Alexandra Popp, Germany Euro 2022Getty Images

A importância de (também) jogar 'sem a bola'

O futebol não é um jogo unilateral. Dentro de uma partida notamos duas fases: o ataque e a defesa; e nelas, duas características de movimentos a serem realizados pelas atletas: com a bola e sem a bola. Às vezes nos atemos muito a números como os de gols marcados e assistências – que, não me entenda mal, devem ser bastante valorizados –, mas esquecemos que uma jogadora útil e qualificada vai além disso. Torna-se necessário exaltarmos, na mesma medida, posturas eficientes sem a bola que também contribuem para o sucesso das equipes (a coluna é focada no futebol feminino, mas o tema tratado – jogo sem a bola – é universal no futebol, não havendo diferença de importância em relação ao futebol masculino).

No último dia 05 de fevereiro, o Chelsea bateu o Tottenham por 3 a 2 pela Super League inglesa. A atacante Lauren James marcou um dos gols das Blues e teve atuação magistral, mas o que chamou atenção foi a declaração da treinadora Emma Hayes pós-jogo:

"Ela é fantástica, mas precisa aprender algumas outras coisas, como na parte final do jogo - voltar à sua posição. Isso é para eu lidar com ela. Com a bola, ela é excelente, mas precisamos ser pacientes. Ela precisa continuar desenvolvendo os dois lados [do seu jogo – com e sem a bola]."

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Nosso foco não será em James e Hayes especificamente, mas sim na mensagem voltada para a necessidade de trabalhar igualmente os dois lados do jogo, com e sem a bola. Este último, por não ser tão gracioso; tão evidenciado, como gols e assistências; por ser o ‘trabalho sujo’; é muitas vezes deixado de lado na hora das jogadoras definirem suas prioridades de desenvolvimento.

O futebol é um jogo cíclico, no qual ora o time está atacando, ora está defendendo, ou seja, é baseado na troca de posses entre as equipes. Uma defesa eficiente resulta na retomada da bola e, consequentemente, em uma nova oportunidade para atacar.

Cada conjunto possui seu plano de jogo e seu esquema (ou esquemas). Toda estratégia é acompanhada por prós e contras, trazendo consigo a necessidade de compensações e coberturas dentro de campo. Por isso, todas as onze jogadoras nas quatro linhas são vitais para execução do plano. O coletivo é essencial, mas se cada indivíduo não executar seu papel, buracos e falhas ficarão evidentes no sistema.

Passada a introdução, o foco vai para postura das jogadoras. Competitividade é o ideal buscado, e cada atleta precisa ser equilibrada, desenvolver os ‘dois lados de seu jogo’, com e sem a bola. É lógico que, dependendo da posição exercida em campo, veremos algumas valências mais fortes do que outras. Por exemplo, uma atacante tende a finalizar melhor do que uma defensora (e até treinar mais esse fundamento), mas isso não significa que a avançada deva abdicar dos treinos de aspectos defensivos.

Como já foi falado, ataque e defesa são fases igualmente importantes e necessitam do envolvimento coletivo. Ultimamente o termo ‘intensidade’ tem sido muito utilizado, e se refere a um conceito bastante amplo, impactado por diversos fatores: concentração, leituras com e sem posse da bola, mapeamento de espaços, ‘quebra de pescoço’ (escanear o campo), posicionamento, velocidade de raciocínio, entre outros.

Analisando de perto, boa parte dos fatores citados envolvem ações sem a bola. Dessa forma, o engajamento das atletas é necessário para o funcionamento da engrenagem do time. A gestão de espaço e de tempo encontra-se intimamente ligada com o posicionamento e as leituras de movimentos. Na fase ofensiva, liberação de espaços, puxando marcadoras, e infiltrações para atacá-los e gerar vantagem são exemplos de ações sem bola que podem potencializar o ataque. Outro fator importante é o movimento de ‘quebra de pescoço’ para ler o campo, tendo noção de onde as outras jogadoras estão, permitindo a realização de ajustes.

Já na fase defensiva, acompanhar o balanço é vital para compactação e coesão das linhas de marcação. Hoje, no alto nível, não há mais espaço para pouco engajamento e passividade. O sistema defensivo começa no ataque e necessita do envolvimento de todas, sejam defensoras, meias ou atacantes.

Os movimentos de marcação são, talvez, os mais importantes em uma partida, visto que são eles que permitem a recuperação da bola visando nova oportunidade de ataque, bem como manter o adversário longe do seu gol. Como exemplo, temos a pressão pós-perda, a pressão na portadora da bola, que pode ser na saída de bola ou não, e os comportamentos em zona (fechando espaços/linhas de passe).

Como destacado no início, as posturas sem a bola, por serem silenciosas, acabam muitas vezes ignoradas, isto é, não tendo o devido reconhecimento. Mas são esses tipos de ações dentro de campo que fazem total diferença para o sucesso das equipes.

Na Euro de 2022, a Alemanha enfrentou a França na semifinal e venceu por 2 a 1, com dois gols de Alex Popp, centroavante e artilheira da competição naquele momento. No entanto, ao fim da partida, a treinadora Martina Voss-Tecklenburg preferiu destacar as ações sem bola da atacante, em vez de valorizá-la apenas pelos gols marcados.

"Ela marcou dois gols, mas minha cena favorita contra a França foi aos 85 minutos, quando ela correu 60 metros para bloquear uma bola na defesa. Isso mostra o quão importante ela é, igual a todas as outras jogadoras. Essa é a força da nossa equipe."

A declaração da comandante é emblemática porque evidencia o fato de que o momento sem bola é tão relevante quanto um gol marcado.

Todas em campo precisam marcar. As funções das atletas não se limitam à posse de bola, ao ataque, ao momento de anotar os gols ou dar um passe decisivo. É vital recompor as linhas, tirar os espaços das adversárias, negar a entrada da bola no seu setor. Fatores e percepções como estas elevam o nível da jogadora em termos mundiais e a torna mais valorizada e competitiva.

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