Aboubakar Brazil Cameroon World Cup 2022Getty

Gol de Aboubakar é a síntese da Copa, desconfortável e descentralizada

A imagem final da fase de grupos da Copa do Mundo, o gol derradeiro nos acréscimos da última chave a entrar em campo para o terceiro jogo, é Aboubakar marcando contra a seleção brasileira, um fechamento condizente com duas marcas deste torneio, a dificuldade dos principais elencos, que não conseguiram sobrar até aqui, e um atrevimento das equipes de fora do eixo, com a sétima vitória africana no Qatar e contando – foram só três na Rússia, há quatro anos, e também três no Brasil, há oito.

Será lembrada como a edição em que Arábia Saudita, Tunísia, Japão e Camarões venceram campeões mundiais, que a Coreia do Sul ganhou de Portugal, a Austrália da Dinamarca, Marrocos da Bélgica. Que o Brasil perdeu pela primeira vez para uma seleção nem europeia, nem sul-americana. Ninguém fez nove pontos e todas classificadas tiveram seus momentos de sonhos intranquilos.

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E então quando sai o cruzamento da direita e um gol contra o Brasil é natural reposicionar um pouco as expectativas, calibrar as diferenças entre quem viaja para ganhar a Copa e os que chegam para surpreender. No fim das contas não causou alterações na tabela, mas trouxe um desconforto precoce, imprevisto, que ficou claro no rosto dos jogadores e de Tite após a derrota por 1 a 0 para os camaroneses.

A seleção brasileira nunca está preparada para perder, é estranho, e sempre será, não tem jeito, só voltando ao fim do século XIX e começando o futebol tudo de novo, quem sabe. Numa disputa em que muito se falou num caminho de grandes confrontos contra campeões, não está na conta lidar com um revés para quem se desenhava como lanterna da chave, um tropeço de primeira fase que não se via desde 1998.

Para as oitavas de final contra a Coreia do Sul, volta o time principal, mas se mantém uma certa dúvida sobre a capacidade do Brasil principalmente por ver o elenco encurtando diante de cinco lesões em três jogos. Os reservas Alex Telles e Gabriel Jesus estão fora da Copa, os titulares Danilo e Alex Sandro devem voltar, e Neymar é uma incógnita.

Em campo, resultado negativo à parte, se tira a boa fase de Martinelli, as arrancadas de Rodrygo por dentro, um bom jogo de Bremer até o buraco na defesa para o gol sofrido, a firmeza de Fabinho. Daniel Alves, se diz compensar como um bom jogador de ataque, não se mostrou diferente na construção de jogadas. Bruno Guimarães tem gás, mas errou bastante. A bola não chegou em Pedro, outra curiosidade.

É preciso também relativizar um pouco uma atuação de time inteiramente reserva. Nem sempre um ótimo elenco resulta numa boa equipe sem nenhum titular. Não deu uma grande liga, acabou ficando mais dependente das individualidades e isso aumenta a chance de decisões erradas, às vezes por ansiedade em mostrar serviço. Continuam sendo boas alternativas para a espinha que volta a campo na segunda-feira.

A seleção precisa recuperar seu grande futebol, jogar com mais fluidez sem seu principal articulador e, no meio disso tudo, ganhar da Coreia do Sul. É a Copa do Mundo, quatro anos de trabalho, ou seis e pouco no caso de Tite, colocados à prova em 90 minutos, com problemas físicos e uma demanda de responsabilidade que preparação nenhuma é capaz de prever na totalidade. Faz parte.

O Uruguai resolveu jogar quando já dependia de outros resultados, e fez um bom primeiro tempo nos dois gols de Arrascaeta, mas a grande geração que recuperou o prestígio futebolístico do país, semifinalista do Mundial de 2010 e campeã da América em 2011, se despede das Copas sem ver o mata-mata. Mais decepcionante acabou sendo a Sérvia, menos pela derrota final e mais pelo conjunto da obra, um pontinho apenas e nada de especial para quem se projetava como uma força no segundo escalão do torneio.

Coreia do Sul, Japão, Gana e Tunísia, os quatro adversários do Brasil nos últimos amistosos antes da Copa, em junho e setembro, são melhores do que as vitórias brasileiras deixaram parecer. É difícil projetar o futebol de seleções, com partidas espaçadas, preparações curtas e no fim o grande evento em menos de um mês, no Qatar, com tudo que uma Copa carrega de história, memória e pressão, mudando vidas por um lance.

As oitavas de final começam com a expectativa de destravar esse nó, de ver se os melhores times da teoria vão conseguir jogar bem, se sobressair. Não surpreenderá se Holanda e Estados Unidos dividirem o jogo igualmente. Da Argentina se espera mais leveza contra a Austrália, passado o risco de eliminação inicial com um bom jogo.

Pelé é o próprio futebol, protagonista de tudo o que sentimos, pensamos e falamos sobre o jogo, presente em cada uma dessas linhas como marco fundamental da forma com que uma Copa do Mundo mexe com a gente. Força.

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