Tiago Nunes é, a partir de agora, um dos maiores técnicos que já passaram pela história quase centenária do Athletico-PR. Não que o fim do ciclo fosse garantir uma despedida de leveza e celebração, mas é inegável que chama a atenção a postura do clube ao se despedir de seu treinador, ainda mais partindo de um lugar que o tempo todo vende a ideia do profissionalismo e da gestão.
O treinador tinha contrato até o final do ano, não renovou para 2020 e logo deve ser anunciado como novo comandante do Corinthians. Queria cumprir o vínculo pelos últimos oito jogos do Brasileiro, mas a história foi interrompida antes dessa reta final. "A memória é curta" e "gratidão é a voz do coração" são duas das provocações do anúncio do clube direcionado à saída do técnico.
Sobre a nota, Tiago respondeu: "se existia rancor, não teria motivo para ter ficado".
Athletico-PRUma impressão possível é de que o Athletico mais uma vez se posiciona para marcar posição. Engajado em escalar a prateleira de grandeza do futebol brasileiro, tem uma obsessão pelo pioneirismo e pela inventividade. Quer ser diferente e se contrapor às velhas camisas tradicionais. Nessas, não surpreende que questione a postura do Corinthians e que se coloque como refém de uma disputa financeira, nem dois anos depois de tirar Fernando Diniz do Guarani com contrato no início, após duas semanas de trabalho em Campinas.
Na identidade athleticana, o clube que peitou a televisão, que mudou de nome, distintivo e uniforme, que renegou o Campeonato Estadual e que proibiu torcedores visitantes de frequentar seu estádio agora tem na lista o fato de não abraçar, nem mesmo agradecer publicamente, um de seus mais vitoriosos treinadores. Com o megalomaníaco "maior esforço já feito na história por parte do Athletico para a continuidade de um técnico", se despede fortalecendo a postura do contra tudo e contra todos. Ao estilo de seu mais conhecido dirigente, Mario Celso Petraglia.
Também vale registrar que essa postura de futebolistas e treinadores se esquivando de movimentações claras e óbvias não colaboram com a transparência do mercado. Perguntado sobre o Corinthians nesta quarta-feira, um dia depois de oficializada a saída do Athletico, Tiago Nunes respondeu que "não chegou proposta alguma, todas especulações chegaram ao meu agente". Então chegaram, não é? Esse jogo de palavras e essa transferência de responsabilidade - como se o empresário não respondesse que seu cliente tem interesse em se mudar - é um vai-e-vem que só nutre o desgaste.
Talvez a grande utopia fosse que as partes pudessem esclarecer, ou ao menos se esforçarem para tanto, quais são as formas de comunicação e tomada de decisão no circo do futebol. Entender como funcionam os contatos, como agem os representantes, como se convive com um contrato no fim. Bancar que tudo se trata de um ambiente profissional, não só quando for conveniente.
Enfim, sair desse pedestal em que o futebol de elite foi colocado como se tudo estivesse a um passo de virar assédio, coisa de mercenário, atravessamento, crocodilagem. Sair desse teatro em que tudo "vai ser conversado com calma ao fim da temporada", sendo que o bicho está pegando no WhatsApp. Ser coerente e bancar as informações que são passadas para a imprensa, desconstruindo essa autoridade dos discursos oficiais que chegam como dogma para os torcedores.
Em resumo: não faz sentido que o treinador não termine o campeonato porque está a fim de mudar de camisa no ano que vem. Muito menos que o clube ataque seu profissional por puro orgulho ferido. Ou então que que os personagens continuem nesse jogo de palavras cansativo, esse debate na penumbra, para depois vir falar de profissionalismo, ética e gestão.
O futebol precisa crescer um pouco.
