Seis gols, Bola e Chuteira de Ouro da Copa do Mundo e um desafio: não quer ver o presidente Donald Trump enquanto campeã mundial. Com cabelos coloridos, vestiu a faixa de capitã na final entre Estados Unidos e Holanda, abriu o placar e também os braços, na comemoração pela qual ficou marcada. Megan Rapinoe deixa a França como um nome a ser reverenciado no futebol feminino.
Aos 34 anos, Rapinoe jogou três finais seguidas pelos EUA: 2011, 2015 e 2019. Foram dois títulos, no primeiro bicampeonato da seleção, e o protagonismo para além das quatro linhas.
Ela já desembarcou na França avisando que, de jeito algum, iria até a Casa Branca, como de praxe entre campeões no país. Usou alguns palavrões, mas depois se retratou. Não por Trump, deixou claro, mas porque não queria que o vocabulário chegasse até sua mãe. Em protesto por diversas causas que abraça, não cantou o hino nacional em nenhum dos jogos. Ouviu do presidente a resposta: "Vença a Copa do Mundo primeiro". E venceu. As alfinetadas entre os dois dividiram o noticiário ao longo do Mundial. Quem desafia um presidente no meio de uma Copa?
Rapinoe briga por minorias em seu país há anos. Em casa, já teve desavenças com o irmão mais velho, que vive no entra e saí de penitenciárias por problemas com drogas. Ele se juntou a um grupo de supremacistas raciais durante uma das passagens pelo presídio, algo repudiado pela irmã. Brian Rapinoe se arrepende, mas ainda carrega tatuagens que o lembram de um período sombrio. Não esconde que os papéis em casa se inverteram. "Eu era o herói dela, mas agora, sem dúvidas, ela é minha heroína", disse ele em entrevista à ESPN.
Foi Brian quem a ensinou a jogar futebol, quando Megan tinha apenas três anos. Natural de Redding, na Califórnia, fez do esporte seu meio de se manter longe da violência e das drogas, infeliz condição na área onde foi criada. Mirando o exemplo do irmão, preso pela primeira vez aos 15 anos, seguiu no sentido oposto. Jogou em ligas escolares e universitárias, até chegar à seleção sub-19. Garantiu o seu lugar na seleção principal em 2006, mas uma série de lesões a deixou de fora da Copa no ano seguinte. Sua estreia em Mundiais foi apenas em 2011.
Dois dias antes da final, Rapinoe comemorou seu aniversário junto da irmã gêmea, Rachael. A família, quase toda reunida na França, acompanhou o título no estádio. Algumas horas antes da decisão, a capitã da seleção americana dedicou uma mensagem a Brian em rede social: "Estou orgulhosa de você". A final coincidiu com o aniversário dele. Seu presente foi conseguir cumprir a última pena a tempo de vê-la jogar a Copa.
Em campo, Rapinoe deixou sua marca. Superou uma lesão, que a deixou fora diante da Inglaterra, e jogou todos os minutos da final. Anotou um gol contra a Tailândia, dois contra Espanha e França e mais um diante da Holanda. Três deles de pênalti, com frieza, convertendo a cobrança com rapidez. O reconhecimento do público também a acompanhou: foi eleita melhor jogadora em campo contra Espanha, França e Holanda.
Manteve posicionamento firme não só em prol da população LGBT e contra casos de racismo, como também defendeu o futebol feminino. Criticou abertamente as duas outras finais marcadas para o mesmo dia da decisão da Copa do Mundo: Brasil x Peru pela Copa América e México x EUA pela Copa Ouro.
Tanto a Conmebol quanto a Concacaf alegaram se tratar de coincidência. A Fifa apresentou o mesmo discurso. Mas ambas as finais foram marcadas mais de um ano após a determinação do calendário da Copa do Mundo feminina.
"É ridículo e decepcionante", afirmou Rapinoe em entrevista coletiva. "Existem outras duas finais, mas estamos falando de uma decisão de Copa do Mundo. É um dia para cancelar todos os outros compromissos", acrescentou.
Sem papas na língua, retorna para os EUA com a bagagem cheia de prêmios e mais um título — o quarto da história da seleção. Com a temporada da liga nacional, a NWSL, rolando, pode viajar direto para Seattle, onde joga pelo Reign FC. Mas já deixou claro que não deve fazer escala em Washington, a capital norte-americana. Pior para Trump.
