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Taison, Mineirão e a urgência da luta antirracista, dentro e fora do futebol

"Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista." A frase é da ativista Angela Davis, professora e filósofa integrante dos Panteras Negras e dona de uma das mais importantes vozes na militância negra há décadas.

Ela esteve mais uma vez no Brasil em outubro passado, debatendo, palestrando e autografando seus livros em eventos lotados. Como de costume, faz sempre questão de valorizar a força coletiva e poder mobilizador das pessoas em torno dessas ideias, mais do que se colocar como alguém que, individualmente, chame a atenção.

Mas foi uma frase de Angela que, infelizmente, pelo pior contexto possível, ganhou as manchetes do esporte no final de semana. Taison, atacante do Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, remeteu à ideia da socialista ao se posicionar diante dos ataques racistas que acabara de sofrer horas antes, em jogo do Campeonato Ucraniano.

O texto começa ainda com um verso de Jesus Chorou, um dos tantos hinos dos Racionais MCs, que diz "Amo minha raça, luto pela cor, o que quer que eu faça é por nós, por amor..". O líder do grupo, Mano Brown, aliás foi um dos protagonistas de uma importante campanha do Santos Futebol Clube também em outubro: Time de Preto e de Branco foi às origens e aos ídolos negros do time de Pelé, Neymar e tantos outros.

Em campo, no domingo, Taison foi o alvo principal dos insultos da torcida do Dínamo de Kiev, que também miraram seu companheiro de time Dentinho. O ex-jogador do Internacional, presente na última Copa do Mundo com a seleção brasileira, mostrou o dedo médio para as arquibancadas, chutou a bola em direção aos xingamentos e acabou expulso pelo árbitro. Seguindo o protocolo da Uefa, primeiro os alto-falantes do estádio fizeram uma notificação, depois a arbitragem parou o jogo.

No retorno, Mykola Balakin apresentou o cartão vermelho a Taison (!) pela resposta aos racistas. Na segunda-feira, ele admitiu a vontade de deixar o clube e o país.

Não bastasse a fragilidade do procedimento - em que outra situação existe aviso prévio e tanta tolerância para racista? -, o mediador perde uma chance histórica de se colocar ao lado do jogador, apresentando a punição à vítima. Lembram da frase lá em cima?

Mais ou menos ao mesmo tempo, aqui no Brasil de Taison e Dentinho, um segurança do Estádio do Mineirão recebeu uma cusparada e foi vítima de injúria racial por parte de um torcedor do Atlético-MG. O rapaz disse "olha a sua cor", em alto e bom som facilmente identificado num vídeo. O funcionário prestou queixa, e a Polícia Civil informou que já identificou dois suspeitos do tumulto.

Até o fechamento deste texto, na noite de segunda-feira, nenhuma palavra da CBF em suas redes oficiais diante do crime cometido contra os jogadores brasileiros na Ucrânia; também nada nas páginas do Estádio do Mineirão sobre o crime cometido durante o Atlético-MG e Cruzeiro; o Galo divulgou o rotineiro repúdio a "qualquer ato de violência, incluindo racismo".

E esse texto é só uma contribuição para que esse debate, essa exposição e essa inquietação possa chegar a mais e mais gente. Que saibam que Reinaldo, grande ídolo do Galo, cobrou o torcedor de seu time. Que a abertura do Seleção Sportv teve André Rizek e Luis Roberto falando longamente sobre o caso - inclusive com Rizek lembrando, com todas as letras, da ausência de negros na programação do canal e no debate e formação de opinião no jornalismo, fazendo referência ao impactante texto Letra Preta, da repórter Yasmin Santos, na revista Piauí.

É preciso que tudo seja dito sem meias palavras, falando desses assuntos clara e fortemente - como fez o Santos ao pedir para racistas, preconceituosos e xenófobos deixem de frequentar os jogos e usem roupas do clube. Como podiam ter feito CBF e Mineirão. Todo esse ambiente, com o alcance que tem, pode e precisa ser também linha de frente nesta luta, tal qual faz o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que monitora crimes e promove ações como a do encontro entre os técnicos Roger e Marcão.

Afinal de contas, se o futebol é um espelho da sociedade, e tem escancarado tudo que ela tem de pior, que faça uso de seu tamanho para provocar a mudança. Sem mas, nem voltas. Não vem dizer que o jogador isso e aquilo. Que o torcedor não sei o que lá, não sei o quê. Racista é racista, e ponto. E já não basta só não ser um.

Enquanto isso, Taison, que há dez anos virou meme quando um cronista gaúcho insinuava que o brasileiro poderia ser melhor jogador que Messi, tem uma atitude digna de primeira prateleira dos atletas que bancaram a luta antirracista. Não vai ganhar a Bola de Ouro, mas não vai se calar.

Num lugar onde tantos jogadores relativizam casos do tipo e num espaço em que muito racista se sente livre para insultar e agredir do meio da multidão, o dedo, o chute, a choro e o texto de Taison valem muito.

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