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"Defendemos a memória das vítimas de Heysel" - líder dos familiares das vítimas detalha anos de luta

Há muito a dizer, e, ao mesmo tempo, nada a dizer. Diante desse paradoxo, refletimos em 29 de maio de 2025, data que marca os quarenta anos da tragédia de Heysel. O que fazer? Como lembrar? Como se cultiva a memória?

A partir dessas perguntas, nossos amigos italianos do Il Bianco Nero, portal especializado na cobertura da Juventus, decidiram tentar buscar — e oferecer — algumas respostas. Para começar, entraram em contato com Andrea Lorentini, presidente da Associação dos Familiares das Vítimas de Heysel.

Nesse especial, você vai ver:

  • Tragédia de Heysel, 40 anos depois: a importância da memória contra o revisionismo e os oportunistas

  • O testemunho de Massimo Bonini, ex-jogador da Juve presente naquela noite trágica, e de Massimo Briaschi, também em campo em 29 de maio de 1985
  • O relato de Emilio Targia, que estava nas arquibancadas durante o massacre de Heysel
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  • No site de vocês está escrito: “A memória deve ser defendida e exercitada”. Como isso é possível?

    “Nós tentamos exercitar a memória por meio das iniciativas que, como Associação de Familiares das Vítimas de Heysel, desenvolvemos há dez anos, desde nossa refundação em 2015. Fazemos isso principalmente relembrando o que aconteceu, mas também conectando essa lembrança a projetos de educação cívico-esportiva, especialmente voltados a escolas, estudantes e jovens atletas de clubes esportivos. Nosso foco está nos jovens.

    Acreditamos que a simples lembrança, isoladamente, pode perder o sentido. Por isso, unir o relato a uma geração que, em 1985, sequer era nascida — muitos nem conhecem essa história — é nosso ponto de partida para despertar neles a consciência de um evento que também faz parte da história deste país.

    Ao mesmo tempo, buscamos transmitir que o esporte não pode ser associado à morte ou a eventos trágicos, como aconteceu em Heysel. O esporte deveria ser um veículo exclusivamente de valores positivos.

    Também defendemos essa memória denunciando — como fizemos diversas vezes nos últimos anos — aqueles que ainda hoje, infelizmente muitos, ofendem gratuitamente as vítimas de Heysel, confundindo rivalidade esportiva com incivilidade. É possível torcer contra um time, mas não há justificativa para desrespeitar 39 inocentes que morreram por causa de uma partida de futebol.”

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  • Vocês fazem questão de usar o termo “massacre de Heysel”, e não acidente ou tragédia. Por quê?

    “Uma tragédia pode acontecer de forma acidental, por azar ou eventos infelizes. Heysel não foi fruto do acaso. O massacre aconteceu por uma cadeia de negligências. Há responsáveis diretos — os hooligans ingleses que invadiram o setor Z, provocando o esmagamento, a morte de 39 pessoas e o ferimento de mais de 600. Mas isso só foi possível porque o aparato de segurança pública da Bélgica era completamente inadequado.

    O setor dos hooligans e o setor Z eram separados apenas por uma cerca frágil, com poucos policiais. O estádio, velho e inseguro, jamais deveria ter sido escolhido para uma final de Copa dos Campeões. A Uefa tem responsabilidade direta nessa escolha.

    Por isso, dizemos que a Uefa e o Estado belga são, em certo sentido, os mandantes. Os hooligans são os autores materiais. É por isso que falamos em massacre, não em tragédia. Claro, no todo, é trágico. Mas não foi algo fortuito ou uma infeliz coincidência.”

  • Como a sua história pessoal e familiar se conecta ao que aconteceu há 40 anos em Heysel?

    “Eu perdi meu pai em Heysel. Roberto Lorentini era uma das 39 vítimas — uma das 32 italianas. Ele estava no estádio com meu avô, torcedor da Fiorentina, que o acompanhava para ver a Juventus, junto com dois primos que também torciam para o time. Não eram torcedores organizados, apenas fãs que aproveitavam oportunidades especiais para ver o time jogar.

    Eles já tinham ido à final contra o Porto em Basileia no ano anterior e conseguiram ingressos para essa nova final.

    Meu pai era médico e tinha apenas 31 anos. Ele conseguiu escapar das primeiras investidas dos hooligans, mas, ao perceber a gravidade da situação e que havia mortos e feridos nos degraus do setor Z, decidiu voltar para prestar socorro. Segundo testemunhas, ele estava fazendo respiração boca a boca em um menino — provavelmente Andrea Casula, a mais jovem vítima de Heysel, com apenas 11 anos — quando houve um novo ataque dos ingleses. Ele acabou sendo esmagado e perdeu a vida. Por esse ato de coragem, foi condecorado com a medalha de prata por bravura civil.”

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  • Qual é a história da associação e o papel que teve no reconhecimento judicial dos responsáveis?

    “A associação foi fundada por meu avô, Otello Lorentini, alguns meses após o massacre. Ele queria justiça para o filho e para as outras vítimas, mas sabia que não poderia enfrentar sozinho um processo em outro país. Então, entrou em contato com todas as famílias das 32 vítimas italianas, propondo unir forças. Assim nasceu a associação, por volta de 1991-92.

    Depois disso, meu avô seguiu promovendo, sob outras formas, a luta contra a violência no esporte. Com o tempo, o foco da associação se deslocou do processo judicial para o engajamento cívico — como fazemos hoje, desde 2015.

    Sobre a questão judicial, sempre buscamos reafirmar as verdades estabelecidas pelo processo, que muitas vezes são pouco divulgadas. Um dos poucos que as abordou foi o jornalista Francesco Caremani, no livro Heysel – As verdades de um massacre anunciado, que conta com nosso apoio institucional.

    A sentença final do processo tem valor jurídico importante: a Uefa foi condenada. Em primeira instância, tinha sido absolvida, mas meu avô, mesmo diante do risco de derrota, insistiu em recorrer. Foi uma decisão corajosa que deu resultado: a UEFA foi considerada responsável de forma objetiva.

    Isso mudou as regras da organização de eventos esportivos. Antes de Heysel, a Uefa ficava com 75% a 80% da arrecadação, mas não era responsável por nada. O próprio ingresso daquela final dizia que a UEFA não se responsabilizava por incidentes — o que hoje soa perturbador. Após o processo, a Uefa passou a ser responsável pela segurança nos eventos que organiza. E estádios como o de Heysel jamais seriam escolhidos novamente.”

  • Quais são as próximas iniciativas da associação? Vocês participarão da inauguração do memorial “Verso Altrove” na Continassa?

    “Sim, fomos convidados pela Juventus para a inauguração do memorial no dia 29 e estaremos representados lá — embora eu, pessoalmente, talvez não consiga ir, por compromissos paralelos e pela distância de Turim.

    No dia 30 pela manhã, organizamos um evento em parceria com o Museu do Futebol de Coverciano, com a presença de escolas, do presidente do museu, Matteo Marani, e também do presidente do Juventus Museum, Paolo Garimberti. Será um momento de memória e educação cívica, com apresentação de trabalhos preparados por estudantes, na presença de familiares das vítimas.

    Essas são as principais iniciativas em nível nacional. Em outras cidades, haverá homenagens organizadas por administrações locais, nas quais participaremos sempre que possível.

    Além disso, há projetos editoriais em produção com nossa participação — podcasts, documentários, inclusive uma série já exibida na Bélgica e na França que deverá chegar à Itália. Nosso objetivo é ampliar ao máximo a divulgação da história de Heysel, que por muito tempo ficou esquecida. Queremos que mais e mais pessoas conheçam o que realmente aconteceu.”

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