Dorival Júnior chegou ao Athletico em janeiro de 2020 e encarou uma situação atípica. Ao mesmo tempo em que desembarcava em um time campeão que vivia uma lua de mel com a torcida, chegava também em uma equipe que perdera seus principais jogadores. Sem Léo Pereira, Rony, Marco Ruben e Bruno Guimarães, o Furacão já não era mais o mesmo que havia encantando o Brasil no ano anterior e precisava de reconstrução ou, ao menos, uma boa parte disso.
Atípica também foi a saída do treinador, demitido no final de agosto após uma sequência de quatro derrotas, onde curiosamente ele não esteve à frente da equipe em três dessas oportunidades, pois estava afastado por ter sido diagnotiscado com Covid-19. Apesar disso, não há mágoa por parte de Dorival Júnior, que em bate papo exclusivo com à Goal, tratou a saída com naturalidade, mas criticou a forma como se gere o futebol no Brasil.
Goal: Você foi demitido logo depois que retornou do período de afastamento por conta do Covid-19. De alguma forma essa demissão te surpreendeu?
Dorival Júnior: Eu trato isso com tranquilidade. Fico feliz de ter trabalho no Athletico, acho que fizemos o nosso melhor lá dentro. Nós pegamos uma equipe que perdeu de dezembro para janeiro 16 jogadores, lançamos alguns jovens que estavam no sub-23 e no sub-20, conseguimos conquistar o Campeonato Paranaense no dia 5 de agosto. Tudo foi feito com muita transparência, amor, entrega e tudo o que foi alcançado não foi por acaso. Nas últimas partidas fiquei afastado por ter pego Covid, não participei de três jogos e na sequência acabou acontecendo a quarta derrota. Respeito a posição que foi tomada e sigo minha vida com tranquilidade.
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(Foto: Alexandre Schneider / Getty Images)
Goal: Nesse período afastado, de que forma você comandava a equipe? Você sentiu algum sintoma?
Dorival Júnior: Eu não tive nenhum sintoma, respeitei o período que foram 12 dias, fiquei afastado. Fazia apenas algumas reuniões por vídeo com a comissão. No meu retorno já viajamos para São Paulo, foi uma rodada antecipada. Na quinta, acabei recebendo a notícia da rescisão. Tenho certeza que coisas boas ficaram plantadas e em algum momento as pessoas vão perceber que o trabalho era bom, vinha apresentando consistência. Tudo é questão de tempo para se fazer os ajustes necessários. Para você ter uma ideia, da partida que jogamos as decisões do paranaense no dia 5 de agosto para a minha saída no dia 26, nós já não tínhamos ali sete jogadores atuando. Alguns com o mesmo problema que eu tive, outros com lesão, mas nós não tínhamos sete jogadores. A gente teve um início bom, a equipe vinha bem até a terceira rodada.
Goal:Como foi para você ali de dentro viver essa volta do futebol no meio da pandemia? Houve medo da Covid-19?
Dorival Júnior: É muito diferente, um ano completamente diferente em todos os aspectos, não só no futebol. Mas acho que o futebol apresenta ao público uma forma de descontração, mesmo num momento como esse, onde sabemos que os atletas, as pessoas envolvidas e todo o estafe estariam ali correndo um risco. Mas por outro lado,poder proporcionar, trazer um pouco de alegria, uma maneira do povo tirar toda a ansiedade contida nos conforta de alguma forma. Aguardamos por uma vacina,, que os cientistas encontram uma forma para finalizar esse processo.
Goal: A palavra do momento é o rodízio de jogadores, algo que vem sendo feito pelo Domènec no Flamengo, Sampaoli no Atlético-MG, Renato Gaúcho... Rodar os atletas é realmente algo necessário?
Dorival Júnior: É um campeonato que necessita e com certeza vai necessitar mudanças de partida em partida. Não adianta, ninguém vai conseguir manter o mesmo nível de rendimento com a mesma equipe por várias rodadas. Vai ser um erro muito grande se alguem acreditar que possa fazê-lo. Essas alterações são naturais e as equipes que têm um plantel já montado e formado evidentemente que estarão muito a frente dos demais. Fizemos isso com certa frequência e tínhamos um elenco ainda em formação. Quando perdemos 10, 12 jogadores, os que estavam como opção passaram a ser uma solução, todos ao mesmo tempo, o que é diferente quando você já tem uma equipe constituida e vai mudando aos poucos.
Goal:Ainda sobre o rodízio, é difícil para o treinador colocar um jogador no banco para descansar?
Dorival Júnior: É complicado, não é fácil. A história nos mostra isso. O jogador brasileiro quer jogar todos os jogos, mesmo sabendo que a recuperação de quarta para domingo e para a semana seguinte não acontece. O jogador pode jogar até três jogos, no máximo quatro partidas em alto nível e a quinta com certeza já estará comprometida, a sexta então nem se fala. O jogador não tem essa noção, ele acha que é o dono da posição no momento, ele quer fazer todos os jogos. É difícil o entendimento nesse sentido, ainda é muito difícil. O processo de concentração é diferente. Quando ele ouve que não vai começar jogando ele automaticamente relaxa na forma como se concentraria se estivesse escalado para iniciar o jogo. É uma situação que nós temos que conviver. Alguns desencontros vão acontecer, os treinadores vão passar um pouco de aperto mas essa situação é necessária.
Goal: Recentemente, em uma entrevista, o zagueiro Gustavo Henrique te elogiou bastante na questão tática. Ele disse que dos treinadores brasileiros, você foi quem mais o aproximou taticamente dos trabalhos com Sampaoli e Jorge Jesus.
Ricardo Saibun/Santos FC
(Foto: Ricardo Seibun / Santos / Divulgação)
Dorival Júnior: Eu fico feliz de ouvir isso, não só do Gustavo, mas de outros jogadores com quem trabalhei inclusive no Flamengo. Ano passado eles (atletas com quem trabalhou no Flamengo) me ligavam, falando que o que vinham desenvolvendo com Jorge Jesus era muito próximo do que nós fazíamos no ano anterior, quando estive lá. Isso para mim é motivo de felicidade porque o momento que o Jesus teve é inigualável, dificilmente vai acontecer uma situação como essa no clube nos próximos anos e isso vindo dos atletas te preenche de alguma forma. É o que busco há algum tempo e vinha implementando em todas as equipes que trabalhei. No Flamengo, eles perceberam que muita coisa do que tentávamos fazer no final de 2018 foi feito ao longo do ano passado.
Goal:Muito se fala sobre os treinadores brasileiros, pouco sobre gestão. Esta semana, o espanhol Domènec Torrent disse que gestores inteligentes são a diferença no trabalho dos treinadores. O que você pensa sobre isso?
Dorival Júnior: O planejamento no Brasil é inexistente. Você convive com seus resultados. O movimento começa de fora para dentro. O número de profissionais que rodam de um clube para o outro é um absurdo. Você não tem como avaliar o trabalho com menos de um ano. Você não treina no Brasil, é impossível treinar. Você joga domingo, segunda e terça você está pensando em recuperar para jogar já na quarta novamente. Enquanto as pessoas não tiverem maior convivência com o dia dia de um clube, do que é o dia a dia de uma logística de viagem, de um jogo, de um retorno, de uma nova partida em sequência, se não tiverem noção do processo de recuperação não vamos evoluir o necessário.
O futebol brasileiro precisa de uma evolução grande em todos os aspectos. Esse modelo de gestão dos clubes na minha opinião é completamente falido, que é o conselho deliberativo, a figura de um presidente. Os clubes teriam que ter um dono que sintam no bolso aquilo que é feito ou não, aquilo que teria que ser feito, a forma como será feita. O que aconteceu com o (Jurgen) Klopp nos últimos anos... que treinador brasileiro conseguiria ficar quatro anos em um clube como aconteceu com o Klopp? Isso no Brasil é impensável. Dificilmente vai acontecer em um curto espaço de tempo. Só ficam aqueles que ganham... os que ganham o regional têm um fôlego maior, se eles conseguirem uma próxima conquista, mais um folêgo e por aí vai, diferente disso é utopia infelizmente. Vai demorar muito para que mude dentro do nosso país.
Goal:Agora livre no mercado, como está o telefone? Já tocou? Seu nome foi ligado ao Bahia...
Dorival Júnior: Não tem nada. Tem muita conversinha mas nenhuma realidade por enquanto. A minha carreira sempre foi assim, as coisas aconteceram no momento certo. Sou muito feliz com tudo o que alcancei até agora e na hora certa as coisas vão acontecer.