Como o coronavírus afetou o futebol nos países da América do Sul

A situação de como a pandemia do coronavírus afetou o futebol brasileiro já está bem documentada: clubes falidos, cortes salariais, brigas na justiça e a bola voltando a rolar nos gramados pelo Brasil. No entanto, outros países da América do Sul também estão sentindo gravemente os efeitos da Covid-19.

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Sob circunstâncias normais, um duelo entre os rivais paraguaios River Plate e Nacional seria pouco divulgado na mídia e passaria em branco para a maioria dos fãs de futebol ao redor do planeta. Entretanto, não foi o caso: este foi o primeiro confronto de um campeonato nacional em território sul-americano em mais de quatro meses.

Todos os dez membros da Conmebol suspenderam ou adiaram o início de suas ligas nacionais no mês de março. Mais de quatro meses depois, o continente todo ainda caminha a pequenos passos para um eventual retorno. 

O Brasil talvez seja o caso mais representativo: em meio ao retorno dos campeonatos estaduais e à volta do futebol, o números de casos confirmados de coronavírus continua crescendo em um nível alarmante. Nesta sexta-feira (24), por exemplo, foram mais de 56 mil novos casos, além de 1.178 mortes em decorrência da doença.

Entretanto, o Brasil não é o único país do continente que vive um cenário complicado: outros, como o Peru e o Chile, também estão entre os dez países com mais casos da doença no planeta, mesmo tendo populações muito menores.

Ainda assim, os três países votaram para que a Copa Libertadores retornasse em setembro, assim como o Equador - que chama a atenção pelos números relativamente baixos de Covid-19 em contraste com a situação caótica nas ruas das maiores cidades do país.

Os dois únicos membros da Conmebol que votaram contra o retorno da competição foram Argentina e Bolívia, dois países onde a tragédia teve impactos diferentes.

A resposta da Argentina à pandemia foi muito bem recebida inicialmente e serviu para erradicar o vírus em boa parte do território nacional, mas os impactos da Covid-19 ainda são sentidos na zona metropolitana de Buenos Aires, onde o número de casos continua crescendo e o descontentamento de uma pequena parte da população quanto ao lockdown ganha manchetes ao redor do planeta.

Na Bolívia, figuras importantes como a presidente interina Jeanine Azez e o presidente da Federação Boliviana de Futebol Cesar Salinas testaram positivo para coronavírus. Neste último domingo (19), Salinas se tornou mais uma das muitas vítimas da doença no país.

Seja na Bolívia, com 400 mortes nos últimos cinco dias, na Colômbia, com mais de 200 mil casos e sete mil mortes, ou na Venezuela, que sofre com problemas que vão muito além do coronavírus, o panorama não é animador.

Mesmo após o fim da pandemia, a América do Sul viverá uma catástrofe humanitária: 29 milhões de habitantes, número equivalente a população de um país, caíram abaixo da linha da pobreza em decorrência da Covid-19.

Somente Paraguai e Uruguai estão em situações mais calmas - justamente os dois países menos populosos dentre os membros da Conmebol. Mesmo assim, a Federação Paraguaia de Futebol chegou a ter que adiar a retomada da liga nacional após o time inteiro do 12 de Octubre testar positivo para o vírus.

Gigantes do futebol brasileiro como Corinthians, Bahia, Botafogo e Fluminense fizeram protestos públicos dentro de campo contrários à volta do futebol enquanto figuras importantes como Raí, diretor de futebol do São Paulo, ou Vanderlei Luxemburgo, treinador do Palmeiras, também se mostraram preocupados com o retorno.

Ao mesmo tempo, as partidas finais do Campeonato Carioca foram envoltas em polêmicas, com rivais assumindo posturas claras e disputas políticas indo de encontro aos gramados. Em meio à uma das maiores crises humanitárias dos últimos séculos, o futebol e alguns dos maiores clubes do Brasil estão sendo utilizados para desviar o foco da pandemia.

Na Argentina, entretanto, a situação é bem diferente: a opinião de várias figuras públicas é de que o futebol argentino está demorando muito para recomeçar, se comparado aos seus rivais brasileiros.

"A liga tomou algumas decisões precipitadas," declarou o treinador do River Plate, Marcelo Gallardo, frustrado com a falta de um plano para a retomada dos treinos. "Eles falaram: 'vamos ver o que vai acontecer.' Como assim, ver o que vai acontecer?"

Uma das preocupações de clubes da Argentina é de que as equipes irão ter que jogar a Copa Libertadores, cuja volta está prevista para setembro, com pouco ou nenhum ritmo de jogo, enquanto times do Brasil já terão voltado aos gramados a mais de dois meses.

Mas os problemas da pandemia vão muito além dos gigantes do continente: um grande exemplo é o caso do San Martín de Tucumán. O clube era o líder da segunda divisão da Argentina em março, mas viu seu pedido para ser promovido à primeira divisão não ser acatado pela AFA.

Los Ciruja terão que jogar em um mata-mata cuja data não está definida enquanto vivem uma crise financeira gravíssima: o clube está com um déficit de 20 milhões de dólares e foi forçado a rescindir contrato com quase todo o elenco para não falir.

"A AFA foi mais danosa que o coronavírus," atacou o presidente do clube Roberto Sagra, em entrevista ao Ole nesta segunda-feira (20), enquanto espera a decisão do CAS sobre o caso. "Mesmo que o CAS nos dê ganho de causa, não acredito que conseguiremos nos recuperar".

Até mesmo gigantes como o Santos também estão sofrendo: o Peixe perdeu dois de seus principais jogadores, Éverson e Eduardo Sasha, que entraram com ação contra o clube pedindo a rescisão de contrato. Na Bolívia, enquanto isso, o elenco do Blooming, tradicional time do país, ameaçou entrar com uma ação trabalhista contra o clube por salários não-pagos, com os jogadores não tenho recebido um centavo desde a paralisação.

Os jogadores do Blooming não são milionários que jogam na Bundesliga, La Liga, Premier League ou até nos times mais ricos do Brasil: são profissionais que dependem de seu salário mensal para sobreviver e sustentar suas famílias.

"Entendemos a situação do clube com a pandemia, mas nos quatro meses meses sem futebol, nós não fomos pagos nenhuma vez." explicou Helmuth Gutierrez, meio-campista do Blooming.

"Nós somos compreensíveis, mas nós precisamos de dinheiro: as coisas não podem continuar assim."

Nos próximos meses, as coisas tendem a começar à voltar a normalidade, com o início do Brasileirão e dos campeonatos nacionais de Chile, Uruguai, Paraguai e Argentina.

Entretanto, mesmo no cenário mais otimista, o impacto do coronavírus no continente terá centenas de clubes deixando de existir ou ficando à beira da falência, com milhares de jogadores e funcionários desempregados, enquanto a Copa Libertadores se prepara para retornar com estádios vazios, sem a paixão e tradição que tornam o futebol sul-americano tão apaixonante.

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