Dizem que a primeira vez é inesquecível.
No futebol, o primeiro gol de um jogador por uma equipe nova também é. No caso de Ronaldo, o Fenômeno, foi uma sensação repetida oito vezes: por Cruzeiro, Seleção, PSV, Barcelona, Internazionale, Real Madrid e Milan. Mas o seu último primeiro tento, no Corinthians, foi o mais emblemático de todos.
Há exatamente uma década, aos 32 anos e claramente acima do peso, Ronaldo balançou pela primeira vez as redes com a camisa corintiana - a última que vestiu profissionalmente. E se a sua estreia pelo Barcelona, em 1996, ficou marcada por dois gols sobre o Atlético de Madrid, um rival, a cabeçada mais famosa do estádio de Presidente Prudente ganhou uma simbologia maior por vários motivos. O principal deles: o adversário era o Palmeiras, um arquirrival.
Em primeiro lugar, é preciso fazer aqui uma contextualização. Meses antes daquele gol histórico, Ronaldo recuperava-se de uma nova lesão grave no joelho e não jogava profissionalmente fazia dez meses, quando ainda defendia o Milan. A escolha pelo Corinthians, concretizada em dezembro de 2008, surpreendeu por duas razões: o atacante, flamenguista desde criança, vinha treinando pelo Rubro-Negro e, além disso, o Corinthians acabava de retornar à primeira divisão naquele fim de ano.
Ag.Corinthians/Divulgação(Foto: Ag.Corinthians/Divulgação)
A sua chegada mexeu com as estruturas do marketing no futebol brasileiro. Com salário de R$ 400 mil, algo pouco comum na época, R9 também teria participação em praticamente todos os patrocínios na camisa do Timão. Não demorou para aparecerem marcas dispostas a darem o valor que o clube queria, mas ainda era preciso responder em campo. E a primeira impressão de Ronaldo pela equipe então comandada por Mano Menezes foi apenas regular. Saindo do banco de reservas, o atacante não impressionou. O time já vencia o Itumbiara por 2 a 0 e seguiu assim. As críticas pela forma física dominavam as discussões e ironias.
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Quatro dias depois, viria o principal teste. Derby contra o Palmeiras, que defendia o título estadual enquanto seus torcedores ainda tiravam uma onda pelo rebaixamento corintiano de 2007. O estádio ‘Prudentão’ estava lotado, com mais de 40 mil ingressos vendidos para aquele domingo de forte calor (cerca de 35ºC). Mais uma vez, Ronaldo começou no banco de reservas. O titular ainda era Souza.
‘Freela’ de auxiliar técnico
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Uma das imagens mais emblemáticas de Ronaldo no primeiro tempo foram as instruções constantes que ele, inquieto no banco, passava para os jogadores. Inclusive chegou a dar toalhas molhadas para os companheiros de equipe na pausa dada por conta da alta temperatura.
Bola na trave e gol!
(Foto: Ag.Corinthians/Divulgação)
Se o primeiro tempo ficou marcado pelo pragmatismo de ambos os lados, no segundo tempo tudo ficou aberto depois que Diego Souza abriu o placar para o Palmeiras – aproveitando falha do goleiro Felipe e ainda driblando o guardião antes de arrematar. Para dar movimentação maior à sua equipe, Mano Menezes tirou Souza e pôs Dentinho.
Foi por volta dos 15 minutos que Ronaldo entrou, para a alegria dos corintianos que lotavam as arquibancadas. A cada tentativa do camisa 9, os corintianos passavam o seu apoio. Aos 33’, o “Uhhhh!” soou quando o carioca de Bento Ribeiro acertou a quina da trave defendida por Bruno. Dez minutos depois, participou da jogada que terminou em escanteio. Com o encontro nos acréscimos, seria a última oportunidade do Alvinegro.
Douglas foi para a batida e, de cabeça, algo raro ao longo de sua carreira, Ronaldo garantiu o empate com gosto de vitória. A comemoração também entrou para a história: alucinado, R9 correu e subiu no alambrado, que não resistiu também à euforia corintiana e acabou cedendo. Até mesmo parte da torcida alviverde chegou a aplaudir, muito mais em homenagem ao ídolo da Seleção do que por outro motivo. Ninguém esperava que aquele jogador com uma silhueta nada atlética poderia decidir, especialmente em um Derby. Mas Ronaldo nasceu para surpreender.
Polêmica com ex-clube na comemoração
Reprodução YouTube(Foto: Reprodução)
Cercado de policiais após o apito final, Ronaldo fez questão de falar com a imprensa: “Estou feliz demais em voltar a jogar. Não tenho medo de arriscar. Quando precisar chutar, vou chutar. Não importa que foi em uma jogada de bola parada. Importa que foi gol. Eu agradeço à torcida, do Corinthians claro, e também do Palmeiras. Ouvi muita coisa, que estou gordo, que não sei o quê. Modéstia à parte, se eu não soubesse fazer isso [decidir em campo] eu não teria chegado até aqui”, afirmou.
Pouco depois, em entrevista ao Domingão do Faustão, Ronaldo brincou que era magro na época em que ainda era um menino do Cruzeiro porque “passava fome”. A declaração não caiu nada bem no clube mineiro, que respondeu lembrando das últimas polêmicas extracampo envolvendo o jogador.
Tendência de comportamento e repercussão de novela
(Foto: Ag.Corinthians/Divulgação)
A repercussão na imprensa durou dias. Inclusive com a revista ‘Men’s Health’ divulgando a dieta de Ronaldo. Na TV, o gol anotado contra o Palmeiras treinado por Vanderlei Luxemburgo rendeu audiência de horário nobre: “a Globo subiu 18% no minuto em que Ronaldo fez seu primeiro gol pelo Corinthians, anteontem. A emissora, que marcava 27,9 pontos, saltou para 32,9. No minuto seguinte, cravou 33,8. Essa audiência é próxima da que vem registrando a novela das oito”, disse matéria do Observatório da Imprensa dias depois.
Saindo da inércia
Já aposentado, R9 entrega a taça de campeão brasileiro de 2015 (Foto: Getty Images)
Mais importante, aquele gol acabou por simbolizar uma nova era para o Corinthians. Ainda naquele 2009, Ronaldo seria protagonista no título estadual e também da Copa do Brasil. O atacante anunciou sua aposentadoria no início de 2011, após a eliminação para o Tolima na pré-Libertadores, mas também fez a sua parte ao deixar o legado na marca de um clube que passaria a colecionar os seus maiores títulos logo depois. Desde então, o Timão somou três títulos brasileiros, além do Mundial e da tão sonhada Libertadores. Fazendo uso da licença poética, não é absurdo dizer que o caminho para estas vitórias tenha começado com aquele gol catártico acontecido há dez anos.


