Jurgen Klopp e Liverpool. Uma relação onde o treinador representa muito do que é a tradição de seu clube. Caso raro no futebol, ainda mais levando em consideração que o comandante não é cria de Anfield ou tinha uma história por ali antes de sua chegada – como foi o caso de Guardiola no Barcelona ou é o de Simeone no Atlético de Madrid – em meados de 2015.
O momento máximo desta química, ao menos por enquanto, aconteceu nesta terça-feira (07), quando a equipe comandada pelo alemão escreveu um dos maiores capítulos na história da Champions League: reverteu uma derrota por 3 a 0 na ida, contra o Barcelona, e garantiu vaga na final após vencer por 4 a 0. A tarefa aparentemente era impossível: Lionel Messi em um novo auge e um Barça vacinado após a traumática eliminação para a Roma, em situações idênticas, nas quartas de final um ano antes. Some a isso um Liverpool desfalcado dos lesionados Mohamed Salah e Roberto Firmino. A equipe inglesa, entretanto, não baixou a cabeça.
Em sua entrevista coletiva na véspera do duelo, as respostas de Klopp foram proféticas do heroísmo presente nas entranhas do Liverpool. Entre as décadas de 1960 e 1970, Bill Shankly, treinador que mudou a história dos Reds, subia ao gramado antes de alguns jogos apenas para agitar/aquecer os ânimos de seus torcedores. Klopp faz isso através de suas palavras: ainda nos corredores do Camp Nou, após a derrota por 3 a 0, pediu a presença dos seus no duelo de volta e um dia antes da partida atestou a força de sua torcida ao ser perguntado se um gol marcado cedo deixaria Anfield em clima de apoio absoluto e barulhento.
"Imagino que o lugar vai estar fervendo antes mesmo de fazermos o gol, para ser honesto. É o que eu espero”, disse. E foi exatamente o que aconteceu: um estádio lotado em vermelho, ressoando gritos de apoio e cantando o hino extraoficial do clube, You’ll Never Walk Alone (Você nunca caminhará sozinho, em tradução livre). A canção foi composta para o musical ‘Carousel’, de 1945, por Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II. Em 1963, a banda ‘Gerry and the Pacemakers’ a regravou com sucesso e dois anos depois ela caía de vez nas graças dos torcedores do Liverpool. Em seu refrão, a mensagem é a de encorajamento perante as dificuldades: siga caminhando, com esperança no coração - e você nunca caminhará sozinho.
Ao potencializar ao máximo esta esperança, Jurgen Klopp personificou este início de refrão. E se a equipe estaria desfalcada de Salah e Firmino, o importante era ver os seus rapazes caminhando juntos em meio à tormenta que era prometida contra o Barcelona: "Existe a esperança e é futebol. Estamos longe de desistir, mas não estamos em uma situação onde dizemos que vai acontecer 100%. Mas é futebol. É por isso que vamos tentar, e também por causa dos garotos e da personalidade deles. Dois dos melhores atacantes do mundo não estarão disponíveis e nós precisamos marcar quatro gols contra o Barcelona. Enquanto tivermos 11 jogadores em campo, nós vamos tentar e todo mundo sabe disso. É o que queremos mostrar", disse.
Getty ImagesLiverpool, em equipe, contra um Barcelona só de Messi (Foto: Getty Images)
Se o Barcelona jamais foi tão dependente de um único jogador, o Liverpool mostrou o máximo senso de equipe. Messi muito tentou, foi responsável por todas as chegadas mais perigosas dos espanhóis ao ataque. Mas a equipe treinada por Ernesto Valverde parou nas defesas de Alisson e nos desarmes de uma defesa com Virgil van Dijk, com Fabinho incansável no meio-campo e os laterais Andrew Robertson e Trent Alexander-Arnold mostrando por que são, com justiça, apontados também como os melhores de suas posições no momento.
GettyOrigi celebra gol sobre o Barcelona (Foto: Getty Images)
Escalado para ser a referência no ataque, Origi abriu a contagem e o primeiro tempo terminou em 1 a 0. A segunda etapa marcou a entrada de Georginio Wijnaldum no lugar de Robertson (Milner passou a atuar na lateral-esquerda), e o meio-campista holandês fez logo de cara dois gols. Pela primeira vez um substituto conseguiu marcar dois gols sobre o Barça na Champions. O impossível aconteceu aos 79’, quando Alexander-Arnold uniu a sua perspicácia à absurda falha defensiva do adversário e cobrou um escanteio rasteiro para Origi fazer 4 a 0. Dois jogadores que não são titulares regularmente estufaram as redes. O máximo exemplo do senso de equipe.
Jurgen Klopp potencializou ao menos um jogador de cada setor a ser um dos melhores do mundo. Nesta terça-feira (07), talvez tenha tido a sua maior noite como treinador no futebol, de uma forma muito característica para o que é o Liverpool: o time que nunca caminha sozinho e sempre mantém a esperança mesmo nos momentos difíceis. A rápida identificação de Klopp com a Kop (como é chamada a ala mais barulhenta da torcida dos Reds) começou em outra vida: 2014, justamente antes de ser derrotado por 4 a 0 em amistoso quando ainda estava no Borussia Dortmund (um dos clubes que entoam o ‘You’ll Never Walk Alone’ antes de suas partidas).
Bater na placa “This is Anfield”, no corredor que dá acesso ao gramado, é um ato de superstição para dar sorte ao Liverpool. Naquele amistoso de pré-temporada, Jurgen Klopp não resistiu e, vestido com as cores do Dortmund, fez o gesto historicamente reservado apenas a quem veste a camisa dos Reds. Em 2015 ele chegaria, no meio da temporada, para ocupar o cargo deixado por Brendan Rodgers. E desde então o Liverpool voltou a ser mais Liverpool do que era antes.
