Celsinho, jogador do Londrina, foi revitimizado ao ver o pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) reverter a decisão de tirar pontos do Brusque após o conselheiro Júlio Antônio Petermann xingar o jogador de forma racista. O clube de Santa Catarina havia sido punido com a perda de três pontos na Série B, mas os pontos foram devolvidos após votação do recurso. Segundo o advogado Eduardo Vargas, do Londrina, o atleta ficou decepcionado e abalado com a decisão.
“Além da ofensa à pessoa dele, isso transcende. Passou para a família, houve todo o dissabor de chegar em casa e ver a esposa chorando, os filhos chorando”, explicou, em entrevista à GOAL. “O filho dele menor, aos quatro, cinco anos de idade, também tem um cabelo Black Power. Ele disse que queria cortar e que era para o papai cortar o cabelo porque não queria mais ser ridicularizado. O abalo psicológico que ele teve e vem tendo é enorme.”
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Cinco auditores do STJD votaram para diminuir a punição, enquanto dois (um deles o relator do processo) foram a favor da perda de pontos. No primeiro julgamento, relator e auditores estavam de acordo que o clube deveria ser punido com a perda de pontos. De acordo com o relator, na ocasião, a infração era “gravíssima”. Outros auditores utilizaram termos como “extrema gravidade”, “inconcebível” e que deveria ser “apenada com muito rigor”. Já no julgamento do recurso, a maioria chegou a admitir “indignação” do tribunal, mas que o caso não seria de “extrema gravidade”, portanto discordando da perda de pontos.
Esta seria a terceira vez desde que o Observatório da Discriminação Racial no Futebol começou a registrar casos de discriminação no esporte que um clube seria punido esportivamente, além da multa e perda de mando de campo. As outras aconteceram em 2014, quando o Clube Esportivo Bento Gonçalves foi punido após o árbitro Márcio Chagas ser xingado e ter o carro vandalizado durante uma partida, e em um duelo do Santos contra o Grêmio no Rio Grande do Sul, quando o goleiro Aranha, do time paulista, foi xingado por torcedores do Tricolor.
“O STJD precisa começar a aplicar o código, precisa parar de ficar criando tese de grave, gravíssimo. A questão é: racismo é extremamente grave. Não tem como haver uma graduação”, avalia o advogado. “Punição com pena de multa não assusta ninguém. Para uma equipe profissional da Série A, Série B, uma multa de R$ 100 mil, que é o limite do código, realmente não assusta.”
De acordo com o Observatório, entre 2014 e 2020 foram julgados 49 casos de discriminação pelos tribunais de Justiça Desportiva no Brasil. Destes, 61% acabaram em punição para os agressores, que variaram entre multas de R$ 400 a R$ 50 mil reais, perda de mando de campo, e suspensão do torcedor para ingressar na praça esportiva. A dificuldade para punir, segundo Vargas, é justamente o racismo dentro das instituições.
“As pessoas ainda entendem que esse tipo de situação não é crime, não é racismo. As pessoas naturalizam essas condutas. Nós temos uma codificação, uma previsão legal. O problema é que os julgadores acabam não aplicando porque acham que é vitimismo do povo negro, que é mimimi”, aponta. O Brusque, com a nova decisão, perdeu um mando de campo e foi multado em R$ 60 mil. Petermann, por sua vez, tem pena de 360 dias de suspensão e multa de R$ 30 mil.
Além da Justiça Desportiva, outro caminho que vítimas do crime de racismo no esporte podem seguir é o da Justiça comum. De acordo com Vargas, Celsinho também está buscando reparação na esfera cível, tanto nas agressões sofridas no caso do Brusque quanto por outras ofensas proferidas por radialistas em Goiânia e Belém. Ele também acionou a esfera criminal, e o Ministério Público atualmente está apurando os fatos.
Mesmo com campanhas de conscientização, como as que acontecem todos os anos no mês de novembro, os números de casos de discriminação no esporte denunciados só caíram com a interrupção das competições durante a pandemia. No entanto, com a volta das torcidas aos estádios, voltam também os relatos de assédio, homofobia, racismo e outras formas de discriminação nestes ambientes. Punir o clube dentro de campo, com perda de pontos ou exclusão de competições, é uma maneira de inibir estes comportamentos.
“Nós estávamos começando a construir um caminho diferente com a primeira decisão, porque as pessoas, antes de cometerem atos criminosos dessa natureza, pensariam três vezes. Haveria uma represália, como já há hoje no futebol, como com torcedores que querem invadir o campo, arremessar alguma coisa no gramado, porque sabem que a sanção é severa”, lamenta. Segundo ele, a decisão de avaliar a gravidade do racismo para definir a punição foi um retrocesso.
“Racismo é racismo, em quaisquer circunstâncias. A partir do momento que você comprovou que houve um crime de injúria racial ou de racismo, o aplicador da lei tende a relativizar. Para não deixar passar ‘impune’, entre aspas, aplica uma ‘açãozinha’, quando na realidade isso não tem contribuído em nada no combate ao racismo e na luta antirracista.”
