Antes do coronavírus Covid-19 paralisar as competições inglesas, a temporada de 2019-20 seria relembrada, entre outras coisas, pelo impacto do VAR - o famoso árbitro de vídeo.
Impedimentos milimétricos, mãos na bola invisíveis, faltas claras não revisadas, pontapés aprovados em uma sala a mais de 300 quilômetros de distância dali... - o futebol inglês nunca seria o mesmo.
Alguns espectadores gostaram das novas formas de drama; a satisfação sádica em ver gols decisivos sendo revisados depois de serem comemorados. Mas, enquanto aqueles em casa tiveram o suspense adicional de descobrir se o calcanhar de Mohamed Salah estava milímetros à frente de Christian Kabasele, torcedores no estádio ficaram sem entender nada.
Todos concordam que a primeira temporada do VAR na Premier League teve problemas. "Nós não somos perfeitos," admitiu Mike Riley, chefe de arbitragem da FA, em novembro. "Nós precisamos melhorar."
No entanto, o VAR chegou para ficar, e juízes ao redor do mundo tem que relembrar a razão pela qual o sistema foi introduzido: corrigir decisões errôneas.
Em dezembro, Paulo Gazzaniga, goleiro do Tottenham, cometeu um pênalti claro em Marcos Alonso, defensor do Chelsea. O lance, que havia passado despercebido pelo árbitro da partida, foi corrigido pela VAR. Foi a situação perfeita para o uso da plataforma e corrigiu uma injustiça indiscutível.
No final da partida, no entanto, Son foi expulso por um pontapé em Rudiger, em um incidente que José Mourinho chamou de "estranho". Qualquer um que conheça futebol sabe o que o "Special One" quis dizer ao utilizar essas palavras.

Em ambos os casos, operadores do VAR tomaram a decisão final, ao invés do árbitro Anthony Taylor, que poderiam ter consultado o vídeo. Só depois de cinco meses do início da temporada, juízes começaram a observar as cenas dos lances, mesmo que a recomendação da IFAB fosse que só eles pudessem pedir alguma revisão.
A situação deixou Mark Halsey, ex-árbitro da Premier League, confuso: porque essa parte do protocolo não foi seguida de imediato.
"Eu acredito muito no VAR e acho que ele vai dar certo," ele conta para a Goal. "Estamos no começo, vão ter problemas, é claro, mas se a Premier League seguisse os protocolos da IFAB, da maneira que outras ligas estão seguindo, não teríamos tantos problemas."
"Quando é uma revisão subjetiva, o árbitro da partida tem que ver o lance e tomar a decisão final. Se ele manter a decisão, todos teriam que aceitar e respeitar. Neste momento, no entanto, temos dois juízes - um no campo, outro na cabine."
Enquanto o debate sobre jogadas subjetivas continua rolando, nem mesmo revisões objetivas estão livres de polêmica.
GettyDesde que a famosa tecnologia que determina se a bola entrou ou não, em lances duvidosos, foi introduzida em 2013, ela vem sido um grande sucesso. As determinações do VAR em impedimentos e bolas na mão, no entanto, vem gerando mais polêmica.
Para bolas na mão, uma nova regra foi introduzida no começo desta última temporada: "todos os gols marcados ou criados em que a bola toca na mão ou nos braços do jogador de ataque serão invalidados." A medida gerou indignação e fez com que o VAR anulasse vários tentos devido a toques acidentais que ocorreram no começo da jogada.
A IFAB, desde então, clarificou a decisão, afirmando que, à partir da próxima temporada, "toques na mão acidentais só devem ser marcados se imediatamente resultarem em um gol ou em um lance de perigo para o time do jogador que cometeu a infração." Mesmo que isse ajude a tornar as decisões mais objetivas, a subjetividade da palavra "imediatamente" ainda está presente no livro de regras.
Decisões de impedimento também criaram polêmica, e fizeram surgir um debate sobre a própria existência da regra. A pergunta que fica é: até que ponto um atacante que está milímetros à frente do defensor está usando uma posição irregular para ter vantagem na jogada?
"Se demora cinco minutos para se tomar uma decisão, não existe impedimento," opina o ex-árbitro. "Quando temos que olhar uma unha ou o calcanhar de um atleta para determinar se tal jogador está em posição irregular, cria-se dúvida sobre o próprio conceito da regra.
"Vamos voltar ao que era antes: dar o benefício da dúvida ao atacante. Nesse momento, está tudo a favor dos defensores. A tecnologia não é 100% precisa. Nessas situações duvidosas, não temos como determinar com 100% de certeza qual a decisão mais justa a ser tomada, não temos como saber exatamente o momento do passe."
Mesmo que a tomada de decisão do VAR seja melhorada, o protocolo mais importante a ser melhorado é a experiência dos torcedores com a tecnologia. Quando pessoas dentro do estádio precisam checar redes sociais para entender o que está acontecendo em uma partida, temos um problema.
Kevin Parker, secretário-chefe da associação de torcedores do Manchester City, clube que fez parte de várias decisões polêmicas do VAR nos últimos 18 meses, aprova a introdução da tecnologia, mas acredita que a comunicação com fãs dentro do estádio precisa ser melhorada.

"Mesmo com o VAR, eu acredito que nada será 100%, mas se a tecnologia servir para corrigir algumas injustiças óbvias já irá melhorar muito o nível de jogo," declarou a Goal.
"Não me parece certo você estar assistindo a um jogo e não saber o que está acontecendo. Não precisa ter acesso a todas as câmeras, não é esse o problema. No entanto, depois que uma decisão é tomada, é preciso que fique claro para todos a razão de tudo aquilo. Que se anuncie: 'o juíz acha que não foi pênalti, foi fora da área', ou algo parecido."
As decisões do VAR, atualmente, não são mostradas dentro de estádios na Inglaterra para que árbitros não recebam pressão de jogadores e treinadores enquanto revisam lances controversos. Uma mudança nessa regra, no entanto, poderia servir para acalmar os críticos, mesmo se isso significar que clubes como o Liverpool e o Manchester United tendo que inaugurar telões em seus estádios para que as jogadas possam ser transmitidas.
O VAR não vai sair da cena, mas os torcedores podem parar de ir aos estádios se a situação não mudar.
