Um dos episódios mais polêmicos do futebol sul-americano completa 30 anos nesta terça-feira (03) e Roberto Rojas, goleiro do Chile em 1989, foi o centro do escândalo. O arqueiro que ficou conhecido como o anti-herói chileno simulou, na época, que tinha sido atingido por um sinalizador durante as eliminatórias à Copa do Mundo de 1990.
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Com um currículo polêmico ao longo da carreira profissional no qual envolve falsa identidade para atuar em competições fora da faixa etária e uso de testosterona comprovado em 1984, Rojas chegou ao extremo diante da seleção brasileira, no Estádio do Maracanã.
Na ocasião, Brasil e Chile entraram em campo para disputar vaga à Copa de 1990. Mas o que parecia ser uma partida convencional de classificação ao mundial tomou proporções alarmantes aos 23 minutos da etapa final. Após a torcedora brasileira Rosenery Melo acionar o sinalizar nada mais naquela partida seria um jogo de futebol.
Rojas teve boas atuações durante o primeiro tempo, fez boas defesas e não deixou que o Brasil aumentasse o placar. Porém, logo após um tiro de meta cobrado por Taffarel, goleiro do Brasil na época, foi possível observar um clarão que partiu das arquibancadas ao gol do chileno, e, Rojas logo caiu no chão.
Os minutos seguintes foram um caos puro. Quando a fumaça se dissipou e Rojas emergiu da multidão de jogadores, seu rosto estava coberto de sangue. Naquela ocasião, o goleiro alegou que a explosão causou o ferimento e deixou o campo rumo ao vestiário onde por três horas preparava um protesto oficial para a Fifa e a Conmebol.
As esperanças chilenas de que o incidente pudesse anular o resultado, no entanto, durou pouco tempo. Graças às imagens capturadas pelo fotógrafo argentino Ricardo Alfieri, logo foi descoberto que o sinalizador tocou o chão sem atingir ninguém, muito menos Rojas.
Alfieri que naquele momento tinha quase 20 anos de experiência como fotógrafo da revista El Gráfico, trabalhava no jogo para uma veículo japonês. Em entrevista recente à Goal, o Hermano relembrou o episódio que marcou a carreira profissional.
“Tirei uma sequência de 14 ou 15 fotos do sinalizador caindo, porque o sinalizador caiu no chão e levantou uma nuvem de fumaça”, e seguiu.

(Foto: Getty/Goal)
“Rojas caiu no meio da fumaça e depois a próxima foto que eu tenho de Rojas, ele estava coberto de sangue. Tive a impressão de que não o atingiu, mas havia uma contradição: não o atingiu, porém o cara estava sangrando. Não fazia sentido... Em 1989, não dava para imaginar que um jogador profissional poderia jogar uma partida com uma lâmina escondida na luva!”, disse.
Enquanto jornalistas assediavam o camarim do Chile na tentativa de obter a verdade, logo escapou a notícia de que entre as centenas de câmeras no estádio, Alfieri era a única pessoa que tinha capturado o exato momento em que o sinalizador atingiu o chão e não Rojas. Com isso, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) da época, Ricardo Teixeira, correndo o risco de ver a seleção brasileira eliminada da Copa do Mundo, seguiu a procura de Alfieri.
"Eu estava sentado no estádio e três caras foram enviados para me pegar, pareciam três jogadores de basquete com cerca de dois metros de altura. Eles eram três seguranças e eu estava sendo procurado em todo o Maracanã. Eu pude ver que estava em uma verdadeira bagunça, imaginei que mais imagens seriam exibidas”.
“Subi e contei minha história, o que realmente aconteceu para ver a realidade que tínhamos para desenvolver as fotos. Eles me perguntaram se eu poderia entregá-los e eu só queria voltar para Buenos Aires, pude ver que estava em uma bagunça que não era de minha autoria. Eles conseguiram permissão para revelar as fotos em uma editora, nós fomos lá e havia a foto do sinalizador”.

(Foto: N/A)
"Até o momento em que a foto foi revelada, o Chile estava indo para a Copa do Mundo, o Brasil seria eliminado", ressaltou.
Em dezembro de 1989, um comitê disciplinar da Fifa puniu Rojas e outros funcionários do Chile. A própria seleção chilena também foi proibida de participar da fase eliminatória para Copa do Mundo em 1994.
Somente em 1990, no entanto, o goleiro finalmente revelou a verdade sobre o ocorrido: "Me cortei com uma navalha e a farsa foi descoberta", explicou em entrevista à La Tercera, que publicou a matéria na primeira página com o título 'Sou culpado!'. A reportagem ainda revelou como Rojas conseguiu entrar com uma navalha em campo, o que só foi possível graças a ajuda de Alejandro Koch, pisioterapeuta da seleção, que também recebeu punição.
Em defesa, Rojas afirmou: “Foi um corte na minha dignidade. Tive problemas em casa com minha esposa, meus companheiros de equipe me deram as costas... mas se eu fosse argentino, uruguaio ou brasileiro, não seria suspenso”.
Rojas acrescentou em entrevista posterior ao Mas Vale Tarde: “[Eu fiz isso] por paixão, para o Chile ter uma chance, porque o Chile estava sendo prejudicado na época. Tivemos problemas nas últimas eliminatórias. E quando alguém comete esse tipo de erro, ele quer a chance de se redimir, mas eu não tive isso”.
O escândalo, incrivelmente, não afetou a fama de Rojas no Brasil. Em 1994, o chileno foi contratado pelo São Paulo para atuar como preparador de goleiros do clube, onde treinou Rogério Ceni, ainda em início de carreira. Ambos trabalharam juntos por quase uma década, quando Ceni se tornou ídolo tricolor, entre outras conquistas que estabeleceram o recorde de maior goleiro artilheiro da história do futebol. Feito no qual Rogério chegou a atribuir em partes ao chileno.
“Lembro que ele sempre insistiu que eu não deveria apenas me contentar em defender a bola. Eu tive que trabalhar muito com os pés”, lembrou Ceni em entrevista ao La Tercera, onde comentou brevemente a convivência com Rojas: “Joguei mais de 400 jogos com ele. Ele era uma pessoa que teve enorme influência no meu desenvolvimento”.
Por fim, Alfieri revelou em bate-papo à Goal ter tido “pena” do ex-goleiro: “Senti pena de Rojas com a suspensão, porque ele era um tremendo goleiro, um ótimo goleiro. Ele era um jogador fantástico e, por causa de uma foto, foi suspenso. Mas tudo o que fiz foi cumprir minha missão jornalística e como fotógrafo. Felizmente para mim e infelizmente para o Chile, pude tirar essa foto. Caso contrário, o Brasil não teria ido à Copa do Mundo e o Chile teria ido no lugar".
Um goleiro disposto a quebrar todas as regras para ajudar o país a alcançar vaga à Copa do Mundo; Um fotógrafo pronto para registrar, revelar a verdade e salvar as esperanças do Brasil rumo a um Mundial; um escândalo que atingiu duas nações e um continente inteiro: nem mesmo um filme de Hollywood poderia repetir a incrível história que ocorreu no Maracanã em 03 de setembro de 1989.
A proibição vitalícia de Rojas foi revogada em 2000 em uma anistia da Fifa. Agora, o ex-jogador é um dos comentaristas de televisão mais respeitados do Chile.
