Ela ganha tudo com seu clube, tem quase 300 gols na carreira aos 23 anos, levou a primeira Bola de Ouro da história, inaugurando a versão feminina do tradicional prêmio da France Football, e acaba de marcar três vezes em meia hora de jogo na final da última Champions League. Mas Ada Hegerberg está fora da Copa do Mundo feminina na França.
Se várias jogadoras cobram, desde sempre, melhores condições para as equipes nacionais femininas, a artilheira norueguesa levou a militância ao limite: deixou a seleção em 2017 em protesto diante da estrutura oferecida e não parece nem um pouco afetada por perder o maior torneio do planeta em razão de sua luta.
E olha que a Federação Norueguesa de Futebol até tomou uma decisão atípica na época. Convenceu os homens em diminuir os vencimentos do time masculino para equilibrar os salários de ambas as equipes, se movimentando para equiparar o aspecto financeiro entre boleiros e boleiras que jogam com a camisa do país.
Ainda assim, Ada Hegerberg não se deu por satisfeita. Ela seguiu questionando o respeito dado às jogadoras, o nível do profissionalismo na preparação, a qualidade do trabalho tocado para a seleção das mulheres.
"Pontos muito claros que coloquei para todos quando decidi. Nem sempre é por dinheiro", disse.
Máquina de gols na Europa
Quando os Hegerberg decidiram se mudar para Kolbotn, em 2007, Ada tinha 12 anos, e sua irmã mais velha, Andrine, 14. Elas começaram a jogar no time que carrega o nome da cidade, onde se profissionalizaram. Foram se reencontrar na última temporada: enquanto a caçula já tem longa caminhada no Lyon, a mais velha chegou à França para jogar no Paris Saint-Germain.
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O melhor time feminino do futebol francês tinha oito títulos nacionais consecutivos quando contratou a jovem Ada em 2014. Ela entregou 26 gols na liga local e só não terminou como artilheira porque aquele time arrasador que venceu os 22 jogos da campanha tinha duas goleadoras ainda mais impressionantes: Lotta Schelin fez 34, enquanto a francesa Eugénie Le Sommer marcou 29.
Desde então, o Lyon levantou cinco taças, somando 13 em sequência. Ada Hegerberg foi artilheira máxima em três dessas ligas, alcançando um raro patamar de muito mais gols do que jogos com a camisa do clube. Mas faltou falar da hegemonia europeia.
Se o Lyon corre bem na frente na competição local, a soberania na Champions League é mais recente. Eram só dois títulos, menos que o Frankfurt, com quatro, ou tantos quanto o Umea, da Suécia, e os também alemães Turbine Potsdam e Wolfsburg. Até vir o tetra seguido, de 2016 até maio passado, em Budapeste.
Ada Hegerberg arrebentou. Junto das quatro taças, são duas artilharias, incluindo um recorde em 2018, quando marcou 15 vezes. Além disso, fez cinco gols em decisões, destacando os três na goleada por 4 a 1 sobre o Barcelona há poucas semanas: por que a mulher do hat-trick na final na Champions League não vai à Copa?, perguntam veículos ao redor do mundo neste mês que antecede o torneio.
A cerimônia em Paris
Se na última eleição do prêmio de melhor do mundo da Fifa ela ficou no terceiro lugar por uma diferença apertada para a vencedora Marta, pouco depois foi a mais votada para a Bola de Ouro, finalmente contemplando mulheres a partir de 2018 depois de mais de 60 anos sendo um importante balizador do futebol masculino. E, não bastasse a posição forte em negar a seleção, foi no evento da France Football que a postura da norueguesa repercutiu novamente ao redor do mundo.
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Ada Hegerberg fez um 2018 espetacular, e sua vitória na primeira Bola de Ouro feminina da história não surpreendeu ninguém que acompanha o futebol feminino. Tampouco seu discurso ao receber o prêmio, em dezembro, em Paris. "Queria terminar com algo para todas as meninas que estão ouvindo: acreditem em vocês mesmas", disse, com a firmeza de quem sempre reforça a importância de melhorar a modalidade pensando nas próximas gerações.
Mas então o mestre da cerimônia, o DJ Martin Solveig, perguntou se ela gostaria de dançar o twerk, um ritmo de movimento de quadris e agachamento, uma espécie de funk. Ela respondeu de forma seca, "não", e deixou o palco.

Depois, Solveig pediu desculpas, e Hegerberg também não quis alimentar mais a discussão. Fato é que se falou mais do constrangimento da pergunta do DJ e do tratamento machista às mulheres que do prêmio, inédito e gigantesco, em si. Mbappé, eleito melhor jogador jovem, topou dançar, mas claro que não foi convidado a rebolar ou agachar ao som de um estilo que evoca a sensualidade - balançou os braços e deu um passinho de forma tímida, e ficou por isso mesmo.
A Noruega sem a craque
Aos 15, Hegerberg já estava disputando a Eurocopa Sub-19 de 2011 e teve boa participação até a Noruega sofrer uma goleada para a Alemanha na final. Aos 16, estreou no time de cima, mas ainda teve tempo de jogar a Copa do Mundo Sub-20 de 2012, quando repetiu o roteiro: fez gols, mas parou na equipe alemã.
Na equipe adulta, jogou a Euro de 2013, perdendo a final para a... Alemanha. Na Copa do Mundo de 2015, foram três gols e eliminação nas oitavas de final, diante da Inglaterra. Por fim, se despediu com a campanha ruim na Euro de 2017, com as norueguesas voltando com três derrotas e nenhum gol marcado na fase de classificação.

Mas apesar da fase irregular, a Noruega já teve seus tempos de grandeza no futebol feminino. Três semanas antes do nascimento de Hegerberg, a seleção conquistava a Copa do Mundo de 1995 no Estádio Rassunda, em Estocolmo. Era uma geração que ainda atuava majoritariamente no próprio país, com duas atletas no Japão e uma na Suécia.
A Noruega ainda seria campeã olímpica em 2000 e teria, no início das competições da modalidade, dois títulos europeus, em 1987 e 1993. Agora, joga o sétimo Mundial de sua história tentando retomar os bons tempos - nas cinco primeiras Copas, foi às semifinais em quatro oportunidades. Infelizmente, para a torcida local, sem sua maior estrela.
"Tentamos resolver, fizemos reuniões, mas ela decidiu não jogar. Você precisa se concentrar nas que querem fazer parte do time, e Ada não quer", disse o técnico Martin Sjogren meses antes de divulgar a lista final.
"Nem sempre é por dinheiro", a grande matadora da Europa deve ter dito mais algumas vezes.
