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Despedida Julio Cesar Flamengo America-MG 21042018 Brasileirao Serie ABuda Mendes/Getty

Julio Cesar sem arrependimentos: 'Quando baterem na sua cara, dê o outro lado'

Mexe para o lado direto, mexe para o lado esquerdo, mexe mais um pouco para o lado direito, ajeita a coluna e tenta encontrar a melhor postura. Um Julio Cesar constantemente inquieto. Não porque estava incomodado com o rumo da entrevista. Pelo contrário. Assim como fez durante toda a longa e vitoriosa carreira, encarou de frente e respondeu todas as perguntas.

A "dança na cadeira", na verdade, é fruto de uma coluna castigada pelos 21 anos como profissional. Mas não há dor ou crítica que supere tudo o que o agora ex-goleiro já carregou de positivo nas costas: 34 títulos de expressão, idolatrias por onde passou, principalmente no Flamengo e na Inter de Milão, história na seleção brasileira e posto de "melhor goleiro do mundo".  

Aos 39 anos, Julio Cesar ainda procura se acostumar com o termo "ex-jogador". Um ex-jogador que, apesar de ter deixado o lado emocional falar mais alto em determinadas situações, tem orgulho de dizer que "sempre deu a cara a tapa" e, mesmo que pudesse voltar no tempo, "assinava um contrato para fazer tudo igual".

Já deu para se acostumar com a expressão "ex-jogador"?
É engraçado que muita gente ainda me associa como jogador, muita gente não sabe que eu parei [risos]. Às vezes até param e falam: "É o goleiro da seleção". Calma, não sou mais o goleiro da seleção. Já fui. Me chamam também de goleiro do Flamengo. Muitas pessoas falam: "Esse é o goleiro Julio Cesar", e eu logo aviso: "Ex-goleiro Julio Cesar, não sou mais goleiro". É uma coisa que, aos poucos, todos vão se acostumando, mas a verdade é que ainda tem muita gente que acha que estou jogando.

Julgo que você tenha escutado muito a frase "O Julio Cesar nunca foi campeão de uma Copa. Azar da Copa". Concorda um pouco com isso?
Olha, eu nunca ouvi isso... As pessoas sabem o quanto eu gostaria de ter ganhado uma Copa do Mundo, o quanto eu me entreguei durante a minha carreira para alcançar este feito. Foram três Copas, 2006, 2010 e 2014, mas infelizmente o Papai do Céu não me proporcionou a alegria de beijar aquela taça. Outros grandes jogadores também tiveram a oportunidade de ganhar uma Copa, e não ganharam, mas ao mesmo tempo não deixaram de escrever os seus nomes na história do futebol. Acredito que comigo não tenha sido diferente. Nem nos meus melhores sonhos poderia sonhar com tudo aquilo que aconteceu comigo. Foram 21 anos de carreira, 34 títulos, então... Se você lá atrás me desse um contrato dizendo que a minha carreira seria exatamente dessa forma, com esses títulos, assinaria tranquilamente [risos].

Sem nenhuma cláusula?
Ah, uma clausulazinha, de repente, poderia ser a Copa do Mundo [risos]. Mas, mesmo sem ela, assinaria tranquilamente. O futebol me deu muito mais do que eu esperava, e não digo nem na parte financeira, falo da parte profissional, da parte das conquistas. O ápice para um jogador de futebol são as conquistas, né? É quando você adquire prestígio, é quando você pode renegociar um contrato. O título é o selo, é o carimbo mais importante na carreira de um atleta.

Falta alguma pergunta específica ou algo que talvez queira responder de forma diferente sobre o histórico 7 a 1 diante da Alemanha?
As perguntas são sempre as mesmas: "O que aconteceu naquele jogo"?

Te incomoda?
Não, não incomoda. Tenho que conviver com isso. Participei diretamente daquele jogo, era o goleiro da seleção brasileira. Mas acho que não tem outra pergunta relacionada a este espisódio que não tenha sido feita. Tem a pergunta padrão, mas as outras também foram respondidas tranquilamente.

Você tem um lado emotivo muito forte. Isso mais te ajudou ou mais prejudicou, na vida e na carreira também?
Nunca deixei de ser quem eu sou, sempre fui o mais transparente possível. Errei com algumas pessoas? Posso ter errado. Errei com alguns companheiros? Posso ter errado também. Ninguém é perfeito. Mas nunca teve sacanagem, nunca teve trairagem. Minhas decisões sempre foram tomadas pensando no melhor para o grupo, talvez no melhor para um determinado companheiro... Sempre fui eu mesmo. O Julio Cesar da vida profissional também é o mesmo Julio Cesar dentro de casa. Isso, claro, emocionalmente falando. Aprendi que ao longo desses anos o meu lado emocional me prejudicou algumas vezes, sim, mas também me ajudou bastante. Agora, se colocar dois pesos e duas medidas, colocar numa balança, devido a algumas decisões na minha vida fora do futebol, sofri muitos tombos, justamente por colocar a emoção a frente da razão. Os tombos que levei fora do trabalho fizeram de mim um Julio Cesar melhor, um pouco mais maduro, um pouco mais racional, um pouco mais consciente. Os tombos servem para isso, para te fortalecer. Respondendo diretamente a pergunta, profissionalmente falando, o lado emocional me prejudicou, mas também ajudou. Agora, pessoalmente, me prejudicou bem mais [risos]. Muitas decisões que eu tomei no passado, isso na minha vida particular, vejo que deveria ter colocado o lado racional em primeiro lugar.

Não precisamos ter intimidade para notar que você aparenta ter muito mais amigos do que inimigos. Aliás, até acho que nem tenha inimigos...
É, inimigo... Inimigo é uma palavra muito forte. Sinceramente, acredito que não tenha inimigos. Mas, obviamente, também não tenho muitos amigos.

Não tem muitos amigos, é sério?
Porque amizade, hoje... Eu, na minha cabeça, tinha muitos amigos. Na minha cabeça, na verdade, achava que tinha vários amigos [risos]. Mas, na medida que você cresce e passa por experiências na vida, consegue lapidar uma série de situações, e passado um tempo acaba por pensar: "Pô, achava que aquele cara era meu amigo. No fim, não é". Hoje eu tenho um grupo de amigos bem seletivo. Não estou fechado a novas amizades, mas, hoje, por tudo o que aconteceu ao longo da minha vida, para me tornar amigo de alguém, preciso ponderar muitas coisas. Tenho, sim, alguns amigos, amigos fiéis, e sei que posso contar com eles para tudo. Os meus amigos verdadeiros, aqueles que confidencio coisas minhas, consigo contar com uma mão. 

Chegou a ter alguma grande decepção no futebol?
Cara, acho que não. Graças a Deus, sempre tive um bom relacionamento com os meus companheiros. Sempre fui muito parceiro, sempre fui muito amigo. Se tive, sinceramente não lembro. Não gosto de falar muito de mim, mas, se eu brigar com você agora, cinco minutos depois vou querer fazer as pazes. Não sou orgulhoso. Já tive problema com alguns jogadores, é verdade, mas resolvia tudo naquele exato momento, e digo isso mesmo quando estava certo. Aprendi uma coisa com a minha mãe, que sempre me disse: "Meu filho, quando baterem na sua a cara, dê o outro lado. Se fizer isso, você vai ser sempre feliz. Nunca vai ter problema na sua vida". Sempre coloquei isso em prática. Quando eu sentia que uma pessoa não havia sido bacana comigo, eu procurava trazer ela para o meu lado. Essa pessoa, então, mudava a ideia que tinha em relação a mim. 

No seu auge, nas grandes temporadas na Inter de Milão, você se sentia praticamente "imbatível"?
Olha, não vou dizer "imbatível", até porque a minha posição exige a perfeição, e a perfeição ninguém atinge. Mas me sentia realmente "muito grande", sem dúvida. O gol ficava pequeno. Tinha jogo que, quando entrava em campo, sabia que a minha participação seria muito boa. Acho que todo jogador passa por isso, por essa fase de auge, e de altos e baixos também, então é preciso aproveitar ao máximo. Eu, felizmente, aproveitei bem. Foram sete anos na Inter de Milão, 14 títulos, o que dá uma média de dois títulos por ano. Foi o momento em que o futebol me apresentou ao mundo. A Liga dos Campeões, por exemplo, tem um impacto muito grande, e foi um momento também em que muitas vozes apontavam o Julio Cesar como melhor goleiro do mundo. É muito bacana vivenciar isso. Sem hiprocrisia alguma, isso faz muito bem para o nosso ego, para a nossa vaidade. Pô, um garoto que sai de Duque de Caxias, da Baixada Fluminense, do Rio de Janeiro, e conquista o que eu conquistei... É um motivo de muito orgulho, para mim e para a minha família inteira. 

Você, nos últimos anos, sente que foi o prazer de jogar que te manteve na ativa? Digo isso porque fisicamente já não estava bem...
A partir do momento que decidi vir para o Benfica, foi porque já havia um namoro antigo. Depois da fatídica Copa do Mundo no Brasil, eu tinha resolvido parar de jogar. Mais uma vez o meu lado emocional superou o lado racional. Um amigo chegou e disse que eu deveria tirar essa ideia da cabeça, que tinha de continuar jogando, e ressaltou que a minha história era linda. Concordei, mas só concordei se fosse para jogar no Benfica. Meu amigo, então, entrou em contato com o Benfica. O presidente [Luís Filipe Vieira] prontamente me disse para pegar um avião e vir para Lisboa. Cheguei e logo assinei contrato. O Benfica me estendeu a mão e me deu a oportunidade de jogar por prazer. Serei eternamente grato ao Benfica, porque o clube ajudou a tirar da minha cabeça uma ideia que estava fixa, que era parar de jogar em 2014. No Benfica, encontrei novos amigos, novos parceiros de trabalho, vi de perto um clube gigante, onde pude ganhar oito títulos. Era muito prazeroso representar o Benfica. Mas, aí, comecei a sentir algumas situações físicas, com a minha coluna, que, infelizmente, passou a não colaborar mais.

Quando, de fato, notou que não tinha mais condições?
Na verdade, na minha última temporada. Joguei em 2014/15, já em 15/16 acabei sofrendo uma lesão no final do campeonato, o Ederson entrou e, por sinal, foi muito bem, foi ali que ele apareceu de vez. Fiquei na reserva do Ed um ano. O Benfica optou em apostar nele, visto que era um jovem promissor, e fez muito bem. Pouco tempo depois ele foi vendido por uma cifra bem bacana, o que foi importante para o clube. No meu penúltimo ano [de Benfica], eu estava no banco, mas sempre respeitando a decisão do treinador, e curtindo também. Quando o Ed foi vendido, resolvi jogar as minhas últimas cartas, cuidar bem da coluna para poder jogar o ano todo e, quem sabe, pendurar as luvas. Mas não foi isso o que aconteceu, passei por uma série de indisponibilidades por causa da coluna, então aí surgiu a dúvida do clube: "Será que vamos conseguir contar com o Julio?". Acabei também perdendo um pouco do tesão, porque não queria ficar mais naquela de viajar para cima e para baixo e não jogar. Optei pela rescisão, o que para o Benfica seria melhor, e para mim também, porque não estava conseguindo mais me dedicar nos treinos como sempre me dediquei durante toda a minha carreira. Não estava mais somando, já estava prejudicando.

É correto dizer que jogou "no sacrifício" nos últimos meses?
Foi [no sacrifício], cara. E vou falar mais... Depois que deixei o Benfica, na minha cabeça, e vários amigos também disseram isso, eu não deveria encerrar a carreira com uma rescisão contratual. Surgiu, então, o Flamengo. Eu mesmo peguei o telefone e liguei para o clube, expliquei o meu projeto de encerrar a carreira após o Campeonato Carioca. O Rodrigo Caetano [diretor de futebol], pô, foi super bacana comigo, a direção toda do Flamengo. Me deram a oportunidade de viver um Flamengo que eu não tinha vivido lá atrás. Encontrei um novo Flamengo, uma situação completamente diferente, tudo muito profissional, já não era mais aquela coisa amadora. Ali também já estava no sacrifício pra caramba, já ia treinar com medicamento em cima de medicamento, não estava aguentando mais. A ideia era parar logo após o Carioca, acabamos não conquistando o título, mas consegui planejar uma última partida, diante do América Mineiro, no Maracanã. Graças a Deus, deu tudo certo, joguei bem, o Flamengo ganhou, a torcida ficou feliz. O meu final de carreira foi mesmo no sacrifício. Teve vez, aliás, que eu nem ia treinar no campo, isso porque a coluna não deixava.

Soube que você, no Benfica, tinha todo um cuidado especial até mesmo para viajar de ônibus...
Sim, sim... Agora, por exemplo, estamos conversando, mas pode perceber que estou me movimentando a todo instante, a postura é realmente complicada. Não sei se tudo isso foi devido ao meu trabalho, enfim... Tinha vezes, quando estava em crise, que eu não viajava com o grupo, viajava separadamente, numa situação mais confortável, sempre tentando preservar ao máximo a minha coluna. Encontrei profissionais no Benfica que foram excelentes. Se eu consegui chegar até os 38 anos jogando em alto nível, digamos assim, foi porque encontrei uma equipe médica e técnica, e digo também no Flamengo, que foi campeã. Tiveram todo um cuidado comigo. Se não fosse por eles, talvez eu tivesse pendurado as luvas antes.

Você, ao longo da carreira, "carregou nas costas" muitas críticas individuais e também coletivas. Acredita que tudo isso que absorveu veio a agravar, coincidentemente, o problema na coluna?
Olha, depende do ponto de vista de cada um. Tem gente que acredita nesse tipo de coisa... É, pode ser. Sou um cara que realmente se cobra muito e assume muitas coisas, de repente sem a necessidade de assumir, de repente pelo meu lado humano, lado parceiro, lado amigo. Mas não me arrependo de nada, sabe? Acredito que o fato de ter assumido uma posição, principalmente nas horas mais complicadas, me fez ganhar muitos admiradores no mundo do futebol. Penso que olham para mim assim: "Pô, esse cara nunca correu de nenhum tipo de crítica, esse cara sempre enfrentou tudo de frente, sempre deu a cara a tapa". Não me arrependo de nada e faria tudo outra vez. No fundo, acho que as dores na coluna são porque pulei muito mesmo [risos]. Foi muito trabalho de cordinha, isso desde os nove anos. É complicado, muitos goleiros sofrem com esse problema, só que o meu problema é um pouquinho mais complicado.

Por que o Flamengo tem sido tão inconstante?
Por que falam tanto do Flamengo? Não é porque sou Flamengo, é porque o Flamengo é muito grande. A torcida cobra garrar, cobra isso, cobra aquilo, mas isso tudo não falta ao time. É claro que, num torneio de 38 jogos, uma hora você vai deslizar. Não é só Flamengo que desliza. O Flamengo empatou com o Vasco, então um monte de gente começou a falar besteira, mas aí o Internacional perde diante da Chapecoense, o São Paulo empata, dois dos times que estão diretamente brigando pelo título. Não vejo esse reboliço todo, essa coisa toda. Basta o Flamengo tropeçar um pouquinho que... Aí eu já não sei se tem dedo de oposição, que talvez ajude a fortalecer isso na mídia. Eu, sinceramente, não sei. Ainda faltam muitos jogos, faltam muitos pontos para conquistar. Deus queira que o Flamengo ganhe esse Brasileirão, porque quero ver o que essas pessoas vão dizer. Entendeu? Jogar pedra é fácil, tem um monte de gente que joga. Mas é preciso respeitar todo um trabalho que vem sendo feito. O futebol, infelizmente, é resultado. 

Acredita que o Flamengo conquiste um título até o fim do ano?
Às vezes você vê um clube que faz as coisas certas, mas que não obtém o resultado. Às vezes tem clube que faz as coisas completamente erradas, mas que chega no fim e acaba como campeão. O que você diz para o torcedor? O torcedor tem todo o direito de cobrar, de ficar insatisfeito, de xingar.... O futebol é paixão, e os jogadores têm de saber lidar com isso também, precisam entender o lado do torcedor. Mas às vezes existem situações que são exageradas. Aí, volto a dizer, não sei se é porque vivemos um ano político, não sei se são coisas de paus mandados. Já vivi períodos no Flamengo, vivi muitos períodos, aliás, de vacas magras e brigava para não ser rebaixado. A gente chegava no aeroporto e encontrava meia dúzia de gato pingado que se dizia Flamengo, mas que não era Flamengo porcaria nenhuma, estava lá para fazer tumulto mesmo, de repente porque a oposição fortalecia aquilo. Tem muita coisa de bastidor do Flamengo que a gente conhece, a verdade é essa. O Flamengo, hoje, tem uma grande equipe, tem elenco capacitado para ganhar a Copa do Brasil e também o Brasileirão. Ainda é muito cedo para ficar batendo.

Consegue separar o torcedor Julio Cesar do agora ex-goleiro Julio Cesar?
Consigo [risos].

O torcedor Julio Cesar confia no trabalho do Maurício Barbieri?
Confio. Eu, aliás, que ajudei a promovê-lo como treinador.

Ajudou como?
Conversando com o presidente, com o vice-presidente. No Brasil, infelizmente, o imediatismo é enorme. É complicado, é diferente da Europa. Estou acostumado ao que acontece aqui fora, foram 14 anos jogando na Europa. Aqui fora o clube respeita o projeto do treinador, respeita a filosofia de trabalho. Às vezes o clube não precisa daquele resultado imediato, enquanto no Brasil é diferente, tudo precisa ser muito imediato. Ele tem um futuro brilhante pela frente, é um cara que sabe lidar com o jogador, fala a linguagem do jogador, o jogador consegue entender o que ele passa. É inteligente, é jovem... Vejo que o Brasil está precisando de treinadores jovens, capacitados e com filosofia de trabalho nova. Eu manteria, não cederia à pressão. Às vezes você pode colocar outro lá que acaba perdendo dois jogos na sequência, e logo vão querer mudar também. É preciso mudar essa cultura no Brasil, essa cultura de imediatismo. É preciso implantar uma cultura mais paciente. É complicado, eu sei [risos].

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