A gente fala tanto de futebol, o tempo todo, que acaba repetindo conceitos genéricos que ficam ali povoando o discurso, constando sem que digam alguma coisa de fato, como olhar para um time e dizer de forma negativa que ele depende de uma só estrela, ou que o futebol é hoje muito mais coletivo e estratégico do que voltado às individualidades, e outras dessas filosofias que agarramos como fundamentais, o esquema precisa potencializar o craque, coisas assim.
Fiquei pensando nisso enquanto as pessoas se apertavam para ver Messi contra a Austrália, mantendo sempre uma brecha para não privar os olhos de alcançarem a TV, correndo para pegar a cerveja na geladeira, segurando a ida ao banheiro, dispersos e atentos, e gol da Argentina, gol de quem?, Messi, Messi?, Messi, oras, gol de quem?, e vão se juntando, sorrindo, o replay vai contar que em algum momento a bola vai sobrar na perna esquerda para um tapa de Messi que sempre deixa o goleiro parecendo atrasado, e de novo, e de novo, e de novo.
Houve momentos de incerteza junto à seleção, e eles foram vários ao longo desses mil jogos da carreira do argentino, que saiu frustrado de partidas decisivas de tudo quanto é jeito, chegou a dizer que o time nacional não era para ele, teve tempo de parecer um estrangeiro com a camiseta de seu próprio país. Também veio a natural passagem do tempo, a ruína de seu grande Barcelona, uma esquisita chegada ao badalado, mas meio enfadonho, PSG, e no meio disso tudo finalmente um título com a albiceleste.
Desse caldo, aos 35 anos e anunciando ser a última (será?), Messi joga para fazer desta sua quinta Copa do Mundo a melhor de todas, por todos os cantos do campo, controlando o jogo à sua volta e sendo reverenciado pelas arquibancadas – e são poucas as seleções que têm arquibancadas, de fato, neste Mundial – como aquele que deve ser visto até o último suspiro. Contra a Austrália, ele foi o drible, o chute, o passe, a cadência, a respiração, a festa. E a Argentina só não fez goleada porque Lautaro lembrou um drama recorrente, quando a leveza de Messi, passeando no fim, não encontrou um goleador inspirado para correr para o abraço.
Getty ImagesDrummond escreveu que o difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols como Pelé, é fazer um gol como Pelé. Jogar bola por quase vinte anos e chegar às mil partidas não parece impossível, a façanha é conseguir fazer uma só, uma horinha e pouco perdida no Qatar, como se fosse Messi.
A Holanda chegou às oitavas de final sabendo que não tinha ainda encontrado seu melhor futebol na primeira fase, nem precisado, é verdade. Contra os Estados Unidos o time funcionou, e duas trocas de passes, uma delas memorável, garantiram certa tranquilidade. No ritmo de De Jong, que trata as escolhas do meio-campo com o carinho de pouquíssimos, e com a chegada de um Memphis mais inteiro, a laranja se mostrou forte. Jogaço contra a Argentina na sexta-feira, para mexer nas nossas lembranças mais nobres.
A França também ainda não precisou de um jogaço. Goleou a Austrália naturalmente, oscilou contra a Dinamarca, descansou contra a Tunísia. O mata-mata não permite vacilos e exige uma consistência um pedacinho acima, mesmo que essa não seja uma seleção que se importe tanto com isso. Se Griezmann e Mbappé estiverem minimamente num modo dos grandes dias, não dá para a Polônia.
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Getty ImagesDiferentemente de Inglaterra x Senegal, onde tem pinta de dar mais jogo, apesar do favoritismo inglês. Foi uma primeira fase estranha, quando o time atropelou na estreia e depois baixou o ritmo e perdeu o encanto já no segundo jogo, um zero a zero sem grandes emoções. Koulibaly é um dos grandes zagueiros da Copa, e Harry Kane é o único centroavante capaz de fazer um time jogar a partir dele. Bom jogo.
A seleção brasileira perdeu, e derrotas surpreendentes da seleção brasileira sempre serão derrotas surpreendentes da seleção brasileira, mas também não se pode perder o senso de relativizar um 0-1 nos acréscimos, com time reserva, classificação já garantida, num torneio de tiro ainda mais curto, colecionando lesões e seguindo o plano de todos os outros candidatos ao título que puderam também descansar seus principais jogadores – e alguns também perderam, claro.
Há um abalo moral que incomoda, sim, jogadores deixando a concentração lesionados, outros correndo contra o tempo para evitar improvisos, uma certa tensão no ar por não conseguir escalar com certeza o time considerado ideal, a sombra de mais uma eliminação traumática para a comissão técnica. Mas o Brasil, lembremos, tem alguns destaques da Copa do Mundo como Marquinhos, Thiago Silva, Casemiro e Vinicius Junior, e eles voltam diante da Coreia do Sul. Rodrygo a ponto de brilhar, Richarlison, Paquetá e Raphinha com totais condições de decidir num dia iluminado, Martinelli chegando para o segundo tempo. Não vai ser fácil, o favoritismo teórico soa menor que há um mês, mas há os caminhos para retomar um bom futebol e voltar ao Mundial.
