Neymar Thiago Silva Dani Alves Brazil 2022Getty Images

Um gol a três minutos do fim, um debate de três anos e meio

Cada eliminação da seleção brasileira deixa suas marcas para a história, umas mais justas, outras mais histéricas, e nem é preciso tanta ansiedade para dissecar uma derrota já no dia seguinte porque o embrulho da queda traumática vai se dando aos poucos, desta vez relacionada também ao futuro, com a definição do novo técnico depois do grande símbolo deste ciclo, Tite, ter mais de seis anos de trabalho para furar a barreira do europeu no mata-mata e não fazê-lo.

A primeira abertura de parênteses é defender que treinadores precisam ter o direito a trabalhos longos, e isso nunca será ruim por definição. Podemos partir para qualquer crítica a respeito do desempenho e do resultado do Brasil na Copa tendo como ponto de partida a ideia de que Tite mereceu a estabilidade no cargo. Não me parece que o caminho para a seleção voltar à elite do Mundial é retomar o troca-troca de comando à emoção do momento.

O Brasil corrigiu a rota no ano passado e encontrou um bom futebol com novidades nas pontas, tanto que Tite firmou essa escalação de início em todos os jogos no Qatar. Um time montado na aposta de Vinicius Junior e Raphinha (depois Anthony), com laterais por dentro. Não foi o suficiente para vencer a Croácia. Esses dribladores abertos acabaram sobrecarregados, bem marcados, e lampejos à parte não conseguiram brilhar no jogo maior. O esquema, usando um termo da vez, não potencializou o talento dos meninos do ataque como pretendia, ao menos no dia da prova final.

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Casemiro vinha fazendo uma Copa grandiosa, e era consenso que ele havia feito muita falta na derrota contra a Bélgica há quatro anos e meio, falta porque ele poderia ser o jogador a fazer exatamente uma falta num contra-ataque rival, e desta vez, em campo e presente no lance do gol croata, não o fez. O grande desfalque no revés de 2018 fez seu pior jogo no Mundial na noite da eliminação de 2022. Era um desafio diante de um meio controlador sob a batuta de um craque Bola de Ouro, mas não era esperado um jogo tão desencontrado para o volante brasileiro.

Neymar Brazil CroatiaImago

Depois dos 7 a 1 para a Alemanha, qualquer peladeiro de final de semana atestava o óbvio: como é que ninguém parou o jogo, caiu, caçou uma briga, uma cera? Pois bem, numa dose diferente, é curioso que a seleção brasileira não tenha conseguido colocar a bola debaixo do braço contra um time com menos gás, e que não vinha mostrando poder ofensivo a ponto de empatar, restando um par de posses de bola para o apito final.

Falou-se tanto sobre manter Fred no time titular ou liberar um esquema com mais atacantes, até que Tite optou pela segunda. No segundo tempo de uma prorrogação, vencendo por 1 a 0, entrou o próprio Fred para garantir um meio de campo mais povoado, e olha a ironia, logo ele estava mal posicionado num contra-ataque inaceitável, dando bote lá na frente a minutos das semifinais, um desarranjo defensivo completamente desproporcional e incoerente com os principais valores deste time, cauteloso e pragmático. Simbólico, e inexplicável, que o Brasil de Tite tenha sofrido um gol desses, naquela altura.

Quando se perde, fica fácil detonar o jogo rígido e posicional de Tite, mas as derrotas traumáticas também tem dessas, sintetizam as ideias, faz parte. Neymar e Paquetá, que se encontraram tão bem em 2021, foram muito distantes no Qatar. Richarlison, o centroavante, teve dificuldades em participar contra as defesas mais rígidas. Os pontas ficaram apertados, e talvez a única tentativa de bagunçar um pouco tamanho rigor foi a entrada de Rodrygo – o gol saiu ali, quando ele combinou com Neymar, e Neymar com Paquetá, numa rara tabela por dentro que gerou a condição do melhor jogador do time driblar o goleiro destaque da Copa.

Rodrygo World Cup 2022Getty Images

A disputa por pênaltis é cruel demais, e que duro para Rodrygo e Marquinhos carregarem esse erro em suas carreiras depois de jogarem bem e responderem quando exigidos. Mas diante de toda subjetividade que envolve a marca da cal – mente, físico, treino, sorte, é melhor começar chutando ou defendendo? –, uma coisa é prática e não tem por onde sair. O principal batedor tem que bater. Simples. É um erro óbvio, uma inocência que não combina com o tamanho do jogo, cair sem a participação de Neymar.

O roteiro da Copa tratou muito de um caminho só de campeões mundiais, à espera de encontros diante de Uruguai, Espanha, Argentina, França. Inegável que, em teoria, o adversário da vez era mais acessível, menos temido, menos perigoso a qualquer vacilo. Não por menosprezo à Croácia, mas porque uma seleção que viaja para chegar à final projeta o duelo contra os maiores. Não era imaginar o Daniel Alves marcando o Mbappé, era o meio brasileiro segurando o Modric.

Tite encerra o trabalho tranquilo, de consciência limpa, mas o Brasil precisa se provocar, não aderir qualquer possível aceitação. A torcida da seleção não pede feriado por vitória em primeira fase, não sobe estátua para goleada de oitavas de final, a régua é alta. Urge uma grande Copa do Mundo, o que significa ao menos chegar no último final de semana e, no mínimo, vender caro um jogo enorme.

É tentador estabelecer teorias (convocar mais jogadores que atuam no Brasil não é um ponto, não mesmo, até porque serão vendidos no semestre seguinte), mas o dia seguinte ainda é cedo demais. Continuo achando o trabalho e a convocação de Tite muito bons, mas algumas escolhas se mostraram pouco eficazes quando a realidade veio à tona, o jogo para que tudo estava sendo previsto, o temido mata-mata contra alguém de melhor nível. Foi insuficiente, ponto. Criou, competiu, deu azar também ao encher o goleiro rival de finalizações e no único chute que sofreu, um espasmo de fim de jogo, o desvio ir parar no fundo da rede. Mas foi insuficiente. O time que goleia a Coreia do Sul não ganha da Croácia. Tem sido a rotina.

Tite, Croácia x Brasil, Copa do Mundo 2022Getty Images

Acho que as duas coisas podem caminhar juntas. O processo foi o ideal para o momento, mas o time deu num jogo ainda incapaz de voltar a ganhar a Copa do Mundo. Espero que o próximo treinador consiga pescar as coisas boas e encontrar o tempero que eleve, finalmente, o nível da seleção brasileira para esses momentos de provação, agora com cinco Copas de frustrações na conta.

Brasil zero, Croácia zero, depois um a um na prorrogação e terminando com quatro a dois nos pênaltis será um dos jogos eternos, para rever por muito tempo e reverberar pelo menos até junho de 2026, quando houver uma nova chance. O que dá para cravar é que se trata de uma derrota muito sentida pelo torcedor brasileiro, mais que as últimas, pela expectativa sobre esse time, pelos personagens que cresceram no Qatar e pelo roteiro doído, de uma vitória escorregando no limite. De resto, é só o começo da conversa, e os últimos dias de Copa, junto da chegada do novo treinador em janeiro, darão conta de alimentar e seguir esse papo. Vai durar mais três anos e meio.

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