O Ajax voltou a aparecer com protagonismo no futebol europeu desta atual temporada. Liderança na Eredivisie holandesa à parte, enquanto busca reconquistar o título nacional que não é seu desde 2014, a campanha na Champions League é que chama a atenção. Pela primeira vez desde 2003 os gigantes de Amsterdã chegaram às quartas de final. E fizeram isso depois de eliminarem o poderoso Real Madrid no mata-mata anterior, com direito a goleada por 4 a 1 dentro do estádio Santiago Bernabéu. Dentre os oito melhores times do continente, é o mais jovem – média de 23,4 anos.
Longe de ser novidade na história do clube. Foi assim que, na década de 1960, surgiram nomes como Johan Cruyff. Van Basten e Denis Bergkamp foram joias polidas nos anos 80 e, nos idos de 1990, o técnico Louis van Gaal recolocou os ajacied no topo da Europa com um grupo tão jovem quanto talentoso: Edgar Davids, Clarence Seedorf, Patrick Kluivert, Marc Overmars, Van der Sar e os irmãos De Boer levaram o Ajax pela última vez a um título continental. Foi em 1995, ironicamente mesmo ano em que a Lei Bosman entrou em vigor para tirar, praticamente, o sonho de clubes de países como Holanda de reinarem como haviam feito no passado.
Desde aquela época até os dias atuais, o Ajax aprendeu que sua tradição e camisa gigante não irão impedir que as maiores potências econômicas do futebol tirem suas principais peças. Até porque isso também acontecia a partir de um determinado momento desde a época de Cruyff. A diferença principal é que os atletas deixavam um legado, seja em títulos ou resultados expressivos, pelo clube. Era preciso mudar o ciclo vicioso de apenas vender, e isso começou a acontecer a partir da última passagem de Cruyff pelo clube, anos antes de sua morte. O maior craque holandês da história recrutou outros nomes imortais do passado, como Overmars e Van der Sar, respectivos diretor de futebol e diretor executivo até hoje. A intenção era usar os ídolos como exemplo para os jovens.
“Queremos trazer para cima os nossos próprios jogadores. É isso que as pessoas gostam no Ajax, o que gostavam de ver nos times dos anos 70 e 90, a forma como jogavam futebol (...) Nós esperamos criar isso novamente, é o que as pessoas querem. Os treinadores desde o sub-11 até a equipe principal sabem como é este clube e esperamos que seja o bastante para reconquistarmos o nosso lugar na elite”, afirmou Van der Sar em entrevista ao jornal inglês The Guardian.
Getty ImagesVan der Sar e Overmars com David Neres, estratégia também é buscar jovens valores no exterior (Foto: Getty Images)
A estratégia principal neste Ajax é fazer com que os jogadores jovens não apenas representem milhões em euros, mas que também entreguem algo de volta. O primeiro grande resultado veio em 2017, quando o time comandado por Peter Bosz entrou para a história ao alinhar a equipe mais jovem de todas as finais europeias: 22,28 anos em média. Muitos daqueles jovens ainda estão no clube. São os casos de David Neres, contratado junto ao São Paulo, mas também de Onana, De Ligt e Frank De Jong. Naquela noite de 24 de maio, o Manchester United mais cínico e experiente comandado por José Mourinho venceu por 2 a 0 e ficou com a taça. O Ajax teve uma leve turbulência após a saída de Bosz, mas reencontrou-se desde a chegada do técnico Erik Ten Jag em 2018.
Pensando ao máximo no desenvolvimento dos atletas para jogarem em equipe, o Ajax tem uma das maiores linhas de produção de jogadores na Europa. O De Toekomst, a renomada academia dos ajacied, não para. E revela jogador atrás de jogador. "Aos 19 anos eles precisam estar prontos para jogarem no time principal, porque aos 20 eles saem", explicou ao New York Times o diretor da De Toekomst, Said Ouaali. Desta forma, é preciso aproveitar o máximo de tempo possível: os jovens estudam agora, sob a metodologia montessoriana que mistura idades aproximadas e torna tudo mais dinâmico, dentro do CT da base.
Aos que não saíram tão cedo, o plano utilizado é coloca-los para uma conversa com Marc Overmars e Van de Sar. Foi o que aconteceu no início da temporada passada, quando nomes como De Ligt e De Jong compraram o discurso de serem lendas do Ajax antes de rumarem para as maiores ligas do mundo. Afinal de contas, o objetivo não é apenas vender. O processo é servir ao Ajax, depois à seleção holandesa e aí sim a transferência. Claro que nem sempre dá certo, como foi o caso de Justin Kluivert, que preferiu aceitar uma proposta da Roma - embora neste caso a vontade de 'sair da sombra' de seu pai, Patrick, tenha sido vista como um fator que explica sua decisão.
O meio-campista Frenkie De Jong, por exemplo, já acertou com o Barcelona por € 75 milhões de euros. E a transferência foi comemorada nas redes sociais do clube holandês, com um post intitulado Frenkie Futuro. Embora não tenha, assim como o zagueiro De Ligt, conquistado ainda nenhuma taça pelo Ajax, ter alcançado as quartas de final da Champions League já demonstra um senso de dever cumprido. No empate por 1 a 1 com a Juventus, na ida das quartas de final, De Jong acertou quase 92% dos 98 passes distribuídos. Esteve em todos os lugares do campo e demonstrou que o Barça fez uma baita compra.
Mas a equipe atual ainda tem De Ligt, o zagueiro mais cobiçado do mundo, David Neres e outros tantos. Assim como em um passado recente teve nomes como Luis Suárez e até mesmo Zlatan Ibrahimovic. O atacante sueco, atualmente no LA Galaxy, mas com passagens pelos maiores gigantes do futebol europeu, disse recentemente à revista Voetbal International algo que evidencia a qualidade da fábrica de craques residente em Amsterdã: “Para um jovem ambicioso, não há clube melhor do que o Ajax. Os treinos, a filosofia, os companheiros de equipe… É tudo de alto nível. Aconselho qualquer jovem talento a começar a carreira no Ajax”, disse.
E não há motivos para duvidar.




