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Vinicius Junior Real Madrid Brazil 2023-24 GFXGOAL

Por que Vinícius Júnior é o jogador mais importante na atualidade

Em maio de 2023, Gareth Southgate foi perguntado sobre o ataque racial ao qual Vinícius Jr foi submetido durante o confronto entre Real Madrid e Valência, no Mestalla. "Se alguém sugerir que não temos um problema de racismo na sociedade, bem, aqui está outro exemplo do que estamos enfrentando", disse o técnico da Inglaterra aos repórteres.

"E mais exemplos de pessoas que estão ignorando o problema, francamente (...) É uma situação repugnante. Mas acredito que seja tão ruim que vai forçar mudanças. Estou esperando que algo positivo resulte disso."

O positivo é Vinicius, um talento extraordinário de apenas 23 anos, mas com uma resiliência ainda mais notável, que chegou a Wembley para o amistoso contra a Inglaterra de Southgate como o rosto da luta do futebol contra o racismo. Simplificando: não há jogador mais importante no futebol atualmente.

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  • Vinicius Junior Real Madrid 2023-24Getty

    “A felicidade de um negro brasileiro”

    A ideia terrivelmente equivocada é que existem pessoas ruins por aí e elas podem dizer o que quiserem se estiverem chateadas. A violência racial é, argumentam os ignorantes, uma resposta inevitável à provocação percebida.

    Como Pedro Bravo, o presidente da Associação de Agentes Espanhóis, disse de forma infame ao El Chiringuito em setembro de 2022: "Você tem que respeitar seus oponentes. Quando você marca um gol, se você quer dançar samba, você deveria ir ao sambódromo, no Brasil. Você tem que respeitar seus oponentes e parar de bancar o macaco."

    Mas nunca foi sobre dançar. Vinícius sempre soube exatamente o que incomoda tanta gente na Espanha. É “a felicidade de um negro brasileiro” – e durante muito tempo houve poucos negros brasileiros mais entusiasmados exercendo sua profissão na Espanha do que Vinícius, a personificação do “jogo bonito”.

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  • ViniciusGetty Images

    Ataques racistas incessantes

    Ele se divertia cada vez que pisava no campo - e os torcedores rivais o odiavam por isso. Assim como Bravo, eles tentaram fazer parecer que sua animosidade em relação a Vinícius era devido ao seu suposto desrespeito, mas a raiz era claramente a cor de sua pele.

    Pouco depois da transmissão do El Chiringuito, torcedores do Atlético de Madrid foram ouvidos entoando "Você é um macaco, Vinícius, você é um macaco" do lado de fora do Metropolitanto, antes do confronto contra o Real Madrid, pelo Campeonato Espanhol. Antes de outro Dérbi de Madri, em janeiro do ano passado, os torcedores do Atleti penduraram de forma assustadora um boneco preto vestido com uma camisa de Vinícius Júnior em uma ponte na capital espanhola.

    Quando o Barcelona conquistou o título espanhol em 15 de maio, as comemorações do título foram marcadas por gritos de "Morra, Vinícius!". Seis dias depois, o árbitro da partida, Ricardo de Burgos Bengoetxea, suspendeu temporariamente o jogo do Real Madrid com o Valência, no estádio Mestalla, depois de Vinícius chamar a sua atenção para os insultos racistas dirigidos a ele por um número significativo de torcedores do time da casa. Entre os insultos sinalizados na súmula da partida estavam: "Preto de merd*, você é um idiota", "Preto de merd*, filho da put*" e "Macaco, você é um macaco de merd*".

  • ancelotti viniciusGetty Images

    “Não era somente uma pessoa gritando…”

    Vinícius estava tão compreensivelmente enfurecido que Carlo Ancelotti até considerou substituí-lo. "Não foi uma pessoa gritando", destacou o treinador italiano. "Foi a multidão”.

    "Você tem que parar o jogo. Não pode continuar, é impossível. Eu disse ao árbitro que iria substituí-lo. Nunca tinha pensado em tirar um jogador porque os torcedores estavam insultando-o. Estou muito chateado. A única coisa que ele quer é jogar futebol. Ele não está com raiva, mas triste."

    Vinícius estava irritado, no entanto, e quando o jogo recomeçou após um atraso de 10 minutos, seu compreensível sentimento de indignação acabou vencendo. Durante uma confusão nos acréscimos, ele foi expulso por agredir o atacante do Valência, Hugo Duro, que escapou de punição apesar de ter segurado Vinícius em uma chave de braço anteriormente.

    "O prêmio que os racistas ganharam foi a minha expulsão!" escreveu o jogador da seleção barsileira, no Instagram, após o jogo, antes de acrescentar: "Não é futebol. É La Liga."

    Ele ainda foi mais longe ao afirmar que "o campeonato que já pertenceu a Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje pertence aos racistas. Uma nação bonita, que me acolheu e que eu amo, mas que concordou em exportar a imagem de um país racista para o mundo. Sinto muito pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece todas as semanas, eu não tenho como defender. Concordo. Porém, sou forte e irei até o fim contra os racistas. Mesmo que seja longe daqui."

    Essa última linha foi alvo de intensa análise, pois insinuava que Vinícius poderia até mesmo deixar a Espanha para escapar da incessante violência racial.

  • Vinicius Real Madrid 2023-24Getty Images

    “Um pouco sozinho”

    No entanto, foi interpretado mais como um aviso para aqueles próximos ao clube, um sinal de sua insatisfação com seus empregadores, que ele supostamente acreditava não terem sido sempre rápidos o suficiente para dar apoio a ele. Toda a situação evocava lembranças das tentativas de Mario Balotelli de lidar com o racismo na Itália. O atacante uma vez foi perguntado como os ataques incessantes o faziam sentir e ele respondeu: "Um pouco sozinho".

    Muitos companheiros de equipe de Vinícius se uniram a ele nos últimos anos - Courtois disse que estavam dispostos a sair do campo no Mestalla, no ano passado - enquanto Ancelotti repetidamente criticou as autoridades do clube por não fazerem o suficiente para proteger seu jogador ou combater aqueles que o insultam.

    Foi extremamente revelador que Javier Tebas, presidente de La Liga, tenha ficado mais exaltado com as críticas totalmente justificáveis de Vinícius à La Liga e às autoridades espanholas em geral, do que com as cenas chocantes no Mestalla.

  • Vinicius Junior complains with ref Real Madrid 2023-24Getty Images

    "Triste realidade"

    Ele certamente se tornou algo semelhante a um para-raios para insultos racistas. O atacante tem sido alvo de torcedores em toda a Espanha - e às vezes em locais onde nem mesmo está jogando. Torcedores do Barça e do Atlético entoaram cantos racistas e anti-Vinicius antes de seus respectivos jogos da Liga dos Campeões contra o Napoli e a Inter, na semana passada.

    "Espero que vocês já tenham pensado na punição deles", disse o ponta em uma postagem sarcástica nas redes sociais. "É uma triste realidade que acontece até mesmo em jogos nos quais não estou presente!"

    Não há melhor exemplo da profundidade do ódio com o qual ele está lidando. De alguma forma, apesar de ser submetido a um tipo de insulto cruel que abateria a maioria das pessoas, Vinícius ainda está entregando resultados quase semanalmente no clube merengue.

    A qualidade de suas atuações seria louvável em circunstâncias normais, mas elas não podem ser consideradas nada além de extraordinárias no clima de toxicidade onde ele é forçado a operar. O retorno de Vinícius ao Mestalla, é o exemplo perfeito disso.

  • Vinicius Junior Real Madrid ValenciaGetty

    Sinônimo de resistência

    O Comitê Permanente da Comissão Estatal contra a Violência, o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância no Esporte da Espanha declarou o jogo como "de alto risco". O Valência até recusou pedidos da Netflix, que está produzindo um documentário sobre a vida de Vinícius, de entrar no estádio ou entrevistar qualquer um de seus jogadores.

    No entanto, Duro disse à Gol TV espanhola na quarta-feira anterior que estava "ansioso" pelo jogo "para que Vini pudesse ver que aqueles idiotas (que insultaram racialmente o brasileiro em março de 2023) não representam nossos torcedores. Vai ser um ambiente hostil para ele, mas em um nível futebolístico, com todo o respeito do mundo. Ele sentirá a pressão de nossos torcedores, mas com respeito".

    Com uma inevitabilidade deprimente, no entanto, Vinícius foi novamente alvo de racismo. Nesta ocasião, porém, não houve "prêmio" para os racistas - apenas uma poderosa demonstração de resistência.

    Após marcar o primeiro gol do Real Madrid, ele respondeu levantando o braço direito e cerrando o punho - uma referência poderosa e comovente à saudação black power de Tommie Smith e John Carlos nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México.

  • Vinicius Real MadridGetty Images

    "Ainda temos um longo caminho pela frente"

    Vinícius obviamente não pediu por esse nível de responsabilidade. Verdade seja dita, parece injusto que ele seja forçado a assumi-la. Ele deveria estar apenas preocupado em se divertir jogando futebol, em vez de travar o que às vezes parece uma guerra de um homem só contra um dos grandes males da história - mas, ainda assim, ele se sente uma obrigação de fazê-lo.

    "Eu sei que, pessoalmente, não vou mudar a história, que não vou fazer da Espanha um país sem racistas, nem o mundo todo", disse ele ao L'Equipe. "Mas sei que posso mudar algumas coisas. Para que aqueles que vierem nos próximos anos não passem por isso, para que as crianças possam ter paz no futuro. Por eles, farei tudo o que puder."

    Consequentemente, ele aceitou um convite da FIFA para liderar um comitê anti-racismo composto por jogadores. Ele aprovou, no Brasil, uma nova lei anti-racismo que leva seu nome, o que significa que eventos esportivos serão suspensos ou interrompidos completamente em caso de ofensas raciais. E, em dezembro do ano passado, ele assumiu um novo cargo como defensor dos Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU).

    "Para mim, este ano específico foi um lembrete contundente de que ainda temos um longo caminho a percorrer para eliminar a intolerância dos esportes e da sociedade", ele declarou. "Acredito que a educação anti-racismo deve estar no centro de nossos esforços para promover a igualdade e os direitos humanos em todos os lugares."

  • Vinicius Jr Real Madrid 2023-24Getty

    "Eu tenho um propósito de vida"

    No futebol, fala-se muito sobre jogadores servindo como exemplos a serem seguidos. Na verdade, porém, são poucos os dignos dessa responsabilidade. Vinícius Jr é uma das exceções à regra. De fato, não há exemplo melhor no cenário atual do futebol de como não apenas lidar com o racismo, mas como combatê-lo.

    Ele sabe que esse problema não vai desaparecer tão cedo. "A luta continua", escreveu após sua viagem mais recente a Mestalla. Porém, ele permanece destemido. Ele ainda está dançando e ainda está lutando porque agora sente que tem um novo "propósito na vida".

    "Se eu tiver que continuar sofrendo para que as gerações futuras não tenham que passar por esse tipo de situação", disse ele, "estou pronto e preparado".

    Realmente não há figura mais importante no futebol agora do que o novo Embaixador da Boa Vontade da UNESCO. Vinícius é o positivo que Southgate esperava que surgisse da situação mais lamentavelmente negativa, um potencial agente de mudança em todos os sentidos possíveis.

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