“Tenho certeza que vocês já perceberam que, se olharem o padrão… Quando um time sofre um gol, leva o segundo em um espaço muito curto de tempo, em todo o espectro do futebol feminino, porque meninas e mulheres são mais emocionais que homens. Então elas não reagem muito bem a um gol. Quando sofremos o 1 a 0, tentamos desacelerar o jogo para dar tempo a elas para tirarem esse desequilíbrio emocional da mente. É um problema que nós temos. Não só na Irlanda do Norte, mas em todos os países do mundo.”
Esse comentário foi feito por Kenny Shiels, treinador da seleção feminina da Irlanda do Norte, após a equipe sofrer uma derrota por 5 a 0 em um amistoso contra a seleção da Inglaterra. O jogo foi um marco – com um público de cerca de 15 mil pessoas, teve a maior presença de fãs em um jogo de futebol feminino no país.
Após ser muito criticado, Shiels pediu desculpas – “peço desculpas pela ofensa que causei” – e as jogadoras demonstraram apoio ao treinador. Ele, que está na equipe desde 2019, foi um dos responsáveis pela histórica classificação para a Eurocopa feminina, que será disputada em julho deste ano. No entanto, mesmo após anos aclamado pelo trabalho à frente da Irlanda do Norte, ele caiu no mesmo clichê que várias outras pessoas caem quando tentam falar sobre futebol feminino: colocou as atletas mulheres em uma caixinha, apenas por serem mulheres.
GettyQuando vi o que ele tinha falado, lembrei de uma entrevista coletiva de Vadão antes da Copa do Mundo de 2019. Na época, perguntado por um jornalista sobre se era mais difícil controlar um vestiário masculino ou feminino, ele falou por alguns minutos sobre como mulheres falam muito, mas que ele achou que conseguiria lidar. “Estou casado há 38 anos e tenho uma filha, mas quando você mexe com 30 é completamente diferente”, afirmou.
Uma dica pra quem quer aprender: não tem a mínima necessidade de generalizar mulheres. Nem entro no mérito de se as equipes femininas levam gol mais rápido ou não (spoiler: não levam). É só olhar para o fato de que é muito difícil que pessoas, mulheres ou não, reajam da mesma forma a qualquer situação.
CBF/DivulgaçãoÉ como dizer que o futebol feminino precisa ser disputado com traves menores ao invés de lidar com o problema que é a falta de treinamento apropriado para goleiras em diversas equipes pelo mundo. Dizer que mulheres não podem jogar porque o corpo delas não foi feito para isso. Ou alegar que, por serem mais emotivas, mulheres não são capazes de lidar com uma derrota em campo.
Vou contar um segredo: jogadoras de futebol são trabalhadoras. Elas estudam e treinam para jogar do melhor jeito possível, quando têm as condições necessárias para tal. E, como trabalhadoras – e seres humanos –, também precisam de apoio psicológico, assim como no futebol masculino. Fiz uma matéria no ano passado para as Dibradoras sobre a saúde mental de atletas, e é incrível como ainda há estigma sobre esse debate quando a gente acrescenta o fator gênero. Mulheres são emotivas “demais”, homens são “fracos” se precisam desse apoio. E todo mundo perde nessa brincadeira.
Então, por favor, chega de tentar colocar todas as pessoas do futebol feminino na mesma caixinha e focar em melhorar o cenário para todas.
