se não ganha não fica”.

Qual é a principal dificuldade em tentar um bicampeonato tão grande? Como jogador e treinador?

Rogério Lourenço jogador Flamengo 11 03 2021Reprodução/Instagram

“Naquele período, 93, nos anos 90, uma equipe que ia bem e conseguia os títulos tinha o time desfeito no final da temporada. A equipe era totalmente desmontada, então ficavam dois, três na equipe titular. No máximo, ficavam metade dos jogadores. Então um novo time era montado para defender o título, e dificilmente conseguia fazer isso”.

“Quando eu assumi o Flamengo em 2010, peguei alguns jogadores de 2009 ainda por causa da Libertadores. Então eu ainda tive o Adriano, Bruno, Ronaldo Angelim, Juan, Leo Moura... tive alguns jogadores por causa da Libertadores. Quando fomos eliminados nas quartas de final, saíram mais uns dois ou três. Do time, que ficou, acho que ficaram só o Juan e o Léo Moura eram remanescentes da conquista de 2009. Então você tem que montar uma nova equipe dentro da competição. Então, esse é que é o maior erro que eu vejo. Você não monta um grupo bom da noite pro dia”.

Na sua vida, você chegou a pensar que veria o Cruzeiro nesta situação que vive hoje?

“Quando eu cheguei no Cruzeiro, em 1994, era o único clube que pagava em dia, tinha centro de treinamento para base e equipe principal. Eu ficava impressionado com a seriedade, com a organização e com o comprometimento dos dirigentes pelo clube... Realmente o que aconteceu foi muito grave. Tanto, que pessoas estão respondendo por isso. Quando, politicamente, coisas acontecem do lado de fora, acaba respingando para dentro de campo. Os jogadores não recebem, o ambiente não fica bom...”

“É uma pena, porque é um gigante, como a gente está vendo acontecer com Vasco e Botafogo. Agora, com o Cruzeiro aconteceu agora, Vasco e Botafogo já vem de muito tempo com problemas. Essas equipes têm que se organizar. O escudo não joga mais sozinho. Mas, com a força que tem em Minas, o Cruzeiro tem tudo para dar essa volta. Acredito que o Cruzeiro vai se recuperar”.

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