"Os times que ficaram na história são os que emocionaram... o futebol tem que emocionar as pessoas", essa frase é de Paulo Roberto Falcão, um dos maiores meio-campistas da história, talentoso, elegante, e hoje treinador. Foi desta forma, emocionando as pessoas, que ele conduziu sua carreira dentro ou à beira do campo e não à toa se tornou rei (de Roma) e faz parte de uma das maiores seleções de todos os tempos.
Aos 66 anos de idade, Falcão tem aproveitado esta paralisação por conta da pandemia do coronavírus para algumas reflexões sobre o momento vivido no país.
"Se pensa muito nesses momentos, mas é um pensar que não se chega muito a lugar nenhum, as coisas estão muito indefinidas. A gestão de Estado, de cidade, você se arrepia, você não vê algo que diga, olha esse aqui dá para acreditar. Isso me parece um problema geral aqui no Brasil, de gestão, de gestão geral".
Para tentar "driblar" os problemas, Falcão busca o esporte para se emocionar, seja o futebol ou o tênis, modalidade da qual é super fã. Em bate-papo exclusivo com o Brasil Global Tour ele fala sobre as diferenças de ganhar e entrar para a história, o momento do futebol brasileiro, o Flamengo de Jorge Jesus entre outros assuntos.
ESPORTE TEM QUE EMOCIONAR
"O primeiro ponto, claro, é ganhar, o segundo é ganhar jogando bem e o terceiro é emocionar porque você fica na memória das pessoas. É difícil esquecer o time que ganhou bem e emocionou. Time que só ganha e não emociona vira um dado estatístico. Claro que é bom ganhar mesmo não gando bem, mas vira estatística. É bom ganhar jogando bem. É que nem você ver um filme antigo antigo feito há 40, 60 anos e ainda se emocionar. Recentemente eu revi o Guga em Roland Garros, é emocionante, de se emocionar profundamente mesmo você já sabendo o resultado. Isso para mim é a razão do futebol ou qualquer esporte, emocionar as pessoas.
QUE TIME NO BRASIL HOJE TE EMOCIONA?
"Eu vou falar uma obviedade, eu sou contra obviedade mas é o Flamengo. O Flamengo é o time que emociona, eu gosto de time que jogue, que queira ter a bola, gosto de time que jogue com a bola e para jogar com a bola você tem que colocar muita gente no campo do adversário se não você vai ficar jogando a bola para trás. Você corre o risco de tomar um contra ataque, mas tudo bem, você pode até perder o jogo, mas jogando o teu jogo, você não quer perder ou quer jogar? Se impor, é isso que faz com que as pessoas gostem do time. O torcedor do Flamengo e quem gosta de bom futebol gosta disso, o Flamengo se expõe, mas ele cria muita dificuldade ao adversário. Ele não vai abrir mão do jogo dele, não é ter posse atrás, entre zagueiros, laterais, isso é uma posse enganosa, isso não é posse de bola é perda de tempo".
Getty ImagesVOCÊ ACHA QUE DEU PARA APRENDER ALGUMA COISA COM JORGE JESUS AQUI NO BRASIL?
"Sempre dá para aprender com todo mundo, o segredo é saber se você está disposto ou está fechado para isso. Os treinadores europeus de modo geral, sempre tiveram uma preocupação tática muito maior do que a gente aqui na América do Sul. Eles sempre tiveram essa preocupação. Eu chego a dizer que foi em cima da qualidade do nosso futebol, enquanto a gente valorizava, falando de tempos atrás, o cara que dominava a bola de calcanhar, fazia uma jogada bonita, olhava para um lado e jogava para o outro, claro, faz parte do espetáculo a jogada bonita, mas eles lá se esmeraram no aspecto tático porque na época não tinham tanta qualidade.
Alexandre Vidal/CRFEu sou rigorosamente contra a reserva de mercado, quado Jesus chegou até mandei uma mensagem para ele, falei com ele, se precisar de algo estou aqui, como fiz também com o Rueda quando chegou no Flamengo. A competência é o mais importante, se tiver gente aqui para trazer mais coisas ótimo. O Jesus fez um trabalho excepcional como o Sampaoli fez no Santos, a gente tem que valorizar esses profissionais, ele fez um ótimo trabalho, não se tem nenhuma dúvida disso".
O TRABALHO DE JORGE JESUS E A IMPORTÂNCIA DA CULTURA TÁTICA DOS JOGADORES NO FLAMENGO
"Jorge Jesus teve a felicidade, e isso não tira nada da competência e mérito dele, de ter dois laterais que passaram muito tempo na Europa, e aí voltamos a cultura tática, que são Rafinha e o Filipe Luís, eles têm conhecimento tático importante, o Rodrigo Caio, na minha opinião é excepcional, de muita qualidade por cima e por baixo, que arredonda a bola, facilita a saída de bola, que para mim é fundamental para ter posse, um jogador que saiba sair jogando. Um goleiro com uma vivência europeia grande, você pega o Gerson, passou algum tempo na Europa, o Gabigol, mesmo não tendo sucesso na Inter também esteve na Europa.
Junta tudo isso, com o Arrascaeta, eu estava vendo a final contra o River, aquela bola que ele dá para o Gabigol, aquela jogada, ele se jogou na bola, deu um carrinho para dar o passe, se ele não se atira o jogador do River chegaria primeiro, isso é característica do uruguaio, você tem o Bruno Henrique que também jogou fora. Você junta tudo isso com um treinador competente, é muito difícil não ter sucesso, qualidade técnica com cultura tática. O time do Flamengo, para te dar um exemplo, joga com quatro atrás e seis na frente, o Arão não é marcador, marcador, tem o Gerson do lado, o Arrascaeta, Everton Ribeiro, é um time muito ofensivo, mas que não é vulnerável, porque tem uma coisa chamada compactação, isso é mérito do treinador".
OS MELHORES TREINADORES NO FUTEBOL MUNDIAL
Getty/Goal"Na Europa você tem o Guardiola, no time dele não tem mesmice, você tem o Klopp, o time do Liverpool, é muita velocidade, muito vertical, de encurtar campo demais, compactação. São times que tem a cara do treinador, você olha lá de cima e diz que esse time tem treinador. Eu gosto de times assim, treinadores que jogam assim, com menos volantes marcadores e mais jogadores de articulação, desde que tenha compatação, aproximação dos jogadores, ataca e marca junto, compactado".
FALANDO DE SELEÇÃO BRASILEIRA, COMO RECUPERAR O CARINHO DA TORCIDA?
"Você tem que voltar a emocionar, você tem que encantar, se você ganhar sem jogar bem o que provoca no torcedor? Não é só a vitória. Os times que ficaram na história são esses que marcaram, emocionaram, a Holanda que perdeu a final para a Alemanha em 74, foi a última revolução tática que eu vi no futebol, emocionante a pressão que eles faziam. Eu vi o Milan do Sacchi, o Real Madrid do Ancelotti, o time do Guardiola. Tem uma frase do Guardiola que me marcou, ele disse, o time ganhar 14, 15 títulos, isso é uma bobagem, o importante é o que ele provoca nas pessoas, o que ele deixa nas pessoas.
CBF / ArquivoClaro que é importante ganhar, ainda mais no mercado como o nosso que tem que ganhar para ficar trabalhando, mas o que você provoca? 82 fcou na história mesmo perdendo e pior, a gente nem chegou na semi, ficamos de fora da semi, fizemos cinco jogos, mas é lembrada do jeito que é. A Holanda de 74 perdeu, e também era uma grande seleção. Dificilmente alguém me faz uma entrevista e não pergunta de 82, marcou e isso para nós é uma grande vitória. O segredo é ganhar jogando bem e emocionar as pessoas."
O FALCÃO TREINADOR SONHA EM COMANDAR ALGUM TIME ESPECÍFICO?
"Não. No momento meu foco é treinar, gosto do dia a dia, do treino, da preparação, da jogada ensaiada, do dia a dia dos profissionais da bola, ver as coisas acontecendo no domingo, vibrar com a vitória mas no outro dia já está falando dos erros que cometemos na vitória. Eu gostaria de treinar um time que eu tivesse a capacidade de montar e tempo para trabalhar com esse time, independente de onde for, se eu pudesse montar um time como eu acho que um time tem que ser montado, diante claro, das condições econômicas do clube, seria isso".
