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Florian Wirtz FSG Red Sox GFXGetty/GOAL

Como a contratação de Florian Wirtz pelo Liverpool enfurece torcedores do Boston Red Sox nos EUA

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As percepções sobre o Fenway Sports Group (FSG) como grupo proprietário dificilmente poderiam ser mais distintas dos dois lados do Oceano Atlântico. Para os torcedores de futebol, trata-se do conglomerado que conduziu o Liverpool ao período mais vitorioso da era moderna. Já os fãs de beisebol permanecem céticos quanto às suas credenciais, apesar das conquistas alcançadas.

Ao longo de mais de duas décadas no comando do Boston Red Sox, a FSG liderou diversas campanhas vitoriosas nos playoffs e até títulos, mas suas decisões nos últimos sete anos vêm sendo duramente criticadas. Atualmente, a população de Massachusetts e da Nova Inglaterra está em pé de guerra.

Nos últimos dias, a comunidade online do futebol europeu ficou surpresa ao ser inundada por torcedores enfurecidos do Red Sox, que reagiram com indignação à contratação de Florian Wirtz pelo Liverpool — uma transferência que pode chegar a £116 milhões. A GOAL investiga como uma negociação recorde no futebol britânico conseguiu irritar o nordeste dos Estados Unidos...

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  • World Series: Red Sox v Cardinals Game 4Getty Images Sport

    "Maldição do Bambino"

    Nosso conto começa quase um século atrás. Os torcedores do Red Sox talvez não gostem dessa ideia hoje, mas a FSG nem sempre foi vista como portadora de más notícias — muito pelo contrário.

    O nome mais icônico de toda a história do beisebol é Babe Ruth. Ele ainda transcende o esporte, mesmo tendo se aposentado há 90 anos e falecido há 77. Ruth, apelidado de "The Bambino", passou seus primeiros cinco anos na Major League Baseball jogando pelo Red Sox, antes de ser vendido pelo então proprietário da equipe, Harry Frazee, ao rival New York Yankees. Foi um negócio que assombrou Boston — tanto a cidade quanto a franquia — por gerações.

    O Red Sox passou 86 anos sem conquistar outro título, apesar de ter dominado os primeiros anos da MLB com Ruth como protagonista. Enquanto isso, os Yankees se tornaram a maior potência do beisebol, o que atormentava os apaixonados torcedores de Boston. Em busca de escapar da maldição que supostamente recaíra sobre o time, alguns fãs chegaram a tomar medidas extremas. Há relatos de um torcedor que colocou um boné do Red Sox no topo do Monte Everest e queimou um dos Yankees, enquanto rituais de exorcismo chegaram a ser realizados do lado de fora do Fenway Park.

    A FSG comprou o Red Sox em 2002. Um ano depois, o time chegou à World Series com a chance de encerrar o jejum de títulos, mas acabou derrotado pelo Florida Marlins por 4 a 2 em uma série melhor de sete jogos. Um ano depois, o Red Sox estava perdendo por 3 a 0 para os Yankees na Série de Campeonato da Liga Americana (equivalente às semifinais), e parecia que a maldição continuaria. Mas, de forma notável, o time reagiu, virou a série para 4 a 3 e depois varreu o St. Louis Cardinals na World Series.

    A "Maldição do Bambino" foi quebrada apenas dois anos após o início da gestão da FSG. A partir daí, o Red Sox se tornou presença constante nos playoffs e um sério candidato aos títulos, conquistando novas taças em 2007 e 2013. Foi por volta dessa época que os fundadores do grupo, John Henry e Tom Werner, começaram a explorar o futebol — e logo depois mergulharam de cabeça ao adquirir um dos clubes mais prestigiados do mundo.

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  • Liverpool v Sunderland - Premier LeagueGetty Images Sport

    Investimento inicial

    A FSG assumiu o comando de Anfield em 2010, substituindo os amplamente impopulares Tom Hicks e George Gillett. Em Merseyside, havia a esperança de que John Henry e Tom Werner trouxessem o investimento, o cuidado e o comprometimento que vinham faltando na alta cúpula do clube ao longo dos últimos anos da década de 2000. Apesar do sucesso do Liverpool na Champions League e na Copa da Inglaterra, o tão sonhado primeiro título da Premier League desde a cisão da Football League em 1992 seguia fora de alcance — em parte pela incapacidade de competir financeiramente com potências como Manchester United e Chelsea.

    Mas a FSG herdou um clube em situação lastimável. Roy Hodgson atravessava uma campanha desastrosa em sua breve passagem como treinador, com o time afundando na tabela, e o elenco havia sido mal reforçado na janela de transferências do ano anterior. Embora a decisão dos americanos de contratar Luis Suárez em janeiro de 2011 tenha se revelado um grande acerto, tentar substituir o vendido Fernando Torres, por £50 milhões, com Andy Carroll por £35 milhões foi um erro evidente.

    Hodgson acabou sendo substituído pelo ídolo Kenny Dalglish. Apesar de ter mostrado sinais promissores no fim da temporada 2010/11, levando o time a um respeitável sexto lugar, a campanha seguinte foi decepcionante: o Liverpool caiu para a oitava colocação na Premier League, e Dalglish acabou demitido. Ainda assim, o escocês entregou o primeiro título da era FSG no futebol ao conquistar a Copa da Liga Inglesa em 2012.

    Na mesma temporada, a FSG também trouxe Michael Edwards, então analista-chefe do Tottenham. Ele começou dando suporte a Dalglish e, depois, a Brendan Rodgers, antes de assumir cargos mais importantes na estrutura de recrutamento do clube.

  • Liverpool FC v Chelsea FC - Premier LeagueGetty Images Sport

    Klopp faz sua mágica

    Brendan Rodgers chegou perto de entrar para a história do Liverpool, ficando a um escorregão de Steven Gerrard de encerrar a longa seca de títulos da liga na temporada 2013/14. No entanto, pouco mais de um ano depois, com o time novamente em declínio, ele foi demitido — o que abriu caminho para a contratação mais importante de toda a era FSG.

    Jürgen Klopp, que estava sem clube após transformar o Borussia Dortmund e revolucionar o conceito de pressão no futebol moderno, foi escolhido técnico do Liverpool em outubro de 2015 — quase cinco anos depois da FSG assumir o controle em Anfield. Em apenas 18 meses, os Reds já estavam de volta à Champions League. Dois anos depois, conquistavam o título. Com Michael Edwards liderando a identificação de reforços para o elenco, o clube deixou de ser apenas competitivo e passou a ser vencedor de forma consistente.

    Klopp lançou as bases para um período prolongado de grandeza. Em nove anos à frente do Liverpool, ele conquistou todos os troféus disponíveis ao clube — com exceção da Europa League — ao menos uma vez. Durante esse tempo, a FSG preferiu se manter nos bastidores, permitindo que Klopp, Edwards e sua equipe trabalhassem com relativa autonomia. Suas intervenções mais notáveis ocorreram principalmente para financiar melhorias e expansões no estádio de Anfield, garantindo o suporte necessário sem interferir diretamente no futebol.

  • Los Angeles Dodgers v St. Louis CardinalsGetty Images Sport

    Amargura em Boston

    Até aqui — e provavelmente para a frustração de seus críticos — pintamos a FSG como uma força conquistadora no esporte. O que, bem, não é exatamente verdade, mas, considerando seu histórico, é compreensível pensar que seja.

    Isso não significa que eles não tenham cometido erros ao longo do caminho, mesmo no Liverpool. Em abril de 2021, sua tentativa de romper com o modelo tradicional para formar a Superliga Europeia — assim como o controverso ‘Project Big Picture’ alguns meses antes — foi recebida com enorme rejeição por parte dos torcedores, colapsando em questão de dias. Também há críticas recorrentes de parte da torcida online quanto ao nível de investimento nas equipes masculina e feminina. Ainda assim, esses não são problemas exclusivos da FSG.

    É aqui que Boston volta ao centro da discussão. O Red Sox venceu sua última World Series em 2018, ano em que parecia prestes a iniciar uma nova dinastia sob a liderança do astro Mookie Betts. Pouco mais de um ano depois, Betts foi negociado com o Los Angeles Dodgers, em parte porque a FSG se recusou a oferecer a ele o que viria a se tornar o terceiro contrato mais lucrativo da história do esporte norte-americano: US$365 milhões.

    Seria como se o Liverpool, no auge de Mohamed Salah, decidisse não atender às suas exigências salariais e, em vez disso, o vendesse ao Arsenal — com algum dinheiro extra como compensação pelo "privilégio". Para agravar, Betts venceu duas World Series com os Dodgers. Imagine então Salah levando a Premier League e a Champions League para os Gunners...

    A reputação da FSG nos Estados Unidos é de serem notoriamente "mãos de vaca e desinteressados" quando comparados a outros proprietários no cenário esportivo — ironicamente, um dos co-proprietários do Chelsea, Todd Boehly, detém 20% dos próprios Dodgers. Trocar Betts, e ainda por um retorno considerado pífio, fez com que a imprensa local começasse a falar até de uma possível nova "Maldição do Bambino".

  • A conspiração Devers

    Agora talvez fique mais claro por que os torcedores do Red Sox estão tão irritados com a contratação de Florian Wirtz pelo Liverpool. Autorizar uma transferência britânica recorde de nove dígitos para o clube inglês já seria motivo suficiente para questionamentos, mas a FSG conseguiu enfurecer ainda mais a torcida de seu time de beisebol com outra história que segue o caminho oposto.

    No fim da semana passada, o rebatedor designado Rafael Devers — no auge da melhor temporada ofensiva de sua carreira — foi trocado para o San Francisco Giants, poucas horas depois de ter conseguido um home run contra os Yankees. Para ilustrar, seria como ver Alexis Mac Allister marcar um hat-trick contra o Everton e, naquela mesma noite, ser vendido ao Manchester City. Esse foi o capítulo final de uma novela em Boston, marcada por conflitos entre Devers e a franquia nos bastidores. Embora, dessa vez, os Red Sox tenham pago o que ele merecia, a decisão de negociá-lo ainda pode ser vista como uma medida para cortar custos.

    Assim, mesmo com as finais da NBA e o Mundial de Clubes em andamento, é essa transação no beisebol que tem dominado a atenção dos fãs de esportes nos Estados Unidos. Diante do contraste com a notícia da contratação de Wirtz, muitos torcedores do Red Sox estão levantando teorias de conspiração. Será que o time realmente abriu mão de seu melhor jogador só para que os donos pudessem bancar um reforço de peso no outro clube que possuem?

    A situação chegou a um ponto tal que até a figura mais proeminente da mídia esportiva de Boston, Bill Simmons, expressou incredulidade com a transferência de Wirtz — mesmo tendo, na verdade, uma leve inclinação a favor da saída de Devers, por considerá-lo alguém que não era exatamente um jogador de grupo. No episódio mais recente de seu podcast para o The Ringer, Simmons declarou:

    "Ninguém confia nos donos, na franquia ou em qualquer coisa que eles tenham feito nos últimos seis anos. A gente simplesmente não confia em nada disso."

    "Desde o título de 2018, eles têm agido de forma completamente errática, começando com o caso do Betts. Foi como assistir a um acidente em câmera lenta por 18 meses, pensando: ‘Eles não vão realmente trocá-lo, né?’ E então, trocaram — por uma mixaria. Eu culpo todos os envolvidos, não tem mocinho nessa história... E eu também não confio (nos Red Sox) para usar esse dinheiro ou investir da maneira certa!"

    "Esse é o tipo de coisa que acho que os donos simplesmente não compreendem em relação ao Red Sox. Os Yankees jamais trocariam ‘o seu cara’ da forma como os Red Sox fizeram nos anos 2000. Conforme vou envelhecendo, o que mais valorizo no esporte é a chance de acompanhar e torcer por alguém durante 20 anos. Com o Betts, foi isso que mais doeu."

  • FBL-ENG-PR-LIVERPOOL-PARADEAFP

    Um conto de duas cidades

    Em Boston, a desconfiança em relação à FSG persiste. Está claro que há uma desconexão que vai além do desempenho do Red Sox em campo, e será necessário um esforço considerável para reconstruir esse relacionamento com a torcida. Ver seu outro projeto esportivo — o Liverpool — gastando com liberdade, como se não houvesse amanhã, só piora a percepção.

    A teoria da conspiração chegou até a administração do Red Sox, forçando o diretor de beisebol Craig Breslow a se manifestar:

    "Isso não é apenas um exagero, é completamente falso. Em nenhuma das conversas que tenho com John (Henry) ou com os outros proprietários sobre nossos recursos, questões financeiras ou decisões de qualquer um dos outros times entram em pauta. O Red Sox é administrado de forma independente de qualquer uma dessas outras organizações. O momento da troca foi apenas uma questão de alinhar os fatores certos para conseguir os jogadores que queríamos em troca e encontrar a situação ideal que atendesse às nossas necessidades."

    Enquanto isso, o sucesso do Liverpool não dá sinais de desaceleração. O técnico Arne Slot levantou a taça da Premier League em sua primeira temporada no comando — sem sequer ter feito grandes contratações próprias — e agora os torcedores de Merseyside estão empolgados para ver um time com mais reforços escolhidos por ele, incluindo Florian Wirtz, Jeremie Frimpong e Milos Kerkez. Há até rumores de que os Reds ainda podem ir ao mercado em busca de um atacante de peso antes do fechamento da janela.

    Com relatos de que a FSG está interessada em adquirir o Getafe como parte de um modelo de propriedade multi-clubes, o grupo mostra que está longe de perder o interesse pelo futebol — apesar dos rumores de que consideraram vender o Liverpool há poucos anos. Pelo menos em um esporte, seguem firmes e ambiciosos.