Audiência, engajamento, patrocínios e divulgação. O que credencia o sucesso de um torneio esportivo? A Copa do Mundo feminina de 2019 entra para a história num momento em que representatividade por mulheres no meio já não é mais uma demanda, mas realidade.
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Foi a oitava edição do torneio, uma surpresa para muitos que desconheciam a existência de um Mundial só delas. Mas, no Brasil, foi a primeira vez que a competição foi exibida pela TV Globo, líder de audiência na rede aberta. Em outros anos, a transmissão ficou com a Band, sendo acompanhada por um nicho específico para o qual o futebol feminino não era novidade. A emissora também transmitiu alguns dos jogos este ano.
Na TV fechada, o SporTV exibiu 48 dos 52 jogos da Copa, um crescimento significativo em relação a 2015, quando passou 23 partidas. No entanto, não basta apenas transmitir, é preciso divulgar. E esse foi um dos acertos das emissoras, que anunciaram constantemente a cobertura do torneio, fizeram matérias sobre as jogadoras e edições anteriores das Copas, deram voz a veteranas, trabalharam com o engajamento do público em redes sociais e promoveram debates antes e depois dos jogos.
Pela primeira vez, empresas abraçaram a causa do futebol feminino e liberaram seus funcionários para assistir aos jogos. Gigantes como Boticário, Heineken e Avon não só aderiram à causa como trabalharam com a divulgação em redes sociais. A medida também foi adotada por órgãos públicos, como a Prefeitura de São Paulo e a Defensoria Pública do Paraná.
A representatividade também chegou até as meninas. Na rede municipal de São Paulo, segundo o portal G1, houve aumento na demanda por aulas de futebol para garotas. O Centro Educacional de Unificados (CEU) de Parque Veredas, na Zona Leste da cidade, teve aumento de 20% na procura por treinos.
A Copa mais vista
A Fifa divulgou que a partida entre Brasil e França, nas oitavas, foi assistida por mais de 58 milhões de pessoas (35 milhões só no Brasil), um recorde de audiência entre torneios femininos promovidos pela entidade. Segundo a Kantar Ibope Media, Globo e Band somaram 34 pontos de audiência durante o jogo. O instituto calcula que um ponto em São Paulo equivale a 73.015 domicílios, enquanto no Rio de Janeiro, 46.175 casas.
Outros países também registraram bons números. Na Suécia, a partida contra a Holanda na semifinal teve a maior audiência de um torneio promovido pela Fifa desde 2003, segundo a entidade – maior até do que as partidas da seleção masculina na Copa do Mundo de 2018. Já a derrota da Alemanha para a Suécia nas quartas foi assistida por 43,2% dos alemães com acesso à televisão.
O Observatório do Futebol Feminino, iniciativa de monitoramento de redes sociais durante a Copa, calculou um alcance de 23 milhões de usuários no jogo entre Brasil e França. Na vitória brasileira contra a Itália, pela fase de grupos, foram 92,7 milhões de usuários impactados.
A participação nos estádios também foi importante: em 2015, a final no Canadá teve 53.341 de público. Já em Lyon, o título americano contou com 57.900 presentes.
Ativismo e patrocínios
O primeiro Mundial feminino, em 1991, levava o nome de Copa M&M's em função do único patrocinador do torneio: a marca de chocolates M&M's. Vinte e oito anos depois, a Copa foi patrocinada por marcas globais como Coca-Cola, Visa e Hyundai. As jogadoras também se manifestaram mais sobre pagamentos.
Marta, seis vezes melhor do mundo e maior goleadora da história das Copas, utilizou chuteiras sem patrocínio nos jogos do Brasil. Um protesto por ficar mais de ano sem fechar parcerias por demandar um pagamento equivalente ao dos homens. A jogadora também atraiu a atenção ao jogar de batom contra Itália e França. Uma ação inteligente da patrocinadora Avon. Pelas regras da Fifa, nenhum atleta pode fazer alusão a marcas que não sejam parceiras oficiais dos torneios durante os jogos. Mas Marta não citou a Avon – e não há nada nas regras que a impeça de usar batom em campo.
GettyA seleção dos EUA, campeã pela quarta vez, também demanda pagamentos iguais aos dos homens, que nunca conquistaram um título e sequer conseguiram se classificar para a Copa de 2018, na Rússia. Durante a final contra a Holanda, a torcida carregava placas com os dizeres "equal pay".
"Estamos prontos para essa conversa evoluir. Já se esgotou o papo sobre o mercado, se vale a pena investir (no futebol feminino). Todo mundo se cansou disso", disse Megan Rapinoe, Bola e Chuteira de Ouro da Copa, em entrevista coletiva após o jogo.
Um novo olhar
O alto nível técnico das partidas também atraiu novos fãs. O futebol de equipes europeias como Inglaterra, Itália, Espanha, França e Holanda encantou quem não sabia que a modalidade se desenvolvia nesses países, com investimentos desde a base e crescimento das ligas nacionais.
Mas a grande novidade foi em cima de uma polêmica corriqueira no futebol feminino. Vale reduzir o tamanho do gol? Em entrevista à Goal, o preparador de goleiras do Corinthians, Edson Júnior, deixou clara sua opinião: não é necessário. A técnica prevalece sobre a estatura, ainda que a altura seja de muita ajuda na hora de defender a meta.
Quatro goleiras foram eleitas as melhores jogadoras em campo ao longo do Mundial. Hedvig Lindahl, da Suécia, foi escolhida na vitória sobre 1 a 0 diante do Canadá pelas oitavas. Já a chinesa Peng Shimeng ganhou destaque no empate por 0 a 0 contra a Espanha. Mas o curioso é que duas arqueiras foram selecionadas pelo público mesmo diante de derrotas: Vanina Correa, da Argentina, ao perder da Inglaterra por 1 a 0 e a chilena Christiane Endler após levar de 3 a 0 dos EUA.
Outras receberam elogios por ótimas atuações, como Sari Van Veenendaal, da Holanda, na final contra a seleção americana. Ex-goleira dos EUA, Hope Solo ironizou os pedidos por traves menores após a partida da equipe diante do Chile. "Alguém acha que ela deveria jogar em um gol de dimensões menores?", perguntou sobre Endler.
GettyPromessas para o futuro
A repercussão do torneio levou o presidente da Fifa, Gianni Infantino, a divulgar novas resoluções para o futebol feminino. Dois dias antes da final, ele anunciou que pretende aumentar o número de equipes participantes da Copa para 32 — desde 2015 a competição conta com 24 seleções.
"Foi a melhor Copa de todos os tempos, a maior da história", afirmou. "Muitas pessoas assistiram ao futebol feminino pela primeira vez", acrescentou.
Em curto prazo, já pensando no ano que vem, Infantino diz que pretende criar um Mundial de Clubes feminino e também uma Liga Mundial, no mesmo formato da Liga das Nações, que ocorre na Europa.
"O que está acontecendo nesta Copa do Mundo é grande demais. Mas depois as pessoas esquecem, mudam o foco. É nosso trabalho garantir que elas não se esqueçam", disse o mandatário.
Para 2023, outra resolução da Fifa é dobrar o valor da premiação. Este ano, as campeãs receberam 4 milhões de dólares pelo título. Vaiado no estádio na final, Infantino ouviu gritos de torcedores exigindo pagamento igual às mulheres. Apesar das promessas, a Copa do Mundo masculina de 2018 pagou 38 milhões de dólares ao time vencedor. A entidade justifica a diferença de pagamento como fruto da arrecadação de cada torneio.
No mesmo dia do anúncio feito por Infantino, que ainda acrescentou a intenção de passar o investimento do futebol feminino para 1 bilhão de dólares, Rapinoe levantou outras questões.
Getty"Ainda não é justo. Deveriam dobrar e dobrar e quadruplicar para a próxima vez", disse a jogadora. "Entendo que o masculino tem um retorno financeiro muito maior. Mas como você vai diminuir esse abismo com três finais no mesmo dia?", questionou.
A atacante americana se disse desrespeitada pelo calendário, que colocou no mesmo dia da decisão da Copa outras duas finais: da Copa América, entre Brasil e Peru, e da Copa Ouro, entre EUA e México. As datas do Mundial foram acertadas mais de um ano antes das outras competições.
"Vocês não se sentem desrespeitados com isso? Foi uma ideia horrível ter tudo no mesmo dia. É Copa do Mundo, deveriam cancelar tudo. Não sei como permitiram isso, mas ouvi que simplesmente não pensaram (nas datas). Isso é inacreditável. E é por isso que acho que não recebemos o mesmo nível de respeito em geral", disse a atleta.
Fazendo justiça ao ativismo que lhe rendeu fama, Rapinoe fez novo apelo: “Precisamos investir em programas de treinamento e em técnicos. É um ótimo negócio para se investir e apostar no futuro. O futebol feminino prova ano após ano, Copa após Copa, que merece investimento. A qualidade está ali, mas precisamos que seja tratada como negócio também. Não entendo por que existe uma resistência em se investir em mulheres.”
