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Tragédia de Heysel, 40 anos depois: 'Todos apontaram o dedo para a Juventus, mas a vergonha não é dela', diz Emilio Targia

Há algumas semanas, Emilio Targia foi um dos convidados do Salão do Livro de Turim, onde apresentou a reedição de "Quella notte all'Heysel" (Sperling & Kupfer) ao lado do ex-Juventus Sergio Brio, que escreveu a introdução (o prefácio e o posfácio são assinados, respectivamente, por Sandro Veronesi e Antonio Cabrini). Jornalista e escritor, Targia estava na noite maldita da Tragédia de Heysel que, de um sonho, se transformou em um pesadelo a olhos abertos para todos os presentes, para o povo bianconero e, de modo geral, para todos os apaixonados por esporte e futebol.

Nossos amigos italianos do Il Bianco Nero, portal especializado na cobertura da Juventus, entrevistaram Emilio Targia por ocasião do 40º aniversário da tragédia, lembrada em 29 de maio, inspirando-se também em seu emocionante podcast intitulado Dentro l’Heysel, produzido pela Mondadori Studios.

Nesse especial, você pode ver:

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  • Por que, na sua opinião, é tão importante manter viva a memória e falar ainda hoje — aliás, especialmente hoje — sobre o que aconteceu? O que esse aniversário tão significativo deve nos deixar?

    "Deve ficar claro que isso é mais do que apenas um aniversário, justamente. Não gosto de datas redondas, porque acabam virando uma espécie de álibi para nós mesmos, não é? Falamos do Heysel porque são os 40 anos, sim, mas eu gostaria que se falasse disso também no Natal, na Páscoa, no dia 23 de fevereiro, 15 de março... porque a memória tem que ser um fluxo contínuo e constante. É como um armário: você precisa apertar os parafusos, rosquear, se sujar de tinta... Todos nós que fazemos esse trabalho precisamos contribuir com mais um pedacinho, para que essa memória seja protegida, enriquecida, preservada — sobretudo para as próximas décadas. Porque, nesses quarenta anos, perdemos partes da memória de Heysel. E infelizmente ainda existem muitos mal-entendidos."

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  • Você falou com razão de “mal-entendidos”, no sentido de equívocos e opiniões distorcidas sobre a tragédia. Um deles diz respeito, sem dúvida, à decisão da UEFA de seguir com a partida e depois “obrigar” a Juventus a dar a volta olímpica com a taça. Sobre isso, Michel Platini usou uma expressão emblemática: “Quando o acrobata cai, entram os palhaços”...

    “Essa frase do Platini é perfeita, e eu explico imediatamente por quê, desmontando todos aqueles que continuam dizendo besteiras, vulgaridades, espalhando violência verbal: a Juventus absolutamente não queria jogar aquela partida, nem Platini, nem Boniperti, nem outros jogadores queriam. Já o que pensava o Liverpool, não sei — vi cenas feias do Rush indo incitar a torcida, enfim, os Reds não me pareceram muito sensíveis naquela noite, embora nos anos seguintes tenham mudado. A verdade é que a Uefa disse: ‘Ok, não joguem, mas então assinem um papel renunciando à partida e automaticamente assumindo toda a responsabilidade.’”

    “Se aquela partida não tivesse sido disputada, a minha curva (setor da arquibancada onde ficava a torcida), a da esquerda, teria entrado em contato com a dos Reds. Já sabíamos que havia mortos e não sei o que poderia ter acontecido, mas o saldo com certeza teria piorado, com mais feridos ou até mais vítimas. De qualquer forma, era preciso ganhar tempo — pelo menos três horas — para que o exército belga, a polícia (completamente inadequada, despreparada, de uma incompetência verdadeiramente constrangedora) organizasse a evacuação dos assassinos, dos hooligans ingleses responsáveis pelo massacre. Por isso, aquela partida teve que ser jogada. Se eu estou aqui hoje, quem sabe, talvez seja também porque aquele jogo aconteceu.”

    “A Juventus — como Boniperti lembrou anos depois — queria que fosse apenas um amistoso, mas a Uefa disse não. O Liverpool também disse não. Tinha que ser uma partida oficial. E assim foi. E talvez essa partida tenha salvado a vida de muitos de nós. Lembro também de Bettino Craxi, então Primeiro-Ministro, ligando de Roma para o ministro De Michelis, que estava no estádio: este entendeu perfeitamente a situação, enquanto o Premier, da TV em Roma, pedia desesperadamente que a partida não fosse realizada, em respeito aos mortos. De Michelis explicou tudo a ele, com firmeza, depois desligou o telefone e foi para a reunião com a Uefa.”

  • Outro momento que frequentemente gerou polêmicas na narrativa sobre Heysel, e que você comentou também no Salão do Livro com Sergio Brio, é a volta da Juventus a Turim com a taça...

    "É simples. Ninguém queria comemorar. Uns cinquenta fotógrafos em Caselle pediram a Brio, e acho que também a Scirea, para erguerem a taça por um instante. Eles fizeram isso para agradar, mas definitivamente não foi uma chegada triunfal. A Juventus foi insultada por décadas por isso e por aquela volta olímpica que, repito, foi imposta pela Uefa — que ainda precisava de tempo porque não tinha conseguido garantir a segurança do lado de fora. Tenho as imagens porque eu estava lá com minha camerazinha (na época, Targia era um aspirante a jornalista, nota do tradutor). Mas infelizmente, na Itália existem os profissionais do antijuve, e estão todos lá, apontando o dedo, insultando a Juventus, esquecendo que as gravíssimas responsabilidades objetivas, penais e civis, foram antes de tudo da Gendarmaria da Bélgica — sem o mínimo preparo, com forças policiais totalmente despreparadas."

    "Da Uefa, que escolheu um estádio decadente, vergonhoso. Mas, sobretudo, obviamente, dos assassinos — porque é disso que se trata — dos hooligans do Liverpool, que atacaram violentamente, e com uma boa dose de álcool no sangue, aquele setor do estádio onde estavam italianos, belgas, irlandeses, mas também torcedores da Inter, por exemplo, e espectadores neutros. Ali, e eu digo isso há quarenta anos, morreram 39 cidadãos europeus — não 39 "torcedores da Juventus".

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  • Você mencionou várias vezes, direta ou indiretamente, a questão da narrativa sobre Heysel. O que falhou, nesse sentido?

    "Com as devidas exceções, acho que houve uma cobertura jornalística meio rasa, superficial. No geral, sinto que a memória se desfiou, também por culpa de muitos colegas que tratam Heysel de forma aproximativa. Mas essa é uma história gravíssima. Uma história de negligência, de incapacidade, de imbecilidade, irresponsabilidade, imprudência, despreparo — enfim, de uma série de fatores que se combinaram e criaram a tempestade perfeita. É por isso que me dá horror que ainda hoje, quarenta anos depois, eu ouça dizer "que vergonha, por que vocês jogaram?" ou "essa taça manchada de sangue deve ser devolvida". E aí eu respondo com calma: ok, devolvemos, mas para quem? Para a Uefa, não creio. Para o Liverpool, muito menos. Então para quem? Talvez o mais certo seja que ela pertença às famílias das vítimas, que fique no Museu da Juventus e que relembre uma noite totalmente anormal — não por triunfalismo, que seria totalmente fora de lugar, mas porque aquele troféu foi conquistado num contexto absurdo, insano, quase apocalíptico."

    "Aquela taça, na minha opinião, está bem no Museu da Juventus, dedicada aos sobreviventes e às famílias das vítimas, aos seiscentos feridos, a quem ainda hoje carrega consigo um trauma e uma ferida psicológica. E "vergonha" deve ser dito a quem foi materialmente autor do massacre. A responsabilidade é clara: são os agressores, os hooligans assassinos do Liverpool. Em segundo lugar, mas com culpa semelhante, estão a Uefa e a Gendarmaria da Bélgica, o Ministro do Interior, o prefeito de Bruxelas. É isso que eu gostaria de ouvir mais vezes: que o termo "vergonha" seja direcionado a eles — aos hooligans assassinos, à Uefa que escolheu um estádio de forma irresponsável e insana... Porque entre algozes e vítimas há uma grande diferença. E isso precisa ser lembrado, senão a memória será perdida."

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