O PSG parecia, enfim, mostrar ao mundo uma prova de seu gigantismo quando goleou o Barcelona por 4 a 0 no jogo de ida das oitavas de final da Champions League em 2017. Poucos acreditavam que os catalães seriam capazes de reverter o placar na volta, mas em uma das partidas mais épicas dos últimos anos o Barça venceu por 6 a 1 no Camp Nou. Neymar foi o grande arquiteto e executor do feito, tendo participação direta em quatro dos seis tentos marcados pelo Barça – fez dois, deu uma assistência e sofreu um pênalti. Mas quem pegou para si o protagonismo do feito foi Messi.
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Os jornais do dia seguinte mostravam a foto do craque argentino sozinho, elevado nos braços da torcida, como se fosse mesmo uma divindade prestes a tocar os céus. Foi naquele momento que o mortal craque da camisa 11 percebeu que, por mais que encantasse e decidisse pelo Barcelona, não seria fácil ter ali o protagonismo que tanto desejava. Ou seja: o sonho de um dia ser eleito o melhor jogador do mundo seria algo impossível de se realizar enquanto ele fosse apenas o rosto jovial à sombra de Messi. Meses depois, o brasileiro aceitaria justamente a proposta do PSG, que pagou o valor recorde de 222 milhões de euros aos catalães. O clube francês estava cansado de não ser tão grande quanto queria... e Neymar também.
Em sua primeira entrevista como jogador do PSG, ainda em 2017, Neymar disse que deixar o Barcelona foi a “decisão mais difícil” que tomou na vida, mas justificou a escolha: “pela ambição que esse clube tem, que é parecida com a minha, de querer vencer, querer buscar algo maior”. Este algo maior para Neymar seria justamente ter para si o protagonismo para ser eleito melhor do mundo, enquanto para o Paris representava sua obsessão pelo troféu da Champions League. Juntos, eles poderiam conseguir os dois.
Polêmicas, percalços e imagem arranhada
Getty Images(Foto: Getty Images)
Mas a realidade mostrou-se muito mais difícil do que Neymar poderia imaginar. Logo em seus primeiros jogos, o novo camisa 10 do time se envolveu em polêmicas com Edinson Cavani, o grande ídolo da torcida e referência técnica do time até então. O brasileiro queria ser o responsável pelas bolas paradas, mas o uruguaio fazia valer a hierarquia existente antes.
Esta situação, que em certo ponto quase terminou em agressões físicas dentro do vestiário, culminou em um jogo que simbolizaria muito do clima entre Neymar e PSG em suas duas primeiras temporadas por lá: mesmo tendo marcado quatro vezes e dado duas assistências, o craque brasileiro deixou o campo vaiado pela sua torcida após o apito final de um 8 a 0 sobre o Dijon. Isso porque sua atuação de gala fora manchada pela negativa em deixar Cavani, então a um gol de se transformar no maior artilheiro da história do clube, bater um pênalti.
Eterno menino: a “síndrome de Peter Pan”
Getty(Foto: Getty Images)
Os títulos domésticos vieram, como era de se esperar em meio ao abismo do bilionário PSG para seus demais competidores na França, mas quando chegou a hora do mata-mata da Champions League, o momento para o qual Neymar havia sido contratado, ele não pôde ajudar tanto. Esteve em campo na derrota por 3 a 1 sofrida contra o Real Madrid, na Espanha, no jogo de ida das oitavas de final em 2018, mas não pôde ajudar o time na volta. Motivo? Uma lesão no quinto metatarso de seu pé direito e a necessidade de intervenção cirúrgica. Até mesmo a participação na Copa do Mundo daquele ano ficou ameaçada.
Neymar, contudo, conseguiu se recuperar pouco antes do início da Copa na Rússia. O saldo final, entretanto, não poderia ter sido pior. O camisa 10 fez dois gols e deu apenas uma assistência até a eliminação do Brasil, nas quartas de final, mas o pior foi ter virado piada mundial. A imagem de craque driblador e decisivo foi trocada pela de alguém mimado, birrento, que rolava na grama por grandes distâncias em reações exageradas após sofrer faltas. Pelos quatro cantos do planeta, as mais variadas pessoas – de crianças até idosos – postavam vídeos na internet, se unindo na zombaria direcionada ao meia-atacante.
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Como Neymar deu a resposta? Através de um texto superficial em uma ação de marketing que dobrou o peso das críticas sobre seus ombros. Jornalistas especializados reconheciam o grande futebol do camisa 10, mas criticavam suas atitudes. Se ter ficado debaixo da asa de seu pai/empresário costumeiramente era algo visto como negativo, esta sensação só aumentou naquele período. Com 28 anos completos, o jogador não se comportava como um adulto que já deveria estar vivendo seu auge esportivo – após sua temporada de estreia no PSG, sequer entrou na lista de 10 candidatos ao prêmio de melhor do mundo. O apelido “Menino Ney”, usado em seus primeiros anos no Santos, então retornou para tratar o craque de forma pejorativa.
Menino Ney e as polêmicas sem fim
A temporada 2018-19, a segunda de Neymar no Parque dos Príncipes, começava com duas novidades: a primeira delas, a saída do técnico espanhol Unai Emery, com quem o brasileiro teve também suas diferenças, para a chegada do alemão Thomas Tuchel, de perfil mais rigoroso; a segunda, o status com o qual o jovem Kylian Mbappé retornava ao time após ser um dos grandes destaques no título mundial conquistado pela França nos gramados russos. Neymar não era mais o protagonista absoluto do time.
Reprodução/Facebook(Foto: Reprodução/Facebook)
Dentro das quatro linhas, Neymar seguia entregando seu bom futebol e dava algumas mostras de evolução também em meio ao vestiário do PSG – ter se entendido com Edinson Cavani, para terem uma relação minimamente profissional, foi a maior delas. O brasileiro seguia driblando e marcando gols... e sofrendo uma nova lesão no quinto metatarso que lhe tiraria, outra vez, do mata-mata da Champions League em 2019. Sem poder entrar em campo, viu o PSG ser eliminado ao sofrer uma virada impressionante para o Manchester United, nas oitavas de final. E ainda conseguiu ser punido pela UEFA mesmo sem ter entrado em campo, uma vez que utilizou suas redes sociais para xingar o árbitro daquela partida.
Enquanto se recuperava da lesão no pé direito, Neymar apareceu curtindo o carnaval carioca em 2019, e quando conseguiu voltar a entrar em campo, fez um papelão ao ter socado o rosto de um torcedor do Rennes após derrota na final da Copa da França. Desta vez, nem mesmo Daniel Alves, seu amigo desde os tempos de Barcelona e “protetor” dentro do vestiário do PSG, o poupou.
Daily Mail(Imagens: Daily Mail)
"Não se pode instigar este tipo de coisa, tem que ter um pouco mais de controle, mas isso é só aprendizado que a vida vai te deixando, você tem que errar para melhorar”, afirmou o hoje jogador do São Paulo na época do incidente. “O Ney é um cara excepcional, e em certos momentos um pouco esquentado e tem reações deste tipo. Por mais que eu seja amigo, não podemos ser a favor deste tipo de coisa, mas acredito que ele aprendeu e que não volte a acontecer”, completou.
Ainda em 2019, Neymar conviveu com o que provavelmente foi o seu pior momento na vida pessoal. O craque já estava com a seleção brasileira, se preparando para a Copa América que seria realizada em seu país, quando surgiu a notícia de que estava sendo acusado de estupro – acusação negada pelo atleta, que sempre se disse inocente. Em agosto do mesmo ano, o Ministério Público de São Paulo pediu o arquivamento do caso por “falta de provas”. Uma lesão no tornozelo direito, em amistoso preparatório para a competição continental de seleções, impossibilitou Neymar, cortado, de levantar seu primeiro título com a seleção brasileira principal.
O pedido (negado) de divórcio com o PSG
GettyTorcedores do PSG e as faixas xingando Neymar no início d atemporada (Foto: Getty Images)
E foi na esteira de todos estes acontecimentos que Neymar se apresentou ao PSG para o início da atual temporada. Mas o brasileiro não pensava mais em um futuro no clube francês e não escondeu a vontade de retornar ao Barcelona – onde sempre manteve boas relações com as grandes figuras do elenco, como Messi, Suárez e Piqué. O Paris Saint-Germain, cujo presidente havia dado anteriormente o recado de que comportamentos como o de Neymar não seriam mais tolerados, se manteve firme e não negociou seu jogador mais caro.

O técnico Thomas Tuchel, que sempre manteve uma relação de extrema sinceridade com o brasileiro, não escondeu o descontentamento com um atraso de Neymar durante a pré-temporada. Foi quando percebeu que não conseguiria deixar o PSG que Neymar começou a dar os passos que o levaram ao momento que vive hoje: respirou, chamou a responsabilidade para si, parou de culpar os outros e indicou um passo à frente no caminho da maturidade.
“Deixo claro que não tenho nada contra os torcedores, nem nada contra a entidade Paris Saint-Germain, mas todo mundo sabe que eu queria sair sim, e deixei claro isso”, disse após vitória sobre o Strasbourg, no início da temporada, em que mesmo tendo marcado um golaço de bicicleta foi vaiado pela torcida do PSG.
“As pessoas presentes aqui sabem o que aconteceu e isso é uma página virada. Hoje sou jogador do PSG e prometo dar tudo em campo, cumprir o meu papel e ser feliz dentro de campo. Não preciso que gritem meu nome e nem que estejam ali por mim, e sim pelo PSG”, concluiu. Desta vez, o camisa 10 se manteve fiel ao discurso: as polêmicas diminuíram, as reações exageradas após receber as faltas também. As lesões continuaram e tiraram um pouco de seu tempo de jogo nesta campanha, mas com uma diferença importante: desta vez elas não aconteceram no período do mata-mata europeu.
'Adulto Ney' volta a se apaixonar pelo PSG
Getty Images(Foto: Getty Images)
Vivendo um grande momento em campo, ao lado de Kylian Mbappé, Neymar tomou para si o protagonismo na Champions League e foi decisivo para o PSG eliminar o Borussia Dortmund nas oitavas de final. O título francês foi sacramentado não em campo, uma vez que o torneio foi encerrado prematuramente em meio à pandemia da Covid-19, mas quando o futebol europeu voltou, o brasileiro ajudou o seu clube a conquistar a Copa da França e a Taça da Liga. O principal, contudo, ainda estava por vir.
Na Liga dos Campeões disputada em jogos únicos e sem torcida em Lisboa por causa dos procedimentos contra a Covid-19, Neymar foi o jogador mais influente do PSG na épica classificação sobre a Atalanta, nas quartas de final, e depois nos 3 a 0 sobre o RB Leipzig que levaram o PSG para sua primeira decisão de Champions. Os gols não vieram nestes duelos e finalizações erradas ficaram abaixo do esperado, mas foram duas assistências vitais. Mais importante, talvez, a postura de querer resolver todas as jogadas, ditando praticamente tudo o que acontecia em campo.
Neymar chamou para si a responsabilidade e virou líder de um vestiário que, após a divisão entre os brasileiros e os demais, enfim se uniu. Passou a dar a impressão de maturidade e viu esta sua atitude resultar em um novo apelido para selar o novo momento: “Adulto Ney”. E mesmo sendo adulto, Neymar mostra que é possível relaxar e fazer algumas coisas que ele fazia ainda mais jovem - e que não atrapalham ninguém.
Quando mexe com as redes sociais ao preparar o moicano e utilizar o “óculos juliet” acompanhado de uma caixa de som antes destes jogos decisivos de Champions League, o camisa 10 chama para si todo o peso, o holofote, e deixa os companheiros com menor carga de responsabilidade: é a união do que havia de melhor no menino com o que existe nesta sua versão mais madura.
(C)Getty Images(Foto: Getty Images)
A hora de separar os meninos dos homens, entretanto, será neste domingo (23). Contra o gigantesco Bayern de Munique, na final da Liga dos Campeões, às 16h, Neymar pode dar ao PSG o título e status que o clube sempre sonhou... para enfim transformar o protagonismo que tanto sonhava em ter, e já conseguiu, ser materializado em um prêmio de melhor jogador do mundo.
