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A romântica catarse coletiva de uma inigualável e transcendental noite argentina

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Em La Bombonera ou no Monumental de Núñez de São Petersburgo, a Argentina e seus torcedores, que transformaram a cidade e a arena russa em um pedaço de Buenos Aires, foram do céu ao inferno e ao céu outra vez. Da melhor Albiceleste na Copa ao desastre, ao desespero e ao melhor caos que existe. Com os braços cansados, mas sem se entregar, quase chegaram ao fim antes de alcançar a eternidade.

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Foi um dos jogos mais épicos e emocionantes que a Copa do Mundo já viu. Está na história. A vaga que a Argentina viu de perto, quase perdeu, mas conseguiu conquistar de forma dramática. A embriaguez para esquecer que deu lugar a embriaguez para celebrar e lembrar.

De Lionel Messi coçando a cabeça e passando as mãos nos olhos durante o hino argentino antes de enfrentar a Croácia, prevendo um desastre, ao craque e seus companheiros com os olhos marejados e o sangue fervendo vendo São Petersburgo pulsar antes de encarar a Nigéria.

Do camisa 10 apagado contra os croatas ao gênio com um primeiro tempo infernal contra os nigerianos. Deixando Higuaín cara a cara com Uzoho. Acertando a trave em cobrança de falta. Dando belos passes. Marcando um belo gol depois de dominar a bola com toda sua classe e finalizar com a direita, não com a esquerda, após lindo lançamento de Banega. Encerrando um jejum injusto, colocando a bola no fundo das redes depois de 13 raras finalizações erradas e tirando uma tonelada que não deveria carregar das costas.

2018-06-26-messi.jpg(C)Getty Images(Foto: Getty Images)

Do amontoado perdido de jogadores ao melhor time argentino na Rússia, com um domínio completo no primeiro tempo. Sem ser ameaçado, ditando e controlando o ritmo, dominando meio-campo e criando chances de gol. Jogando muito bem com uma marcação pressão eficaz, trocando ótimos passes e chegando naturalmente, com talento, leveza e habilidade ao ataque.

A atitude era outra, assim como o time, cheio de mudanças bem feitas, apesar de ainda caber Lo Celso ou Pavón no lugar de Enzo Pérez. E como "apenas" um jogador transformou totalmente uma equipe. Como Banega deu outra cara ao meio-campo e ao selecionado hermano.

Não à toa, escrevi anteriormente que deveria entrar no time. Com seu bom passe e aproximação, fez Messi ter um parceiro, armou boas jogadas, deu belos passes, se infiltrou, complicou a marcação nigeriana, comandou o meio-campo, ajudou na marcação, deu a assistência genial para o camisa 10 e muito mais. Transformou a Argentina. Foi o articulador e jogador que a Albiceleste tanto precisava.

Argentina Nigeria World Cup Russi 2018 26062018OLGA MALTSEVA/AFP/Getty Images(Foto: OLGA MALTSEVA/AFP/Getty Images)

Os hermanos estavam nos céus. A melhor atuação na Copa, um ótimo primeiro tempo. Controle. A vaga parecia certa e questão de 45 minutos.

Se classificar desse jeito, porém, não seria nada argentino.

Então veio o segundo tempo e, com ele, um pênalti inexistente "cometido" por Javier Mascherano logo no início. Moses converteu com extrema categoria.

O céu virava inferno. A alegria, o drama. A euforia, o desespero.

Victor Moses Nigeria World CupGabriel Rossi

A até então ótima Argentina, se perdeu em campo. Sentiu o gol e o bom futebol desapareceu. O time tentou manter uma organização, mas desesperado, tentou pressionar na base do abafa. Já a Nigéria que não assustou no primeiro tempo, era perigosa nos contra-ataques.

Mascherano, que apenas girava a bola no meio-campo no primeiro tempo, sem ter muito trabalho na marcação, começou a dar carrinhos e mostrar sua conhecida raça com frequência, tentando compensar uma atuação ruim.

O Jefecito, um dos líderes do elenco, se machucou em uma dividida, mas não limpou o rosto. Jogou o segundo tempo inteiro com o sangue fervendo no rosto como fervia no corpo, com o forte calor de São Petersburgo.

Javier Mascherano John Obi Mikel Argentina Nigeria World Cup 2018Gabriel Rossi(Fotos: Gabriel Rossi)

Pavón e Meza entraram. Sampaoli perguntou Messi se era hora de colocar Kun Agüero. Após o 'ok' do 10, colocou o atacante no lugar do lateral-esquerdo Tagliafico. E Dybala? Mais uma vez, sem sentido algum, assistindo no banco. O desespero e a desorganização já estavam ali para todo mundo ver.

Os africanos reclamaram um pênalti que acertadamente não foi marcado. Armani fez uma grande defesa, provando que merecia ser o titular. Etebo quase marcou de falta, Higuaín perdeu mais um gol feito em momento crucial pela seleção. O filme passava na cabeça. A classificação certa agora parecia uma eliminação muito próxima de se concretizar.

Merecida pela conturbada preparação, a bagunça da AFA, o time e Sampaoli perdidos e os vexames contra Islândia e Croácia. Injusta pelo ótimo primeiro tempo contra a Nigéria e a equipe dando mostras de que poderia se recuperar. Injusta porque Messi teria uma marca que não merece.

O drama crescia, as lágrimas já começavam a escorrer. Que sofrimento.

Javier Mascherano Cuneyt Cakir Nigeria Argentina 26062018Getty

Mas se existem as premonições ruins, também existem as boas. Se Messi parecia prever o desastre contra os croatas, alguém longe de ter o peso do camisa 10, previu uma história fantástica contra as Super Águias.

Aos 41 minutos, o limitado Mercado foi até o fim do campo para fazer o cruzamento de sua vida. Messi, Agüero, Higuaín? Não, nenhum deles. Quem estava dentro da área para marcar o gol salvador e provocar uma catarse coletiva? Marcos Rojo.

Marcos RojoGetty(Fotos: Getty Images)

Um defensor que foi bem na última Copa e se transferiu para o Manchester United. Começou bem nos Red Devils, mas foi perdendo espaço. Com lesões, pouco jogou na última temporada, apesar de ter o contrato renovado até 2021. 

Reserva no clube, foi convocado para o Mundial por ser polivalente. Perdeu a titularidade na lateral-esquerda para Tagliafico, mas foi titular ao lado de Otamendi na zaga contra a Islândia. Com a atuação ruim, perdeu seu lugar contra a Croácia, mas voltou como zagueiro contra a Nigéria.

Mais importante que tudo isso, porém, é a previsão do inesperado. Após o jogo, Rojo fez uma revelação impressionante. Ele tinha avisado os companheiros que marcaria o gol da classificação argentina. Banega e companhia riram do otimismo do amigo. Em campo, eles riram de novo, mas por outro motivo. O limitado zagueiro carregou nas costas um dos maiores jogadores de todos os tempos. A curiosidade? Como Messi, ele é canhoto. E como Messi, marcou contra a Nigéria com o pé direito.

Argentina Nigeria World Cup Russi 2018 26062018GABRIEL BOUYS/AFP/Getty Images(Foto: GABRIEL BOUYS/AFP/Getty Images)

O herói argentino não foi Messi, não foi Di María, não foi Dybala, não foi Pavón, nem mesmo Higuaín, Agüero, Mascherano ou sequer Banega. Foi um zagueiro, reserva em seu clube, com uma temporada ruim, mas que tinha anunciado o improvável antes de entrar em campo. Foi Rojo quem apareceu dentro da área como centroavante para libertar a Albiceleste, fazer Maradona enlouquecer e passar mal, tudo isso faltando apenas cinco minutos para um desastre ser confirmado.

É difícil ser mais argentino do que isso.

A Argentina tem problemas internos, precisa se organizar melhor, a entrada de Pavón ou Lo Celso no lugar de Enzo Pérez é necessária, assim como utilizar Dybala mais e melhor, e não poder se desesperar e sentir tanto um gol sofrido como aconteceu, mas quem se importa?

Argentina Nigeria World Cup Russi 2018 26062018Richard Heathcote/Getty ImagesArgentina 26062018Getty(Fotos: Richard Heathcote/Getty Images-Getty Images)

A Albiceleste cresceu quando precisou, coletivamente e individualmente. Deu a resposta. Todos tiraram uma tonelada das costas, especialmente Messi, com seu fardo exagerado e injusto. O choro dos argentinos no campo e nas arquibancadas diz mais que qualquer palavra escrita por um brasileiro.

A Argentina se libertou na noite de São Petersburgo. Deve crescer e, mesmo com todos os problemas, chega renovada e confiante para enfrentar nas oitavas de final, uma França longe de mostrar o que pode.

Mas tudo isso fica em segundo plano agora. Agora, a Argentina quer apenas celebrar sua noite inigualável. O melhor drama, desespero e caos que existe. A euforia absoluta de uma libertação emocionante e transcendental. O orgulho de uma história tipicamente argentina.

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