Com Mauricio Pochettino, Harry Kane começou a dar os primeiros sinais de que podia expandir seu jogo. O atacante ocasionalmente recuava para distribuir passes e ajudar na construção das jogadas, embora isso ocorresse, na melhor das hipóteses, uma vez por partida — às vezes nem isso. Foi só com a chegada de José Mourinho ao Tottenham que sua atuação em campo se diversificou de forma significativa.
O time de Pochettino era baseado em princípios de pressão alta e passes progressivos. No entanto, longas lesões sofridas por Kane em 2017, 2018 e 2020 acabaram comprometendo sua mobilidade e sua eficiência em liderar essa pressão ofensiva. Já a abordagem reativa de Mourinho, baseada em linhas recuadas e contra-ataques rápidos, passou a fazer ainda mais sentido com a mudança no perfil físico do camisa 10. Se Kane conseguisse atrair os defensores e afastá-los da linha de fundo, abriria espaço para seus companheiros infiltrarem pelas costas da zaga adversária.
Após a vitória por 2 a 0 sobre o Manchester City, em novembro de 2020 — resultado que colocou o Tottenham na liderança da Premier League —, Kane explicou qual era sua função sob o comando de Mourinho:
“Principalmente segurar a bola, especialmente quando estamos sob pressão. Ganhar faltas, trazer os outros para o jogo. No contra-ataque, se eu recuar, sei que há corredores atrás de mim. Felizmente, conseguimos aproveitar isso.”
Naquele jogo, os gols foram marcados por Son Heung-min e Giovani Lo Celso, mas Kane foi eleito o Jogador da Partida pela Sky Sports. Gary Neville, inclusive, chegou a dizer que havia “tons de Zidane” em sua atuação. Após a partida, Mourinho comentou:
“Talvez ele seja responsável por mudar a maneira como as pessoas veem um atacante. Normalmente, avaliam-se os gols — você é tão bom quanto o número de gols que marca. Há até uma Chuteira de Ouro para isso. Mas um atacante pode ser o melhor em campo mesmo sem balançar as redes. Não sei quem deu o prêmio a ele hoje, mas os parabenizo.”
Kane terminou a temporada 2020/21 como apenas o segundo jogador na história da Premier League, depois de Andrew Cole, a liderar o campeonato tanto em gols quanto em assistências. Levou para casa a Chuteira de Ouro e o prêmio de Melhor Jogador.
É fácil entender por que a ideia de recuar Kane permanentemente parece tentadora. Mas essa mudança também ignora o que ele tem de mais valioso: a capacidade de criar espaço para si e para os outros — e, claro, marcar gols com uma frequência que poucos na história conseguiram igualar.