Os últimos anos de futebol voltaram a alçar o papel do técnico a um protagonismo que, anos atrás, talvez não existisse. Ou que não importasse tanto para o fã do espetáculo. Talvez seja a forma cíclica com a qual o esporte tem sua história contada. Estes últimos anos, afinal de contas, foram marcados por diversas revoluções táticas e físicas que mudaram muito o ritmo com o qual o jogo é jogado, e os treinadores que conseguem ter destaque em meio a tantas transformações invariavelmente ficam valorizados. No Brasil, a única opção positiva que parece estar disponível em nossa cultura esportiva é a sobrevivência. Quem consegue um bom resultado, vive para ser posto à prova logo depois.
A vitória por 1 a 0 do Fluminense sobre o Flamengo, em clássico disputado na corintiana Neo Química Arena, pela nona rodada do Brasileirão 2021, mostrou um pouco desta situação. Tanto Rogério Ceni, pelo Flamengo, quanto Roger Machado, pelo Fluminense, estavam pressionados e no chamado “olho do furacão”. Ao rubro-negro, cobra-se um desempenho melhor mesmo com o time sem contar com nomes como Gabigol, Everton Ribeiro, Arrascaeta e Mauricio Isla – por causa da Copa América, isso sem contar a saída de Gerson para o Olympique de Marseille. Ao tricolor, a sequência de quatro jogos sem vitórias (dois empates e duas derrotas) pedia uma recuperação imediata justamente no Fla Flu.
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Não deixa de ser curioso que Ceni praticamente viva pressionado mesmo após garantir o título brasileiro de 2020, além do Carioca 2021 meses atrás, tendo também classificado o time para o mata-mata da Libertadores e esteja firme na Copa do Brasil e até no Brasileirão (onde o Flamengo é nono, mas com dois jogos a menos que os demais e desfalcado de seus principais atletas). Não que Ceni não mereça críticas, claro. Muitas vezes merece. Mas não deixa de ser curioso.
Assim como o Fluminense de Roger Machado estava, semanas atrás, a um jogo de igualar a sua maior sequência invicta no Brasileirão de pontos corridos. O Tricolor estava sem perder fazia 14 jogos, com metade destes duelos já sob o comando de Roger Machado, cujo time perdeu o Carioca para um Flamengo franco favorito, mas que segue na Copa do Brasil e, mais importante ainda, também garantiu seu lugar no mata-mata da Libertadores após se classificar como líder no “grupo da morte” que também teve River Plate e os colombianos Junior Barranquilla e Santa Fé.
Mas, como escrito parágrafos acima, no futebol brasileiro a briga costuma ser pela sobrevivência.
E neste duelo, quem saiu mais forte do Fla Flu foi Roger Machado. O Fluminense praticamente não teve o domínio da bola (a posse foi de 66.4% dos rubro-negros contra 33.6% dos tricolores), mas – à sua maneira – conseguiu levar trabalho a cada escapada no ataque. O sistema defensivo teve sucesso em segurar um Flamengo que sente muito as ausências de Arrascaeta e Everton Ribeiro para a criação das jogadas, e foi justamente quando Roger acionou seus jogadores mais criativos que o Fluminense construiu o seu 1 a 0. O gol tricolor foi construído, criado e finalizado por atletas que saíram do banco de reservas.
A entrada de Nenê na vaga de Cazares mudou a cara do jogo. Se, Filipe Luís à parte, faltou criatividade ao Flamengo, a partir daquele momento o Fluminense se aproveitou da habilidade do veterano meia e cresceu nas vezes em que teve a bola em seus pés. O gol, marcado nos acréscimos, começou com passe de Nenê, a primeira substituição feita por Roger, e terminou com finalização do atacante André, a última das alterações. A bola também passou pelos pés de Kayky e Luiz Henrique, que também saíram do banco de reservas. Quando as redes rubro-negras foram balançadas, Roger Machado foi ao chão em meio à comemoração de seus jogadores. Cena emblemática para uma tarde de domingo perfeita para o comandante. O Fluminense termina a rodada em oitavo.
OptaFluminense fez o seu gol com jogadores que saíram do banco (Imagem: Opta)
“No segundo tempo, com as substituições e pra poder explorar mais esse volume do Flamengo, apostar no arrasto dos jogadores de beirada e na profundidade do Lucca por dentro, a gente passou bem a empurrar, a fazer o Flamengo se preocupar com suas costas, criamos oportunidades na individualidade do Luiz Henrique, do Biel, do Lucca e fomos premiados com o segundo tempo superior ao adversário com respeito às oportunidades geradas. Vitória num clássico importante, numa semana bastante tensa em função do último jogo, mas que prova que esse grupo reage bem a esses momentos e recoloca as coisas nos trilhos num momento importante”, avaliou Roger após a vitória.
Getty Images(Foto: Getty Images)
Longe, muito longe, da perfeição foi a impressão dos rubro-negros sobre Ceni. Se as críticas já existiam, imagina o quanto elas crescem após uma derrota em um clássico... As alterações feitas pelo técnico também não agradaram, especialmente a saída do volante João Gomes, que deixou o meio-campo mais exposto do que antes, e a substituição de um Michael que estava bem na partida. Alterações que não tiveram nada a ver com algum eventual cansaço físico, como disse o próprio comandante após a derrota.
"Era o minuto 65 quando ele (João Gomes) saiu, o Maia entrou, é a única maneira para ganhar ritmo. Depois colocamos o Max, empurramos o Maia para 10. Uma substituição completamente natural", disse ao ser perguntado sobre a saída de João Gomes e falou o seguinte sobre a alteração de Michael: "Nem por cansaço nem por opção técnica, foi por opção tática. Curiosamente no jogo passado eu deixei e perguntaram o por que eu tinha deixado".
Getty Images(Foto: Getty Images)
"Depois que eu vi que o Fluminense fez as trocas, nós colocamos um Thiago Maia e o Max para recompor um pouco, para não tomar contra-ataques. Deixamos três homens de frente, Muniz, Pedro e Bruno Henrique. O objetivo? Vencer o jogo. Infelizmente num contra-ataque perdemos".
No saldo geral, Ceni não conseguiu ver o seu desfalcado Flamengo criar tantas chances boas apesar do volume maior de jogo e das muitas finalizações (foram 21, apenas quatro a gol... contra cinco chutes a gol do Fluminense). Se o desempenho não agradou no geral, o resultado foi pior ainda. Do outro lado, Roger Machado conseguiu tudo: a vitória e o resultado, com o bônus de o gol ter sido marcado com participação decisiva de suas alterações. Mundos diferentes para os técnicos de Fla e Flu... ao menos até o próximo jogo, quando todas as percepções costumam mudar por aqui.
