Brenner São Paulo Goiás Brasileirão 03 12 2020Rubens Chiri/saopaulofc.net

Por que todo jovem como Brenner quer sair? E o que poderia fazê-lo ficar?

Em um negócio que ajuda a explicar muita coisa do futebol brasileiro, Brenner, destaque de um São Paulo que brigou pelo título nacional, foi vendido ao FC Cincinnati, último colocado da Conferência Leste da MLS na última temporada. O jovem atacante não é o primeiro a fazer um movimento do tipo, mas transferências como essa despertam um sem número de discussões, algumas delas bastante úteis.

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Para começar, a conversa aqui não é exatamente sobre Brenner ou o São Paulo. Todo profissional, seja de que área for, tem o direito de escolher aonde quer trabalhar e o jogador não deve ser julgado por fazer a escolha de ir à MLS, independentemente do motivo. A questão é entender por que tanta gente talentosa tem optado por ir a mercados menos tradicionais em vez de ficar mais tempo no país e construir uma carreira mais sólida por aqui antes de dar um salto.

Uma busca rápida por Brenner + Cincinnati no Twitter vai trazer múltiplas explicações: a desorganização do futebol brasileiro é pouco atraente, somos a periferia do futebol, a economia pesa cada vez mais a favor de qualquer moeda estrangeira e a MLS é um mercado em ascensão que vai abrir portas para ele na Europa.

Vamos tentar ir por partes, a começar pela explicação mais recente. Por mais que insistam os fãs do campeonato, a MLS não está à frente do Brasil como mercado exportador de talentos. Segundo o último relatório de transferências da Fifa, divulgado em janeiro, nenhuma outra nacionalidade esteve envolvida em tantas transferências (saída ou chegada) quanto a nossa – são pouco mais de 2 mil transações, contra 899 argentinos e 817 britânicos.

Brenner, do São Paulo, comemora gol contra Fluminense no MaracanãRubens Chiri / saopaulofc.net(Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net)

Dessas, 820 jogadores saíram do Brasil para algum ponto do exterior, preferencialmente Portugal (274), o que deixa o país na segunda posição na lista de países que mais cedem atletas, só atrás da Inglaterra (867) - a MLS está fora desse top 10. O Brasil também está entre os países que mais receberam por transferências em 2020, com US$ 326,3 mi em sétimo lugar. De novo, os EUA não aparecem nesta lista. A MLS aparece, sim, entre os que mais gastam, com US$ 124,9 milhões, na décima posição, pouco atrás do Brasil, nono com US$ 126,9 mi.

Os dados dão pouca margem à dúvida. Embora claramente esteja crescendo e seja mais presente no mercado de transferências, emplacando jogadores de diferentes perfis nas principais ligas europeias, os EUA ainda não são um ambiente mais propício para atrair interesse que o futebol daqui. Podem vir a ser, mas ainda não o são.

O outro ponto dessa comparação é financeiro. Como outros mercados emergentes, os Estados Unidos pagam melhor e em uma moeda mais forte que o real. Essa é uma realidade inescapável, infelizmente, mas não dá para dizer que jogador de futebol ganha mal na elite do Brasil. O próprio São Paulo, de Brenner, paga a Daniel Alves um vencimento de nível europeu, e quase todo clube de ponta chega com facilidade a três dígitos de milhares de reais mesmo para jogadores de apoio do elenco.

A oferta financeira quase irrecusável está casada aos vários outros motivos para querer sair, já que o futebol no Brasil segue sendo muito duro com quem vive dele. O calendário é extenuante e mal pensado, a situação financeira de grande parte dos clubes é capenga, não há estabilidade para desenvolver trabalho e a cultura de ódio é tão grande que várias vezes descamba para a violência, vide o próprio São Paulo de Brenner.

Brenner São Paulo Goiás Brasileirão 07 11 2020Foto: Miguel Schincariol/São Paulo FC(Foto: Miguel Schincariol/São Paulo FC)

Como já foi dito, ninguém precisa de motivo, razoável ou não, para escolher onde quer trabalhar, e não se trata aqui de questionar decisões individuais. A questão é contextual. Embora sobrem motivos para sair, também é verdade que existem outros vários para ficar, e o debate muitas vezes passa ao largo deles.

O nível de jogo praticado no Brasil hoje está acima de mercados como Rússia, Ucrânia, China, e agora EUA, para citar os mercados emergentes que se tornaram destinos preferenciais de jovens promessas. Ficar também representa a possibilidade de construir algo além de uma carreira digna de save no Football Manager. Ser campeão de uma Libertadores, tirar seu time da fila em um Brasileiro ou mesmo levantar a Copa do Brasil podem fazer qualquer jogador transcender o status de promessa, marca a vida, te transforma em ídolo, te dá a vivência de estar em disputas que vão além da preocupação com a janela de transferências.

Sabe se lá o que significa para um santista ter vivido e vencido com Neymar? O que um flamenguista vai dizer de Gabigol daqui a 40 anos? Dá pra medir quanto carinho tem na relação entre o torcedor palmeirense e Gabriel Jesus?

“Ah, mas se der errado ele perde a chance da vida e acaba a carreira”. Olha, perdão pela dureza das coisas, mas nada indica que sair cedo do Brasil vai te dar uma carreira mais longeva. Ao contrário. O êxodo de adolescentes dos últimos anos até agora rende uma dupla promissora em Rodrygo e Vinicius Jr., um Paquetá errante e um Paulinho que mal entra em campo em Leverkusen, pra citar os mais caros dos últimos tempos.

E é aí que entra a qualidade do debate em casos assim. Quando Brenner é vendido ao FC Cincinnati, as explicações vão direto ao benefício financeiro ao São Paulo, à inevitabilidade da transferência, às possibilidades que ele tem na moderna MLS, chegam até na limitação técnica do jogador, que afinal “não é nenhum Ronaldo”.

É como se a única motivação de clube e jogador fosse o lucro financeiro, a construção de uma carreira que o faça chegar o mais perto possível da elite europeia. Como se ficar e ser campeão no São Paulo fosse uma opção pior que tentar a sorte na MLS, a despeito da quantidade de jogadores que fazem esse caminho e dão errado. Numa lógica de bolsa de valores, é vender caro um ativo que na verdade não vale tanto.

Quando passamos a tratar jogadores de futebol como papéis da Nasdaq? Falo da imprensa porque não estou no dia a dia de um clube e não posso medir o que dizem empresários, dirigentes e como isso chega no jogador em si. Pelo que se vê na mídia, é absolutamente natural que vencer no São Paulo (ou em qualquer outro grande clube brasileiro) seja a última opção de um jogador promissor.

Se o caminho é esse, não cabe se indignar quando sair a próxima pesquisa do Datafolha dizendo que não há mais tanto interesse em futebol ou, se há, ele é prioritariamente voltado para os clubes europeus. Não adianta chamar de geração Playstation uma turma que cresceu vendo seus clubes do coração sendo feito de rito de passagem. E esse problema não é só dos jogadores, dos empresários, é nosso. É de quem discute o futebol no dia a dia.

Como convencer o Brenner a ficar mais tempo no São Paulo, tentar ser campeão, se toda quarta e domingo nos animamos em falar o quanto Gabigol fracassou na Europa?

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