Quando Dani Alves desembarcou no São Paulo com o maior salário do Brasil, festa apoteótica no Morumbi e uma camisa 10 que nunca foi dele na carreira, eu escrevi que ele tinha o desafio de mostrar que podia ser o protagonista de um grande clube. A diferença pode parecer sutil e esbarrar em conceitos pessoais, mas existe. O coadjuvante mais condecorado da história do futebol mostra, um ano e meio depois, que não é fácil dar esse salto.
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O protagonismo é, pelo dicionário, o “papel de liderança que alguém ou algo exerce frente a uma organização, um acontecimento, um tempo, etc”. Dentro de campo, a expressão em geral é associada a uma participação ativa no andamento da partida. Gosto muito da expressão “adonar-se do jogo”, usada pelos gaúchos para retratar alguém que colocou a bola debaixo do braço e decidiu o confronto.
Dani Alves tem, sim, tudo a ver com o estilo do São Paulo. É sua capacidade de construir desde a defesa e se associar com os companheiros quando chega ao ataque que gerou os melhores momentos do time na temporada. Não por acaso ele está entre os melhores do Campeonato Brasileiro na Bola de Prata (3º entre os volantes), mais tradicional premiação do torneio, e até em rankings mais estatísticos, como o do SofaScore (5º melhor entre todos os jogadores) – em ambos os casos, dados coletados antes do fim da 31ª rodada.
São Paulo/DivulgaçãoFoto: Rubens Chiri / saopaulofc.net
Só que o pior São Paulo também é a “cara” de Dani Alves, errando passes forçados na defesa e sem conseguir ir além de trocas inócuas quando os times rivais fecham os espaços. Fora de campo, ele é o capitão que bancou a chegada de Fernando Diniz em 2019, mas também é o líder que fez pouco caso de cobranças da torcida e ainda não apareceu diante das câmeras para falar sobre o derretimento do agora ex-líder do Brasileirão.
No 5 a 1 contra o Inter, o São Paulo viveu uma de suas piores noites da temporada e Daniel Alves foi parte integral disso, restrito ao campo de defesa, incapaz de sair da pressão do Inter e responsável direto pelo quinto gol colorado com um passe displicente no meio-campo. Não por acaso, seu nome foi parar nos Trending Topics e ele parece ser a bola da vez em termos de cobranças da torcida, só atrás de, por óbvio, Fernando Diniz.
Não é difícil ver esse padrão aplicado ao longo da temporada tricolor. Foi ele quem cruzou de esquerda, em um ângulo difícil, para Luciano marcar o gol que abriu a vitória por 3 a 0 sobre o Flamengo na Copa do Brasil. Também saíram dos pés deles duas assistências no duelo contra o Lanús, provavelmente sua maior atuação individual no ano apesar da eliminação traumática na Copa Sul-Americana.
Só que também foi ele quem recuou demais em um primeiro tempo que poderia ter sido fatal contra o mesmo Flamengo na Copa do Brasil. Que entregou uma bola de bandeja, dentro da área, para Diego Souza quase finalizar o duelo a favor do Grêmio com uma bicicleta. E é dele o vacilo perto da meia lua que permite ao Bragantino abrir o placar no fatídico jogo da discussão entre Diniz e Tchê Tchê que marcou a derrocada são-paulina.
Daniel Alves é a cara do São Paulo no ano. Intercedeu nos bastidores, defendeu a filosofia de jogo adotada e emprestou seu talento para tentar implantá-la da melhor maneira possível, no que obteve algum sucesso. Mas também foram as suas limitações como protagonista que impuseram um teto ao time de Fernando Diniz, que vai terminando o ano de maneira frustrante para o torcedor, sem repertório para mudar e derretendo sob pressão.
Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.netFoto: Rubens Chiri / saopaulofc.net
Não me atrevo a imaginar o desfecho dessa história. O time parece em frangalhos, o técnico não há de ter vida longa no cargo e Daniel, um dos maiores salários do futebol brasileiro, também tem lá seus problemas para resolver com a diretoria. Me interessa, no entanto, que essa experiência de buscar certo protagonismo não se limite a ele.
Dani é de uma geração vitoriosa e respeitada, mas que, ao contrário das que a antecederam, ocuparam um outro lugar em relação aos holofotes. Saíram Romário, Ronaldos e até Rivaldo e Kaká, centros nervosos e grandes diferenciais de seus times, e entraram Marcelo, Thiago Silva e Willian, entre outros.
Todos jogadores competentes, venerados e multicampeões, mas que nunca tiveram a responsabilidade de ser a vidraça de suas equipes, aqueles de quem vai se cobrar pelo fracasso. Exceção feita a Neymar, desde 2010 nenhum jogador brasileiro convive ou sequer chega perto de obter esse status. Daniel Alves mostra que talvez ainda demore para que alguém lhe faça companhia.


