Quinta-feira, 18 de junho de 2020. Foi nesta data que, para a surpresa de todos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com apoio do Flamengo, anunciou uma Medida Provisória que faz alterações na Lei Pelé e altera radicalmente os direitos de transmissão no futebol brasileiro.
A MP 984, que ficou conhecida como "MP do Flamengo", prevê que a negociação dos direitos de transmissão fique restrita, para cada partida, aos clubes mandantes. Isto significa que uma emissora ou uma empresa de streaming, para transmitir um evento esportivo de futebol, não precisa mais ter acordo com os dois clubes participantes, apenas negocia diretamente com o mandante do jogo.
A mudança dá mais poder de barganha a grandes equipes, ao passo que pode significar uma ruptura do modo como vemos o futebol brasileiro. No vídeo acima, a Goal foi conversar com especialistas para ver o que pode mudar com a medida provisória.
O primeiro uso das novas regras já deve acontecer nesta quarta-feira (1), quando o próprio Flamengo enfrenta o Boavista, pela última rodada da Taça Rio. O Rubro-Negro, que não chegou a um acordo com a TV Globo, deve transmitir o duelo na FlaTV, plataforma do clube no Youtube, seguindo os novos parâmetros da MP.
Segundo especialistas, no entanto, a medida pode aumentar as diferenças entre clubes. Após a implosão do Clube dos 13, em 2011, equipes começaram a negociar direitos de transmissão individualmente e as desigualdades entre valores pagos a Flamengo e Corinthians, times mais populares do país, aumentou em relação ao que é pago a pequenos. Assim, a criação de uma liga conjunta que negociasse os direitos de transmissão também está em pauta.
"O Clube dos 13 implodiu por causa de uma negociação de TV. Implodiu para garantir que alguns clubes, que se acham maiores, ganhassem mais dinheiro." explicou João Ricardo Pisani, gestor esportivo e estudioso do assunto. "Essa gana de se descolar dos outros é que me preocupa do que pode vir com a MP, pensando no cenário em que o mandante negocia os direitos de forma unilateral. Não vejo o formato atual migrando para uma liga, pelo menos de imediato."
Uma outra preocupação de estudiosos sobre direitos de transmissão do futebol brasileiro é que o poder de barganha pode acabar ficando concentrado nas maiores equipes do país.
"A experiência que nós temos com negociação individual é de aumentar as distâncias do futebol brasileiro. São Paulo, Palmeiras, Vasco, Flamengo e Corinthians tem poder de barganha. Athletico pode barganhar pois tem uma organização estrutural que o permite fazer isso, como mostrou no Brasileirão 2019. O Bahia tem algum poder, mas precisa entender que seus jogos valem muito menos de que outros, a não ser em poucas ocasiões." comentou Anderson Santos, professor da UFAL e escritor de livros sobre o assunto.
"Pense em clubes como o Sport ou o Cruzeiro, como eles vão negociar? O Sport, endividado com a Globo, qual é seu poder de barganha para negociar individualmente? Os clubes médios, com torcida regional, podem até ganhar mais, mas aqueles que já ganham muito devem ganhar ainda mais. Pelo contexto histórico, é provável que a diferença fique ainda maior." terminou Anderson.
A MP, inclusive, vai na contra-mão do que acontece em grandes ligas como a Premier League ou a Bundesliga, se assemelhando mais aos modelos de Portugal e do México.
"Em Portugal, o mandante é dono dos direitos e os negocia individualmente. O Benfica, com sua própria TV, vendeu os direitos para um grande grupo, e deu um salto tremendo. O Porto vem seguindo o mesmo modelo. Se fatiou o que é o futebol português hoje e isso foi muito prejudicial a clubes menores." conta Pisani.
"Nas demais ligas europeias, vemos um movimento contrário. Se México e Portugal aniquilaram o aspecto regional, a Premier League é completamente contra este movimento. A ideia deles é juntar os clubes, colocar a liga como um grande produto. A La Liga, a duras penas, com o governo intervindo, entendeu finalmente que Bétis e Sevilla é um clássico tão importante como Barcelona e Real Madrid." termina.