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Hugo Souza pós Palmeiras x Flamengo Brasileirão 28 09 2020Alexandre Vidal / Flamengo

Era um domingo de vergonha, mas o futebol é dos Nenecas

A dois meses de completar 80 anos, minha vó disse logo de manhã:

- Pela primeira vez na vida esqueci do dia de Cosme e Damião. Você lembrou?

Lembrei, porque é uma das minhas primeiras memórias da vida, a linha de produção organizada na mesa de madeira, cada neto, os de sangue e os da rua, empacotando aquela infinidade de miudezas, o guarda-chuva de chocolate, o dadinho de amendoim, a bala de goma, o saquinho de floco de arroz rosa, a paçoca, o cuidado para não quebrar.

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Foi também a primeira vez na vida que não comi doce de Cosme e Damião, vó. A pandemia que leva vidas nos tira até o calendário, os pequenos rituais que vão dando o compasso dos dias, o bolso grudando no pé de moleque, o pirulito abrindo antes da hora em todo final de setembro, religiosamente.

Quando eu voltava para casa ainda vi uma turma atravessando a rua e saudando os erês, mas na transmissão ninguém sabia se ia ter jogo. De domingo é assim que nos formamos, a bola rola às quatro. Ainda que nem sempre esteja no estádio , assistindo na televisão ou pendurado no rádio, é uma coisa que simplesmente existe. Quando der seis da tarde, mais uma partida terá terminado, única, sumindo no ar da beleza dum golaço e dos passados saudosos.

Desta vez nem teve o fica para o jogo, porque até isso estão nos tirando, a inocente esperança duma vitória quando cair o sol. O Brasil nos conta o tempo todo que seu futebol é tocado por uma caprichosa gentalha. Um bando que transforma uma crise real, o maior problema de saúde desde que esse jogo é do tamanho que é, num mero desfalque de última hora, discurso cada um por si com a máscara do cuidado sanitário, lenga-lenga esportivo, esse dos homens de mais de 50 que mal chutaram uma bola, trocando canetadas e mensagens de whatsapp para tentar aumentar a chance de seu time alcançar os três pontos.

Um domingo de Palmeiras x Flamengo , encontro dos dois últimos campeões, transformado deliberadamente numa esquete de quinta categoria, onde o torcedor, esse pária, acaba convidado a acompanhar um tempo real de liminares da justiça , um sem número de nadas com nadas elegantemente fardados, a nota oficial para cá, o tuíte do presidente de não sei onde para cá, o recurso do pedido da solicitação do requerimento da indagação do protocolo do blá, blá, blá.

A articulação é tão elaborada, explicando para confundir, que a quinze minutos do jogo a única resposta possível sobre ser favorável ou não à pelada só cabe num já não sei mais. Entre o Flamengo querendo adiar uma partida com um elenco tomado pelo coronavírus e o Palmeiras mantendo a programação normalmente, uma disputa que já começou toda torta, reações diferentes em relação ao torneio continental , precedentes atropelados, lideranças alheias se cruzando, instâncias se sobrepondo, uma coleção de passos dados de qualquer jeito, tentativa e erro, vai levando, vai para o ônibus, volta para o quarto, vai para o estádio ou pega a Dutra?, vai para o estádio, talvez vai ter, talvez não vai, vamos vendo?, vamos vendo.

No fim das contas, não se pode esquecer que é um campeonato que tem mais minuto de silêncio que drible da vaca. Começou quando o país tinha 100 mil mortes causadas pela pandemia, hoje passando dos 140 mil.

Mas por algumas razões que fazem do Brasil esse lugar insuportavelmente apaixonante, para cada cartola estraga prazer nasce um Hugo Souza, o Neneca . Para cada final de semana que o futebol faz das suas ridículas performances extracampo aparece um moleque que emociona mesmo quem não aguenta mais gostar desse circo mambembe.

Hugo Souza Palmeiras x Flamengo Brasileirão 27 09 2020Alexandre Vidal / Flamengo (Foto: Alexandre Vidal / Flamengo)

O goleiro do Flamengo já chegou até na seleção brasileira, mas ainda não tinha jogado nesse ano, nem estreado pelos profissionais. Nessa fogueira, correspondeu à expectativa de quem o conhece das categorias de base e foi importante para manter o empate heróico para as circunstâncias. Mas, mais que isso, acabou por reforçar aos engravatados que a gente gosta de futebol é exatamente por histórias como essa.

Hugo, na saída de campo, explicou que toda a emoção pela estreia tinha ainda um componente familiar. "A diferença dessa partida é que na última meu pai estava na arquibancada assistindo. E hoje eu não tenho mais ele. Faz seis meses. Hoje é a primeira vez que entrei em campo sem o meu pai".

Em pleno Cosme e Damião, os que olham pelas crianças, surgiu Hugo, 21, carregando a memória do pai e segurando a onda dum Flamengo desmontado por algo muito grave, muito sensível, e que o futebol faz questão de tratar tão mal.

Ainda que seja só um sorriso de canto de boca no meio do caos, foi bom ver Hugo, cujo apelido vira e mexe pinta num goleiro em referência ao saudoso campeão brasileiro pelo Guarani. O melhor e o pior do esporte produzido no Brasil seguindo juntos, fazendo sobrar talento e paixão pelo jogo mesmo no país da liminar. O ambiente é uma vergonha, mas o futebol, no fim das contas e ainda bem, é dos Nenecas.

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Perguntas frequentes

A primeira edição do Campeonato Brasileiro por pontos corridos foi disputada em 2003, ano em que o Cruzeiro se sagrou campeão.

Não. Em 2003 e 2004, o Campeonato Brasileiro tinha 24 times, número que baixou para 22 na edição de 2005. Desde 2006, 20 equipes participam da Série A do Brasileirão.

Desde 2016, os seis melhores times do Brasileirão garantem uma vaga na Copa Libertadores do ano seguinte, sendo que os quatro primeiros vão diretamente para a fase de grupos e os outros dois disputam a pré-Libertadores.

Considerando toda a história do Campeonato Brasileiro, Roberto Dinamite, com 190 gols em 328 jogos, é o maior goleador da competição.

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