Lionel Messi avisou o Barcelona que quer encerrar seu contrato com o clube, e um destino que surge com força é o Manchester City. Pelo formato de gestão do time inglês, isso pode representar mais do que apenas jogar pela equipe da Premier League.
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A ESPN americana publicou nesta quarta (26/08) que o City poderia oferecer um longo contrato a Messi, que após três anos na Inglaterra se tornaria jogador do New York City FC, franquia da mesma empresa. Depois, ele ainda teria a chance de virar embaixador do City Football Group, que possui vários times ao redor do mundo.
A reportagem da Goal na Espanha também confirma que o técnico Pep Guardiola conversou com Messi para lhe contar os detalhes do projeto envolvendo o City. Ainda há todas as questões financeiras envolvidas, como o pagamento da multa, a intenção de Messi de utilizar a cláusula de saída sem custos e também as questões envolvendo o Fair Play financeiro para a contratação. Mas a situação aponta para uma tendência.
A ideia de "Multi-Club Ownership", ou algo como "Multipropriedade de Clubes", já vem sendo colocada em prática há algum tempo. Ela pode ser vista como um passo nas relações globais da indústria do esporte, com franquias espalhadas por diversos campeonatos sendo administradas pela mesma empresa. Assim, um jogador como Messi, acaba sendo contratado por um grupo, não por um clube.
Mas, como isso funciona?
O pesquisador João Ricardo Pisani, mestre em Gestão Esportiva pela Universidade de Georgetown, tem se debruçado nesse fenômeno. A explicação abaixo parte muito de seu artigo "Multi-club ownership: um novo estágio na globalização do futebol", publicado no livro Clube Empresa - Abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol, lançado neste ano.
"Esse formato de organização irá permitir aos clubes aumentar sua capacidade de prospectar por talentos, ampliar seu alcance de marca, potencializar ainda mais a capacidade de gerar renda ao transcender as limitações demográficas e até mesmo ignorar leis locais, tais como taxas e impostos, restrições de transferências de jogadores e até mesmo o polêmico Fair Play Financeiro local", escreve Pisani.
Divulgação / TorqueNos últimos anos, depois de se firmar em Manchester, o City Football Group adquiriu outros oito clubes ao redor do mundo, se usando de um modelo que promove uma certa uniformidade entre suas franquias. Isso não se reflete só no fato das equipes usarem as mesmas camisas no tom azul claro, mas também num trabalho unificado. Tudo fica ainda mais claro numa frase que está no próprio artigo de Pisani, de autoria de Ferran Soriano, um dos arquitetos da gestão do City Group: "Esse é o ponto onde os grandes clubes de futebol deixam de parecer um circo local e se transformam em algo que lembra mais uma empresa global de entretenimento como uma Walt Disney ou uma Warner Bros".
A Fifa inclusive já inseriu em seu estatuto alguns artigos para abordar o enquadramento dessas empresas. Ainda se trata de um olhar pouco conclusivo. Se por um lado a entidade deve se preocupar para que um mesmo grupo com vários times não comprometa as disputas em campo com algum tipo de conflito de interesses, por outro ainda há diferentes regras e definições para esse conceito. Como diz Pisani, isso "acaba por criar uma enorme área cinzenta no futebol em uma escala mais ampla".
A ideia dessa multipropriedade de clubes vem de longe. Um caso emblemático aconteceu nos anos 1990, quando o grupo inglês ENIC era dono de partes de AEK Atenas, Basel, Rangers, Slavia Praga, Tottenham e Vicenza. A UEFA chegou a proibir que times de idênticos proprietários disputassem a mesma competição depois de eles quase se encontrarem num jogo eliminatório da antiga Recopa Europeia.
E a Red Bull? Em 2017, a UEFA liberou a participação de dois times na mesma competição, o Leipzig e o Salzburg, em decisão onde alegava que não havia influência de uma mesma pessoa física ou jurídica em ambos os clubes ao mesmo tempo. Na temporada seguinte, pior: eles caíram no mesmo grupo na Europa League. Sinal de alerta, mas tudo seguiu normalmente.
Outro exemplo famoso é da família Pozzo. Mais recentemente, Giampaolo Pozzo adquiriu o Granada, na Espanha, que já foi vendido, e o Watford, na Inglaterra. A mesma turma já havia assumido o controle da Udinese ainda nos anos 1980.
Já o City Football Group pode ser considerado a maior empresa do planeta no que diz respeito a uma organização privada dedicada exclusivamente ao futebol. O principal proprietário é o Adu Dhabi United Group for Development and Investment (ADUG), e os acionistas minoritários são chineses.
Tudo começou quando o proprietário do ADUG, o xeique Mansour bin Zayed al Nahyan, dos Emirados Árabes, comprou o Manchester City, em 2008. Anos depois veio o New York City FC, começando a expansão. Então o grupo comprou o Melbourne Heart, da Austrália; parte do Yokohama Marinos, do Japão; o Clube Atlético Torque, modesto time do Uruguai; parte do Girona, da Espanha, pela primeira vez buscando um segundo clube na Europa; o Sichuan Jiuniu, da China; o Mumbai City, na Índia; e, em maio deste ano, o Lommel SK, da Bélgica. Além disso, montou diversas academias de futebol para a formação de talentos pelo mundo.
Voltando ao caso de Messi, de articular jogadores e negócios pensando no grupo ao invés do clube, isso já vem acontecendo. Quando o Manchester City contratou o jovem venezuelano Yangel Herrera, uma revelação do Sul-Americano sub-20, por exemplo, ele foi logo emprestado para o New York City. Então o potencial de investimento acaba sendo favorável para reforços e até dribles nas regras locais - o time dos Estados Unidos não precisa arcar com a transferência de um jogador que veio atuar no seu time, nem contratá-lo sob os termos da MLS.
Pelo tamanho do craque argentino, assinar um contrato com o City Football Group pode ser um marco neste ambiente. Retomando o termo usado por alguém lá de dentro, é o tempo dos times deixarem de ser circos, buscando um lugar como grandes holdings de entretenimento. E os grandes jogadores podem começar a participar mais ativamente dessa festa.
