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Dudu Palmeiras Bragantino Paulista 11022019Cesar Greco/Ag. Palmeiras

Resistência no país do êxodo, Dudu sai às pressas do pior jeito possível

Dudu, cinco anos e meio de Palmeiras e grande referência do elenco, teve várias chances para ser negociado. Foi valorizado, vivia um novo contrato, era o dono do time, mas depois de quase quatro meses de pandemia, quando o futebol começava a esboçar uma retomada, pediu para ir embora. Um dos poucos de sua geração a dedicar o auge do seu futebol a uma mesma camisa por aqui abraçou uma chance qualquer de zarpar, num empréstimo ao Al-Duhail, do Qatar, com a impressão de que assinaria o primeiro papel que aparecesse em sua frente.

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A repentina vontade de ir embora veio a público dias depois de o jogador ser acusado de agressão por sua ex-mulher. Mallu Ohanna, conforme noticiou o UOL, entrou com pedido de proteção ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para que o caso não seja abalado por conta da saída de Dudu do país. O jogador já foi condenado por agressão à esposa há alguns anos, na época uma pena branda, de serviços comunitários.

Resguardado seu direito de defesa e o andamento jurídico do caso, não deixa de ser simbólico que um dos principais jogadores do futebol brasileiro nos últimos anos, que terminou três temporadas como protagonista de títulos nacionais e acumulou prêmios individuais, apareça nas últimas semanas cobrando uma saída às pressas, ansioso pela definição do negócio. Um jogador até então marcado por resistir às fortunas do estrangeiro e construir a história num clube local, do dia para a noite, em meio a questões pessoais, escolhe ir embora, às pressas, e já falando em voltar.

Rotina

Ricardo Goulart, 23, e Everton Ribeiro, 25, bicampeões pelo Cruzeiro em 2014, deixaram o clube no começo de 2015. Renato Augusto, 27, craque do Brasileiro de 2015, saiu do Corinthians no janeiro seguinte. Gabriel Jesus, 19, destaque do título do Palmeiras de 2016, levantou a taça já vendido. Jô, 30, arrebentou com o campeonato de 2017 e firmou a saída do Corinthians antes mesmo do Natal.

Dudu foi a exceção: melhor jogador da Série A de 2018 e já carregando outras campanhas de destaque nas temporadas anteriores, firmou a permanência ao se manter no Palmeiras, apesar do assédio do futebol chinês. Diferentemente de seus contemporâneos, se mantinha como um raro jogador a se firmar como líder técnico de um grande clube brasileiro aos 23, em 2015, e atravessar os principais anos da carreira no Brasileirão. Pegando como referência o prêmio Bola de Prata, são quatro troféus - dos jogadores em atividade, só Geromel, do Grêmio, soma tantas seleções do campeonato, ainda que tenha retornado ao futebol nacional já na casa dos 30 anos.

O próprio elenco do Palmeiras, muito ativo nas movimentações no mercado nessa era Dudu, exemplifica o quão atípica vinha sendo a carreira do camisa 7. A cada oportunidade, seus parceiros iam tomando outros rumos. Do time campeão em 2016, Vitor Hugo foi para a Itália, Mina seguiu para a Espanha, Tchê Tchê foi jogar na Rússia, Gabriel Jesus na Inglaterra, Moisés depois viajou para a China. Mais tarde, quando chegou o furacão Keno, logo o futebol do Egito levou. 

É a rotina do futebol brasileiro. Um campeonato onde os principais jogadores são jovens que parecem sempre à beira da Europa e veteranos, ou quase, que já rodaram muito por aí. No meio disso tudo, esse mercado asiático sempre disposto a abraçar. Não à toa, no Flamengo, o fico de Gabigol, 23, a sequência de Bruno Henrique, 29, e a capacidade para contratar Filipe Luís e Rafinha, 34, são tão comemorados. O clube vai conseguindo quebrar essa sequência de “brilhou, saiu”.

E esse talvez seja o grande mérito de Dudu: se manter por cinco temporadas titular absoluto de um time que disputa o título brasileiro e, não só isso, mas sendo regularmente a referência técnica, criativa e de poder de decisão do time. Não houve quem pensasse um Palmeiras sem Dudu pelos últimos 300, 400 jogos. 

Algo parecido nesses anos (tirando os goleiros, geralmente mais longevos) talvez só com Fagner e Geromel, que inclusive tiveram os vários anos de bom nível recompensados com convocação à Copa do Mundo. Fred e D'Alessandro também tiveram carreiras sólidas, mas já mais veteranos, distantes há algum tempo dum nível de seleção. Cebolinha se firmou mesmo em 2018, Jadson foi perdendo força, e também deu seu pulo na China no meio do caminho, e Luan tenta agora se reinventar.

Nesse caminho, a esperança é flamenguista. Everton Ribeiro, depois de um tempo nos Emirados Árabes, vive o quarto ano de Flamengo, e Arrascaeta, aos 26, está na sua sexta temporada seguida de Brasileirão, se consolidando como um dos principais nomes de seu tempo à medida que foi evoluindo na segunda metade de sua vida no Cruzeiro. Seus parceiros Bruno Henrique, 29, e Gabigol, 23, podem trilhar caminhos parecidos caso fiquem por um longo tempo. Tem também Rodrigo Caio: o zagueiro é um dos raros jovens brasileiros que foram à seleção e não saíram do país.

De toda forma, são poucos. Quantos jogadores de destaque, no auge da forma, fazem cinco Campeonatos Brasileiros consecutivos em bom nível?

Fim

Principal jogador da retomada palmeirense a partir de 2015, Dudu chegou com festa em clima de piada para cima dos rivais, mas foi embora numa cena oposta, sem alarde, numa madrugada de aeroporto vazio com poucos registros.

Se em janeiro de 2015 as manchetes falavam em “Palmeiras surpreende”, “Palmeiras atravessa rivais” ou mesmo “Palmeiras dá chapéu nos adversários” pela contratação que parecia improvável, Dudu, agora, tem uma saída no mínimo melancólica.

Em conversa com jornalistas no embarque para o Qatar, na última semana, e também no vídeo de despedida publicado pelo clube nesta segunda-feira, 20 de julho, transpareceu a ideia de que a viagem é um hiato, um pedido de tempo, uma pausa na carreira, um até logo. Um tímido abraço enviado para a torcida, pedidos de desculpas por colocar o Palmeiras nas notícias envolvendo a vida pessoal, a promessa de voltar para encerrar a carreira. Os novos mercados do futebol como exílio possível.

Do pôster da Copa do Brasil de 2015, só Vitor Hugo está no elenco atual, de volta ao clube em 2019 depois de duas temporadas de Fiorentina. Sem o principal atacante, depois de cinco anos e meio em que o time foi Dudu e mais dez, a impressão é a da necessidade da reinvenção, tanto tempo depois de um time que, independentemente dos nomes ou do esquema tático, tinha a bola passando, e ficando, sempre com seu camisa 7.

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