Achraf Hakimi Morocco Spain 2022Getty

A cavadinha de Hakimi faz jus à jornada africana no Qatar

Daria muito mais trabalho explicar um dia que as seleções africanas foram um grande barato nesta Copa do Mundo, nas arquibancadas e dentro de campo, se no fim ficassem pelo caminho sem chegar entre as oito finalistas, mas Marrocos, merecidamente, superou a Espanha para garantir o continente naquela linha que separam as pequenas das grandes histórias, as quartas de final, um salto inesquecível para um país apaixonado pelo jogo e um lugar justo para se meter entre os favoritos de sempre, via de regra Brasil, Argentina e europeus.

Hakimi trouxe ainda mais graça para o feito ao ter a bola do último pênalti. Logo ele, de família marroquina mas nascido em Madri e revelado no Real, mandando a redonda para as redes com uma cavadinha de vitória, um totó que acabou nem saindo alto, como o de Loco Abreu, parecendo até mais uma tapa de Djalminha, um embaraço para o goleiro espanhol Unai Simón.

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Neste formato de Copa do Mundo com 32 seleções, que vigora desde 1998, pela primeira vez as cinco seleções da África conseguiram vencer. Foram sete vitórias na fase de grupos, número que nunca havia sido maior que três. Nas quartas, até aqui, só outras três, as icônicas Camarões de 1990, Senegal de 2002 e Gana de 2010. Fora de campo, tunisianos e marroquinos engoliram seus rivais com a paixão que foi recompensada pela dedicação de seus times, com resultados impressionantes.

Marrocos teve dificuldades contra a Espanha, é claro. Tomou uma bola na trave ainda no primeiro tempo, cansou de tanto marcar e acompanhar os mais de mil passes do time de Luis Enrique, mas é verdade que em nenhum momento parecia que o controle espanhol estava aproximando o time da classificação. O que correu Ounahi no meio de campo é para se guardar, o que tentaram Ziyech e Boufal também, e depois dos gols perdidos por Cheddira – quem diria, no fim Marrocos teve as chances mais claras – brilharam nos pênaltis o goleiro Bono e o toquinho de Hakimi. A história estava feita.

Hakimi penalty Spain v Morocco 2022 World CupGetty Images

Sofyan Amrabat vale um parágrafo à parte porque esse não é um caso apenas das oitavas de final, mas da campanha invicta que passou também por Croácia, Bélgica e Canadá. É um dos melhores jogadores de todo o Mundial, sem receio de puxar a cadeira para sentar na mesa de Mbappé, Messi ou Casemiro. Dá gosto de ver.

É tentador numa queda como a da Espanha, a terceira frustração seguida em Copas e mostrando tão pouco futebol no torneio desde que, finalmente, levantou a taça em 2010, cravar a derrota como um fracasso do estilo de jogo, marcado principalmente por uma posse de bola que no fim não chega ao gol quando enfrenta equipes fechadas. É um jogo que acaba muito travado e previsível, no fim das contas chato para muita gente. Falta mais poder de fogo na área (não à toa trouxeram Diego Costa para dois Mundiais), um pouco menos de obediência e rigidez na criação perto do gol e mais protagonismo individual pelo chute, pelo passe final. São jogadores de controle de bola que se afetam pouco com o placar zerado e seguem tocando, tocando e tocando, até que chega a ficar confortável para quem marca.

Luis Enrique Sergio Busquets Spain GFXGetty Images

Ao mesmo tempo me parece injusto ironizar as transmissões que Luis Enrique fez na internet durante o torneio, se metendo a streamer. Ele deve ser cobrado pelo tanto que fala, projetando seu time como algo muito melhor do que o campo mostra, e pela dificuldade que tem para vencer as partidas, deixando o Oriente Médio com só uma vitória em quatro jogos, muito pouco para quem diz que viajou para ser campeão. As transmissões em si não têm culpa, e foi interessante acompanhar esse canal direto de diálogo com o torcedor.

Que coisa bonita quando Bernardo Silva, Bruno Fernandes e João Félix encontram tanto jogo, com movimentação, refinamento técnico, acerto nas escolhas. Portugal fez seis na Suíça com uma naturalidade fora do padrão quando se encontram duas equipes europeias numa fase eliminatória. Um alívio para o técnico Fernando Santos, que barrou a maior estrela da companhia e foi recompensado com a grande atuação do time em muito tempo.

20221206 Fernando Santos Cristiano RonaldoGetty Images

Não deve ser fácil para Cristiano Ronaldo, o ego do tamanho de sua carreira, aceitar que o melhor jogo coletivo de Portugal surgiu com ele no banco de reservas. Lembrando das partidas portuguesas nos últimos cinco Mundiais, desde que Cristiano frequenta o evento, dá para considerar o jogo desta terça-feira como o mais vistoso, mais bem acabado, da equipe portuguesa em toda a era CR7.

Anos e anos depois de girar em torno de seu capitão e artilheiro, é a transição para um novo momento, que fica até difícil de imaginar acontecendo com Messi ou Neymar – já pensou eles perdendo a posição no meio de uma Copa, o time fazendo seis e seu substituto saindo com a bola do jogo depois de marcar três vezes? Pode ser que Cristiano volte, marque, seja fundamental quem sabe até num título mundial, mas a Copa é curta e grande demais para tolerar biquinho de figurão ao ser substituído. Fernando Santos, tão questionado, pensou no time, e tirou o melhor dele. Gonçalo, o titular improvável, viveu minutos iluminados.

Goncalo Ramos Portugal Switzerland POTM 2022Getty Images

As oitavas de final viram os melhores jogadores das melhores seleções subindo seu nível, e fica até difícil firmar uma seleção desses dias eliminatórios. Só entre meias e atacantes poderiam estar Memphis, Messi, Griezmann, Mbappé, Kane, Vinicius Jr., Richarlison, Bruno Fernandes, João Félix, Gonçalo Ramos... A Copa volta na sexta-feira e está, definitivamente, para gente grande.

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