Raphinha Sporting 04 12 2018Getty Images

Raphinha: a 'nova joia' de Deco que conquistou o Sporting e investe em questões sociais

Raphael Dias Belloli, o Raphinha, ainda pode ser um nome pouco conhecido para o público brasileiro, mas não é de hoje que tem dado o que falar em Portugal. Ganhou destaque no Vitória de Guimarães nas últimas duas temporadas e agora começa a trilhar um caminho de sucesso no Sporting, onde chegou no meio do ano e rapidamente foi "abraçado" pelos torcedores.

Pelas mãos do empresário lusobrasileiro Deco, ex-craque de Porto, Barcelona e Chelsea e que também agencia Fabinho (Liverpool), Miranda (Inter de Milão) e Soares (Porto), o jovem atacante deixou o Brasil no fim de 2015 sem ter estreado profissionalmente, tendo antes passado pelas divisões de base de Audax e Avaí. Um início de carreira, aliás, marcado por muitas dificuldades, sobretudo por causa da distância da família.

Natural de Porto Alegre, Raphinha, de 22 anos, não esquece as raízes. Ao lado do pai, trabalha para lançar um projeto na cidade natal que tem como foco ajudar as crianças carentes. Já esteve do outro lado e passou por momentos de tristeza que, em entrevista exlcusiva à Goal, preferiu não entrar em detalhes. Reconhece, acima de tudo, a importância de esticar a mão para os jovens mais necessitados.

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Fez apenas nove jogos no Sporting e marcou dois gols, mas impressiona como já caiu nas graças da torcida...
Sinto-me muito abraçado pelos torcedores. Estou vivendo um momento um pouco complicado, porque nenhum jogador gosta de ficar parado [afastado por problemas musculares], mas ver a torcida pedindo por mim e desejando a minha melhora, tudo isso é muito especial.

Surpreso com tamanho carinho?
Tive dois bons meses, e por ser novo no clube, me surpreende um pouco. Lógico que trabalho para dar o meu máximo, mas confesso que estou surpreso com a forma como a torcida tem me tratado.

Aparenta ser uma pessoa muito tímida, mais fechada... Por quê?
Sempre fui uma pessoa mais na minha mesmo. Converso muito com os meus amigos, mas fora isso sou muito tímido, muito quieto, fico mais no meu canto. Mas dentro de campo é diferente...

Você vem de uma família estruturada, porém de origem humilde. Passou por muitas dificuldades?
Meus avós eram muito humildes, tiveram diversas dificuldades e problemas. Nós, então, também tivemos bastante dificuldades. Teve até um certo momento em que precisei abandonar o futebol, porque não tinha dinheiro para comprar a passagem [para ir treinar]. Graças a Deus os meus pais sempre foram presentes, sempre buscaram o melhor para os filhos. 

Chegou a ter problemas de indisciplina no começo da carreira?
Teve momentos em que sabia que estava treinando bem, jogando bem, mas havia uma certa implicância do treinador, o que, na verdade, é normal no futebol. Fiz sempre o meu melhor, com o objetivo de dar um passo a mais. O Audax foi o meu primeiro clube fora da minha cidade [Porto Alegre], foi quando deixei o aconchego dos meus pais [para morar em São Paulo]. Tive muita dificuldade para me adaptar, principalmente por causa da distância. Mas é normal. Você é jovem, a cabeça fica mais pesada, tem horas que dá vontade de desistir. Graças a Deus não aconteceu [de desistir].

Hoje, com a cabeça "menos pesada", procura fazer algo para, por exemplo, valorizar tudo o que passou?
Tenho muitos projetos. Tenho um projeto com o meu pai para ajudar as crianças carentes, fazer com que elas mudem de vida e encontrem uma outra realidade, principalmente no bairro onde nasci em Porto Alegre. Quero tirá-las do mundo das drogas, muitas delas têm os pais presos ou que são traficantes... O nosso objetivo é a mudança de foco. Quero um futuro melhor para elas. Tenho também um projeto para lançar uma marca de roupa.

Sempre teve essa preocupação e interesse com as questões sociais?
Vi muita coisa acontecer, alguns amigos meus de infância não estão mais vivos, outros estão envolvidos no tráfico de drogas... Tudo isso mexe muito comigo. Como não consegui ajudá-los na infância, penso então em ajudar as crianças de hoje.

Alguma história mais marcante?
É muito complicado falar. Vi e vivi muitas coisas, mas prefiro até nem tocar muito no assunto. Teve momentos bem difíceis...

Soube que o seu pai, além de contador, é pagodeiro. Canta bem?
Cantar? Cantar ele não canta não [risos]. Mas ele trabalha com música também, fica mais com a parte da percussão. O samba e o pagode fazem parte da nossa vida, escutamos sempre. É um gosto da família.

Por falar em família, o seu irmão mais novo, Bruno, também joga no futebol português - atualmente representa o Louletano, da terceira divisão. É bom de bola?
Tem futuro [risos]. É um jogador extraordinário. Comento bastante com o meu pai que, quando o meu irmão explodir, vai ser muito melhor que eu. É muito mais completo, mas joga como meia. Sempre fomos muito próximos, então vê-lo fazer sucesso aqui em Portugal passa a ser um objetivo meu também.

Como reagiu quando passou a ser agenciado pelo Deco, um nome de peso dentro do futebol internacional?
Foi um choque no começo, até porque o Deco foi um jogador reconhecido mundialmente. Quando soube que ele passaria a ser o meu empresário, aceitei na hora. É uma honra. Aceitei não apenas pelo jogador que ele foi, mas também pela pessoa que é. Hoje em dia posso dizer que temos uma amizade muito forte, ele me dá muitos conselhos. Busca sempre o melhor para os jogadores [representados pela D20 Sports].

Ele costuma a te dar muitos conselhos?
O conselho que o Deco me dá com frequência, e o meu pai também, é dar sempre o melhor em todos os treinos e jogos. Dar o melhor até sair esgotado, porque nunca sabemos quando pode ser a última oportunidade.

No fim de 2017, o Deco declarou que você seria um jogador de "alto nível". Passado um ano, já atingiu este nível?
Ainda não atingi aquilo que sei que posso atingir, mas acredito que estou no caminho certo. Sei do meu potencial, sei onde posso chegar. Espero fazer jus ao que o Deco disse.

Bruno Fernandes, que hoje é um dos principais jogadores do Sporting e da seleção portuguesa, é mesmo acima da média? Tem potencial para jogar num clube ainda maior?
Sem dúvida. É também uma pessoa muito próxima a mim, foi um dos que me acolheu muito bem aqui dentro... É espetacular, sempre me ajudando e conversando, ainda mais agora nesse momento complicado de lesão. Agora, como jogador, é extraordinário, é um dos melhores da liga portuguesa. Encaixaria em qualquer grande clube do mundo.

Raphinha Sporting 04 12 2018
Foto: Getty Images

Existe algum "craque" hoje no futebol português?
Um dos jogadores que admiro bastante é o Brahimi [do Porto], gosto muito de vê-lo jogar. Gosto também do Salvio e do Cervi [ambos do Benfica]. Agora, mudando um pouco da minha característica, tem o Soares [do Porto], é outro grande jogador.

Você e o Soares jogaram juntos no Vitória de Guimarães, são bem próximos...
É muito meu amigo. Temos uma relação muito próxima, muito boa, e nada mudou depois que ele foi para o Porto e eu vim para o Sporting. A gente está junto sempre que possível, conversamos bastante.

Infelizmente, em Portugal, muitos torcedores não entendem a amizade entre jogadores de clubes rivais...
A rivalidade é muito grande. Semanas atrás, por exemplo, postei no Instagram uma foto com Soares, e acabei por receber algumas mensagens com xingamentos, tudo isso porque coloquei a foto com um jogador do Porto. Acredito que a rivalidade precisa ser dentro de campo, cada um defendendo um lado. Se tiver que dar porrada, vamos dar porrada. Se tiver que sair sangrando, vamos sair sangrando. Agora, fora de campo, tenho os meus amigos, e isso não muda em nada. 

A pergunta não é se você é melhor ou pior, a pergunta é: você é mais completo que o Gelson Martins [ex-Sporting e atualmente no Atlético de Madrid]?
Sempre digo que o Gelson é um jogador que admiro muito, e também como pessoa, porque a gente conversava bastante quando havia jogos entre nós. Jogamos na mesma posição, mas não gosto de fazer comparações, se é pior ou melhor. Acho que, quando ele esteve aqui, ajudou muito o Sporting

Por que o Wendel [ex-Fluminense] só agora começou a ter espaço no Sporting?
O Wendel é um jogador de muita qualidade, acho que ninguém duvida disso. Ele estava precisando mesmo ganhar um pouco mais de confiança. Agora, com uma sequência de jogos, não vai decepcionar. 

Você foi contratado a pedido do Jorge Jesus, mas não teve a oportunidade de ser treinado por ele, visto que foi demitido antes do início da temporada...
Ele foi o treinador que me ligou, isso logo quando abriu a janela de transferências. Ter entrado em contato comigo me fortaleceu bastante. Saber que alguém te quer, isso para um jogador é algo muito especial. Disse que me queria no Sporting, que o projeto era bom, então tudo isso acabou por ser essencial na minha decisão de vir para o Sporting. Seria uma honra trabalhar com ele, mas infelizmente não aconteceu. Quem sabe um dia...

O Sporting estava vivendo um caos quando você chegou, com rescisão em massa de jogadores, saída de treinador e destituição de presidente. Temeu pelo próprio futuro? O clube chegou até a contratar um treinador [Sinisa Mihajlovic] que acabou demitido menos de dez dias depois...
Não, não, sempre me mantive confiante, até mesmo porque deixaram claro que o clube tinha um bom projeto para mim. Quando isso aconteceu [contratação e demissão de Sinisa Mihajlovic], eu já estava aqui treinando, já tinha feito os exames médicos. Estava confiante para ficar e demonstrar o meu potencial.

Quais as primeiras impressões do novo treinador Marcel Keizer?
É uma pessoa muito boa, procura sempre conversar com os jogadores, gosta de saber como eles estão se sentindo. Isso também é essencial para os resultados dentro de campo.

Keizer teve uma formação profissional no Ajax, onde há uma filosofia de apostar nos jovens da casa. O Sporting, que tem uma categoria de base de qualidade, é o clube ideal para o holandês fazer sucesso?
Sem dúvida. O Sporting tem grandes jogadores nas divisões de base, muitos deles às vezes treinam conosco. Noto facilmente que são jogadores de extrema qualidade. Agora, com um treinador conhecido por gostar de jovens, a nossa base se torna ainda mais importante. Já estive do lado desses jovens, já estive à espera de que o treinador apostasse em mim... Quando um jovem jogador tem qualidade, é preciso mesmo apostar nele. Dá resultado.

Por que acha que muitos treinadores têm medo de dar espaço para os jogadores mais novos?
É natural do futebol. Alguns treinadores, não digo que eles têm medo, mas têm receio de apostar nos mais jovens, principalmente por causa da cobrança e da responsabilidade.

Você é um jogador que assume e destaca as próprias qualidades ou prefere deixar isso para os outros?
Não gosto muito de fazer autocrítica, mas sei da qualidade que tenho, e venho demonstrado isso. Sei que posso conquistar muitos títulos coletivos e também individuais. Quem sabe um dia eu possa responder essa pergunta de outra forma [risos].
 

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