Marcelinho Carioca - Corinthians - 2001Allsport UK/ALLSPORT

Exclusivo: Oswaldo de Oliveira e o estrelismo de Marcelinho Carioca no Corinthians

Marcelinho Carioca sempre dividiu opiniões por onde passou. Ao mesmo tempo que era o “Pé de Anjo”, o camisa 7 também era capa de revista como o “jogador mais odiado” do país. Por isso Marcelinho é o personagem de abertura do Meu Vilão , podcast da Goal sobre grandes atletas do futebol mundial que ficam na tênue linha entre o céu e o inferno, seja por conta de sua entrega em campo, devido às provocações ou à forte personalidade.

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O convidado deste primeiro debate sobre Marcelinho é Oswaldo de Oliveira, técnico campeão brasileiro com o Corinthians em 1999. Apesar de reconhecer o gênio forte de Marcelinho e dos problemas causados por ele, o treinador se declara um grande admirador do ídolo alvinegro e o classifica como o jogador mais importante da história do clube.

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Confira abaixo a entrevista com Oswaldo e histórias sobre o famoso camisa 7 do Parque São Jorge que marcou época no futebol brasileiro na década de 1990.

Ter alguém “polêmico” como o Marcelinho no elenco traz mais benefícios ou malefícios?

Eu, particularmente, com quase todos os jogadores considerado polêmicos, tive experiências muito positivas. O Marcelinho, talvez, seja o principal deles. Ele me ajudou muito nesse início no Corinthians. Já nos conhecíamos há um ano porque eu tinha trabalhado como auxiliar técnico. Não só ele, mas também o Edilson, Rincón, Vampeta, Dida, o goleiro Maurício, Ricardinho.

Todos eles no conjunto sentiam a necessidade de que teríamos de estar juntos. Para me dar condições, eles precisavam fechar comigo. O Marcelo era incrível, puxava fila, tinha uma dedicação excepcional. Sou muito agradecido a ele.

Muito se fala em tratamento especial para os craques. Há isso?

Claro. As pessoas são diferentes, alguns jogadores têm essa característica do estrelismo, do jogador que se destaca mais e tem mais atenção. Alguns são mais carentes, outros mais confiantes. Cada um tem uma personalidade diferente. Com o tempo você vai percebendo e faz para que tudo corra bem na busca pelo objetivo comum.

Esse comportamento do Marcelinho prejudicava o vestiário?

Nada... Pelo contrário. Alguns jogos tiveram discordâncias, mas isso ficou popularesco no Corinthians por conta do Vampeta e do Amaral, que com suas histórias popularizaram e enfeitaram as histórias para dar mais glamour. A gente via mais pelo lado do humor, da alegria e da descontração do que pelo lado da discórdia. É só observar o resultado. Mas aconteceram alguns casos.

Um bem marcante foi contra o Estudiantes, da Argentina. A gente dominava o jogo, nosso time era muito bom com Vampeta, Rincón, Marcelinho, Luizão, Kleber. Ricardinho fez um golaço, uma jogada muito bonita. Mas o Marcelinho teve uns acessos de estrelismo e acabou sendo expulso. Quando o jogo acabou, o Rincón entrou bufando para pegar o Marcelo, mas nós corremos e conseguimos abafar.

Ele provocava mesmo?

Eu não sei precisar os motivos para isso. Eu lembro que o Rincón tomava café muito cedo e eu sempre encontrava com ele no café nas concentrações e a gente conversava por 40 minutos, 1 hora. Eu sempre tentava nesse momento dar uma amaciada. Eu falava para ele pegar leve porque esses caras... O Rincón virava para mim e falava: “Oswaldo, não se preocupe. Eu não vou levar eles para jantar na minha casa, mas dentro de campo eu vou passar a bola para eles”. Então, a concepção profissional era muito prevalecente, era muito forte.

As polêmicas atiçavam a competição do grupo?

Não tenho a menor dúvida. Um exemplo. O Marcelinho tinha uma competição com o Dida porque o Dida fazia questão de ser o último a sair de campo. Era uma superstição muito forte dele. E o Marcelinho gostava de ficar treinando falta. Às vezes o Dida já tinha terminado, mas o Marcelinho treinava com o Maurício ou o Yamada.

O Dida ficava alongando, pacientemente, esperando o Marcelo terminar para ele ser o último a sair do treinamento. Isso gerava uma competição entre os dois. Tinha vez que eu tinha de tocar o Marcelo para o vestiário para poder acabar a atividade do dia.

Oswaldo de Oliveira Meu VilãoArte Goal Brasil

Marcelinho era exemplo para outros jogadores?

Você lembra do Luiz Mário? Ele tinha uma batida diferente, mas aprimorou muito e eu acredito que por estímulo do Marcelinho. Era um grupo muito bom. No Campeonato Paulista, tanto o Luiz Mário como o Marcos Senna foram nossos adversários. Quando acabou, contratamos os dois, o Luizão, João Carlos e encorpamos o grupo. Eles foram muito participativos.

No início do Brasileiro, o Vampeta foi convocado para a seleção brasileira e foi substituído pelo Senna, que jogou muito bem. Muita gente já queria ele de titular, mas era o Vampeta. O Rincón ficou muito feliz em ter jogado com ele.

O Marcelinho já foi eleito o jogador mais odiado do Brasil. Existia essa conversa no dia-a-dia?

Tinha entre eu e ele, mas em âmbito coletivo não. Eu sei que alguns jogadores conversavam com ele sobre isso. Mas o Marcelinho era muito bem-humorado, ele não se deixava levar por isso. Ele estava numa fase muito boa também. Não tinha ascendência de líder como o Rincón, mas ele contagiava o vestiário. Ele, o Edilson e o Vampeta. Eles traziam isso no jogo também.

Contra o São Paulo, no Paulista, eu estava muito preocupado, andando de um lado para o outro. Então o Edilson passou e falou para mim “relaxa, vamos ganhar o jogo”. Já no Brasileiro, teve uma greve dos jogadores com a imprensa. Só eu falava. Depois voltou ao normal, mas ficou uns resquícios. Nós ganhamos do Guarani nas quartas. E o São Paulo passou brilhantemente contra a Ponte Preta, em Campinas, com um homem a menos.

O time brigou pra caramba e classificou para jogar contra nós. Quando o jogo se aproximou, a imprensa fazia questão de mostrar a mudança de estereótipo. O Corinthians era o time “dos bambis” e o guerreiro era o São Paulo. Aquilo, de certa forma, preocupou alguns jogadores. No dia do jogo tinha a mesa dos baianos: Dida, Vampeta, Edilson e o Ricardinho, que se adicionou ao grupo.

Estávamos eu, Grava, Melo, PC, Mahseredjian na mesa da comissão técnica. Todo mundo se foi, menos a mesa dos baianos, como era normal, e a nossa. Depois a mesa dos baianos também foi embora e ficou só o Edilson. Já percebi que o Edilson queria falar comigo e falei para a comissão técnica sair também. Sentei na mesa do Edilson e perguntei o que ele queria. Ele resmungou e disse que “desse jeito a gente vai perder para o São Paulo. O nosso grupo não é mais como antes”.

Eu disse que era culpa dele. Ele ficou bravo e eu perguntei há quanto tempo ele não falava com o Rincón. O Edilson perguntou se eu achava isso mesmo e eu disse que sim. Então ele disse que poderia deixar com ele. Duas horas depois fizemos a preleção e quando eu terminei, o Edilson pediu a palavra e para afastar as cadeiras para fazer uma oração. Nós demos as mãos, o Edilson foi para o meio da roda e pediu desculpas para o Freddy. Nesse momento o Dinei desabou em lágrimas.

Ali deu um negócio e eu falei ‘ganhamos o jogo’. Isso mostra a grandiosidade deles. Além de craques, olha o caráter. Eles eram muito fortes. Para ganhar aquele campeonato, contra os timaços da época, precisava de um algo a mais que a gente sempre tinha.

Muita gente criticava e critica a religiosidade do Marcelinho por conta do comportamento dele. O grupo também tinha essa ressalva?

No grupo tinha era mais uma coisa de gozação. Mas eu acho compreensivo porque o Marcelo se tornou religioso mais tarde um pouco quando ele tinha uma vida mais encaminhada e fez essa opção. E eu acho natural que ele não abrisse mão de tudo, de forma até inconsciente. Ele não precisava largar de ser alegre ou incoerente por ser religioso. Não sou especialista em assuntos religiosos, mas as águas dos rios não se misturam. Você pode ter a sua crença sem abrir mão da sua personalidade.

Marcelinho é o maior da história do Corinthians?

Sobre ser o melhor jogador do Corinthians, eu acho. Mas respeito muito um senhor chamado Rivellino. Eu aprendi a admirá-lo na minha adolescência e até hoje sou apaixonado. Vi o doutor Sócrates, um dos grandes que vi jogar. O Neto eu vi muita coisa, mas eu não estava no Brasil. Só vi flashes muito importantes dele no Corinthians. Trabalhei com Rincón, Vampeta, Ricardinho, Dida, todos espetaculares. Mas por tudo que envolveu, pelo tempo que ainda prevalece, é o Marcelo. Recebi as estatísticas dele e são espetaculares.

Marcelinho Carioca Meu Vilão 2Arte Goal Brasil

A personalidade do Marcelinho prejudicou ele na seleção?

Eu acho, por exemplo, que o Dudu [ex-Palmeiras] foi esquecido desmerecidamente. Desde que o Palmeiras contratou ele em 2015, e eu estava lá naquele momento que não foi o melhor dele. De lá pra cá, o Dudu foi o jogador mais regular em alto nível nesses últimos cinco anos. É chuteira de ouro, campeão, artilheiro. E não foi convocado. Isso é concepção do treinador.

No caso do Marcelinho aconteceu isso. Eu, humildemente, digo que naquela época ou qualquer época, eu convocaria o Marcelinho. Depende de como você olha para ele. Eu teria convocado o Marcelinho. Na seleção você tem um leque enorme. Eu estou falando do Dudu, mas tem vários outros maravilhosos. Mas outros treinadores acham que não.

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