Quando Barcelona e Lyon entrarem em campo no estádio da Juventus em Turim em 21 de maio, os olhos do mundo estarão voltados para eles. Ou melhor, para elas. A final da Uefa Champions League feminina de 2022 encerra a temporada de maior sucesso da competição europeia, com recordes de público quebrados, mais visibilidade na mídia e a maior premiação da história.
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Desde que surgiu, na temporada 2001-2002, a Champions League feminina já mudou seu formato algumas vezes, passou a ter pagamentos para os participantes (isso desde 2010) e agora se consolida como a principal competição de futebol feminino do mundo. Não é por acaso. Foi tudo absolutamente planejado - nos mínimos detalhes. Bem parecido com o que acontece com a Conmebol e a Libertadores feminina, né? Só que, infelizmente, não.
Foram alguns “planos de desenvolvimento” para a competição feminina colocados em prática nas últimas décadas, incluindo o último deles para o ciclo de 2021 a 2025 que tem como principal objetivo ampliar a prática do futebol por meninas e mulheres na Europa, aumentar a visibilidade e o potencial comercial da Champions League feminina e garantir maior participação feminina em cargos de decisão da Uefa.
Isso fez com que o formato da competição mudasse (garantindo uma fase de grupos para 16 clubes) e se tornasse mais atrativo tanto para as equipes, quanto para o público. E também garantiu uma distribuição melhor (e maior) do dinheiro de premiações. Quem levar a final somará 1,4 mi de euros (R$7,5 milhões) em prêmios.
A competição que começou há 21 anos reunindo 33 clubes hoje tem a participação de 72 (de 50 países diferentes) e duração de 10 meses, ou seja, ocupa o calendário de uma temporada inteira.
A título de comparação, sabem quanto tempo dura a Libertadores feminina? Duas semanas. Não, você não leu errado, são exatamente duas semanas. A edição de 2022 terá 16 participantes (como acontece desde 2019) e está programada para acontecer entre 13 e 28 de outubro. É claro que há muitas diferenças entre o contexto do futebol feminino atual na Europa e na América Latina, mas se a Conmebol olhasse com mais carinho para a modalidade por aqui, a realidade poderia ser bem diferente. Daqui a pouco, falamos um pouco mais sobre isso.
Voltemos à Champions League feminina. Desde 2019, a Uefa optou pela “independência” dessa competição, fazendo com que ela saísse da “sombra” da masculina. Antes, o torneio das mulheres também tinha final única, só que esta era sempre realizada no mesmo país onde aconteceria a final masculina (apenas alguns dias antes). Por exemplo, em 2018, a decisão entre Liverpool e Real Madrid entre os homens aconteceu no sábado, 26 de maio, em Kiev, na Ucrânia, e a decisão entre Lyon e Wolfsburg entre as mulheres aconteceu dois dias antes, na mesma cidade (em um estádio menor).
Há quatro anos, porém, a estratégia da Uefa foi separar as duas competições - que, de fato, têm públicos distintos. A primeira final “independente” aconteceu em Budapeste em 2019, na Grupama Arena, que esteve quase lotada (com 19.487 pessoas, a capacidade era de 22 mil) para Lyon 4 x 1 Barcelona. Em 2020 e 2021, a final não pôde ter público por causa da pandemia e, em 2022, a expectativa é de arquibancadas cheias no estádio da Juventus (que tem capacidade para 41 mil pessoas, mais de 30 mil já foram vendidos).
A evolução da competição, aliás, traduziu-se diretamente em números de torcedores nos estádios.
Na Espanha, mais de 91 mil pessoas no Camp Nou foram ver as quartas e as semifinais do Barça; na Alemanha, o Wolfsburg quebrou seu recorde com o time feminino colocando 22 mil pessoas no estádio para ver a semi; na França, 43 mil torcedores estiveram no Parc des Princes para ver PSG e Lyon também valendo vaga na final, um recorde para o país em uma partida de futebol feminino.
Mas qual foi o segredo para tornar a Champions League a competição mais atraente do futebol feminino? Para fazer com que as jogadoras do mundo todo sonhassem em disputá-la, para impulsionar investimentos de grandes clubes tradicionais (como o próprio Barcelona, PSG…), e colecionar recordes de público em diversos países?
Planejamento e investimento
GettyNão há palavras que descrevam melhor o que a Uefa fez para elevar a competição ao patamar onde ela está hoje. Desde 2010, quando percebeu o potencial do futebol feminino, a entidade traçou seu primeiro plano de desenvolvimento da modalidade tendo a Champions como alvo de investimento. Foi a primeira edição do torneio com premiação para as mulheres.
Mas o plano de ação tinha medidas muito além dessas: falava em trazer mais mulheres para cargos de gestão do futebol, por exemplo, desenvolver o futebol feminino como instrumento de empoderamento para a mulher, garantir que todas as federações tivessem também competições femininas, entre outras coisas.
Doze anos depois, muita coisa mudou. E os planos se renovaram. Em 2021, a Uefa divulgou novas metas para o desenvolvimento do futebol feminino com a distribuição de 24 milhões de euros entre os participantes da Champions League feminina - incluindo um “pagamento de solidariedade” destinado a federações associadas para que elas possam desenvolver mais suas respectivas ligas.
Se não há uma competição organizada, com um calendário interessante, com premiação e que estimule os clubes a investir no futebol feminino, a tendência é que eles prefiram a inércia. Até por todo o preconceito que paira sobre a modalidade, pela resistência que muitos têm (insistindo em argumentos vazios como “futebol feminino não dá retorno”). É dever das confederações continentais e nacionais fomentar o futebol feminino e elas só podem fazer isso com investimento e planejamento.
Mire-se no exemplo da Champions League feminina, Libertadores
GettyA Libertadores feminina acontece desde 2009. Já são 13 edições do torneio, que teve poucas mudanças estruturais desde então. Eram 10 participantes, a partir de 2011 passaram a ser 12, e desde 2019 são 16, mas o formato da competição segue sendo a pior parte dela: é um torneio de tiro curto, que acontece por duas semanas em uma cidade-sede, normalmente com jogos acontecendo a cada 48h ou 72h, gastando o mesmo gramado para todas as equipes e sempre com problemas estruturais básicos.
Uma mudança importante que acontecerá de 2021 para 2022 é a premiação. No ano passado, o Corinthians foi campeão e faturou 85 mil dólares (R$436 mil apróximadamente) pela conquista. O campeão de 2022 levará para casa 1,5 milhão de dólares (R$7,7 mi).
A premiação maior é uma conquista, mas não basta. A Conmebol precisa urgentemente repensar o formato da Libertadores, transformá-la em um torneio mais longo, mais distribuído ao longo do calendário, até para estimular as equipes a fazerem um investimento mais perene. Do jeito que está, há clubes que contratam jogadoras apenas para a disputa da Libertadores, em vez de planejarem uma temporada inteira com aquele grupo de atletas.
A Champions League feminina está aí para servir de exemplo. Há, sim, uma diferença no contexto de cada continente, mas havia também um desnível enorme entre os países europeus, que só foi diminuindo nos últimos anos - efeito de todo o planejamento executado pela Uefa na última década. Enquanto algo parecido não for feito por aqui, será difícil imaginar uma evolução no cenário atual.
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