+18 | Conteúdo Comercial | Aplicam-se termos e condições | Jogue com responsabilidade | Princípios editoriais
Man Utd spending gfxGetty/GOAL

Sir Jim Ratcliffe diz que acabou o dinheiro no Manchester United - então como os Red Devils podem gastar R$ 1,4 bilhão em contratações?

“Na INEOS, administramos uma organização enxuta”, disse Sir Jim Ratcliffe em março. “Como minha mãe dizia: cuide dos centavos, e as libras cuidarão de si mesmas.”

O co-proprietário do Manchester United tentava justificar ao torcedor os cortes drásticos que vinha promovendo no clube desde que assumiu parte da gestão no ano anterior. Na prática, Ratcliffe comparava as medidas de contenção de gastos a trocar produtos de marca por versões mais baratas no supermercado.

Mas, durante o verão europeu, o United passou longe de “cuidar dos centavos”. Em junho, contratou Matheus Cunha por £62,5 milhões (cerca de R$425 milhões). No mês seguinte, fechou com Bryan Mbeumo por um valor inicial de £65 milhões (R$442 milhões), que pode chegar a £71 milhões (R$483 milhões) com bônus. E o clube ainda não parou por aí: tenta agora superar o Newcastle na disputa por Benjamin Sesko, em uma negociação que pode custar pelo menos £69 milhões (R$469 milhões). Ao todo, o clube pode gastar cerca de £205 milhões (R$1,4 bilhão) em apenas três atacantes.

Enquanto isso, o capitão Bruno Fernandes cobra ainda mais reforços. Ele classificou a postura do elenco como “preguiçosa” e defende mais competição por vagas. Considerando que o United terminou a última temporada apenas na 15ª posição da Premier League, é compreensível o apelo por mudanças. A questão que permanece é: como Ratcliffe pode alegar falta de recursos com um discurso de austeridade, ao mesmo tempo em que gasta cifras milionárias em reforços?

📱Veja a GOAL direto no WhatsApp, de graça! 🟢
  • Bryan Mbeumo Man Utd 2025 HICGetty Images

    Terceiros maiores gastadores

    Embora o United tenha contratado apenas dois jogadores até agora, o clube ocupa a quinta posição entre os maiores gastos com transferências na Premier League neste verão europeu — atrás apenas dos quatro primeiros colocados da última temporada: Liverpool, Chelsea, Arsenal e Manchester City. No entanto, quando o critério é o gasto líquido — ou seja, o valor desembolsado em contratações menos o arrecadado com vendas — o United sobe para a terceira colocação, ficando atrás apenas de Arsenal e Liverpool.

    O Liverpool, por exemplo, arrecadou £115 milhões (cerca de R$782 milhões) ao negociar jogadores como Luis Díaz, Jarell Quansah, Caoimhín Kelleher e Trent Alexander-Arnold. O Chelsea somou £131 milhões (R$891 milhões) com as vendas de nomes como Noni Madueke e João Félix. Já o Manchester United não vendeu nenhum jogador neste período, apesar de ter sinalizado estar disposto a se desfazer de atletas como Marcus Rashford, Alejandro Garnacho, Tyrell Malacia, Antony e Jadon Sancho.

    Rashford, aliás, foi o único a deixar o elenco, emprestado ao Barcelona sem custo. O acordo prevê uma opção de compra por parte do clube catalão no valor de £26 milhões (R$176 milhões) no próximo verão europeu, caso a passagem do atacante seja bem-sucedida.

  • Publicidade
  • Anthony Elanga Newcastle 2025Getty Images

    Financiando a extravagância

    A saída de Rashford, embora sem gerar receita direta com transferência, ainda ajudou o United a custear parte de suas movimentações no mercado. O Barcelona se comprometeu a arcar integralmente com os salários do atacante inglês, o que gerou uma economia de cerca de £17 milhões (R$115 milhões) ao clube de Manchester.

    O United também foi beneficiado por cláusulas de revenda incluídas em negociações passadas. Quando vendeu Anthony Elanga ao Nottingham Forest por £14 milhões em 2023, o clube garantiu uma taxa de revenda entre 15% e 20%. Isso se mostrou vantajoso após a recente transferência do sueco para o Newcastle por £55 milhões (R$374 milhões), rendendo ao United algo entre £6 milhões e £8 milhões (R$41 milhões a R$54 milhões).

    Situação semelhante ocorreu com Álvaro Carreras. O United o vendeu ao Benfica por €6 milhões, mas incluiu uma cláusula de revenda. Quando o Real Madrid avançou para contratá-lo por €50 milhões (£43,5 milhões / R$340 milhões), a venda gerou um retorno adicional de cerca de €9 milhões (R$61 milhões) aos cofres ingleses.

    Além disso, o clube recebeu aproximadamente €2,4 milhões (R$16 milhões) pela transferência de Maxi Oyedele do Legia Warsaw para o Strasbourg, graças a uma cláusula que garantia 40% do valor ao United.

    Somando essas movimentações indiretas, mesmo sem realizar vendas diretas significativas, o Manchester United arrecadou até £18 milhões (R$122 milhões) para reinvestir em novas contratações neste verão europeu.

  • Manchester United v Leeds United - Pre-Season FriendlyGetty Images Sport

    Pagamento em prestações

    A economia gerada com os salários de Rashford, somada ao retorno das cláusulas de revenda, efetivamente financiou as contratações de Mbeumo e Matheus Cunha. Isso porque o Manchester United parcelou os pagamentos por ambos os jogadores, diluindo os custos ao longo dos próximos anos — uma prática comum na Premier League, adotada pelo clube há bastante tempo.

    O próprio Sir Jim Ratcliffe criticou esse modelo em uma série de entrevistas concedidas em março. Na ocasião, explicou: “Neste verão, vamos ‘comprar’ Antony, Sancho, Casemiro, [Lisandro] Martínez, [Rasmus] Højlund e [André] Onana, e eles custam cerca de 17 milhões de libras cada. Porque isso é o que ainda está pendente. Mesmo que não compremos mais ninguém, ainda estaremos comprando esses jogadores.”

    Apesar das reclamações do co-proprietário, o United manteve a estratégia neste mercado de transferências. Foi justamente esse modelo que permitiu ao clube realizar contratações que, à primeira vista, pareceriam incompatíveis com sua situação financeira atual. No caso de Matheus Cunha, os £62,5 milhões (R$425 milhões) foram divididos em três parcelas, após o Wolverhampton recusar o pedido inicial do United para dividir em cinco. Com isso, o clube desembolsou apenas £20,8 milhões (R$141 milhões) neste verão europeu, com o pagamento final previsto para 2027.

    A negociação por Bryan Mbeumo seguiu lógica parecida. O valor inicial de £65 milhões (R$442 milhões) foi parcelado em quatro vezes, permitindo ao United pagar apenas £16,25 milhões (R$110 milhões) agora.

    Ou seja, dois jogadores com custo total de £130 milhões (R$884 milhões) puderam ser contratados com apenas £37 milhões (R$251 milhões) pagos de imediato. E, em vez de recorrer a novos empréstimos ou vender um nome de peso para viabilizar as contratações, o clube conseguiu equilibrar as contas emprestando Rashford — que já não era utilizado por Rúben Amorim desde dezembro passado — e graças a cláusulas inteligentes negociadas em saídas de jogadores formados na base anos atrás.

  • FBL-ENG-PR-MAN CITY-MAN UTDAFP

    Outro recurso está disponível

    O Manchester United também ganhou mais margem de manobra no mercado de transferências graças à economia com salários obtida por meio dos empréstimos de janeiro envolvendo Rashford, Antony e Malacia, além do fato de Jadon Sancho ter passado a última temporada emprestado ao Chelsea. O clube ainda destaca a redução dos "custos gerais", resultado dos cortes promovidos sob a supervisão de Sir Jim Ratcliffe. É por isso que o United consegue hoje disputar a contratação de Benjamin Sesko com o Newcastle — e, potencialmente, atender ao pedido do capitão Bruno Fernandes por mais reforços.

    No entanto, para concretizar essas movimentações, o clube pode ter que recorrer à linha de crédito rotativo que já utilizou anteriormente para financiar contratações. Em um exemplo recente, o United quitou £50 milhões (R$340 milhões) no início deste ano, o que libera a possibilidade de tomar emprestado mais £140 milhões (R$952 milhões) dessa mesma linha.

    O grande problema é que isso aumentaria ainda mais a já expressiva dívida do clube, atualmente estimada em £713,2 milhões (R$4,85 bilhões), sujeita a uma taxa de juros variável.

    Grande parte dessa dívida, vale lembrar, antecede a chegada de Ratcliffe e está relacionada à polêmica aquisição alavancada feita pela família Glazer em 2005. Na época, os donos americanos compraram o clube por £790 milhões, mas utilizaram apenas uma pequena fração de recursos próprios, mergulhando os Red Devils em dívidas que se arrastam até hoje.

  • MONACO-RED CROSS-GALA-CHARITYAFP

    Ficando sem dinheiro?

    A movimentação no mercado de transferências do United não significa, entretanto, que os cortes promovidos por Ratcliffe tenham salvo o clube da crise, como ele gostaria que os torcedores acreditassem. Um dos momentos mais preocupantes da série de entrevistas concedidas por Ratcliffe em março foi quando ele revelou que, sem suas medidas drásticas de redução de custos, o United teria ficado sem dinheiro já em dezembro de 2025.

    Ele afirmou à BBC: “O Manchester United teria ficado sem dinheiro até o final deste ano — até o final de 2025 — mesmo após eu ter investido US$300 milhões (R$1,5 bilhão). E isso se não contratarmos novos jogadores neste verão. Estamos em um período de mudança, desconfortável e disruptivo, e sinto muita simpatia pelos fãs. A resposta simples é que o clube fica sem dinheiro no Natal se não fizermos essas ações.”

    Em declarações ainda mais duras ao The Times e The Telegraph, Ratcliffe chegou a dizer: “O United vai à falência no Natal.” Contudo, seus números não batem totalmente com essa afirmação. Embora o fluxo de caixa do clube tenha subido de £80 milhões (R$544 milhões) em setembro de 2023 — antes da compra da participação por Ratcliffe — para £150 milhões (R$1,02 bilhão) em setembro de 2024, o último relatório financeiro divulgado em junho apontou uma queda de £22,5 milhões (R$153 milhões) no fluxo de caixa em relação ao trimestre anterior.

    Esse relatório contabilizou as primeiras 250 demissões feitas pelo clube, mas não considerou as próximas 200 cortes anunciadas oficialmente em maio. Os benefícios financeiros dessa segunda rodada só devem aparecer no balanço de setembro, mas já é possível afirmar que essas medidas não serão suficientes para custear uma parte significativa das contratações de Cunha, Mbeumo e, possivelmente, Sesko. O próprio clube informou que economizou entre £8 milhões e £10 milhões (R$54 milhões a R$68 milhões) com a primeira leva de demissões — menos de um sexto do valor pago por Cunha.

  • FBL-EUR-C3-MAN UNITED-ATHLETIC BILBAOAFP

    Máquina de imprimir dinheiro

    No fim das contas, o Manchester United tem conseguido manter o ritmo de gastos dos principais clubes da Premier League porque, apesar dos inúmeros problemas dentro e fora de campo, continua sendo o maior clube da Inglaterra — se não do mundo. O United ainda funciona, na prática, como uma verdadeira máquina de fazer dinheiro.

    Segundo o relatório de 2025 da Uefa sobre as finanças dos clubes europeus, o United apresenta o maior lucro operacional do continente, totalizando £121 milhões (R$822 milhões). O lucro operacional é calculado a partir das receitas das operações diárias do clube — como venda de ingressos, produtos oficiais, patrocínios e direitos de transmissão — descontados os custos para manter essas atividades. Recentemente, a Forbes classificou o United como o segundo clube mais valioso da Europa, atrás apenas do Real Madrid.

    Mesmo com atuações inconsistentes na última década, desde a saída de Sir Alex Ferguson, o United continua sendo um grande chamariz para patrocinadores. Seu contrato de patrocínio na camisa com a Qualcomm, no valor de US$225 milhões (R$1,15 bilhão) ao longo de três anos, está entre os mais lucrativos da Europa, ao lado dos acordos do Barcelona com o Spotify e do Real Madrid com a Emirates.

    O clube detém o segundo maior contrato de uniformes da Premier League, posição que perdeu neste verão europeu para o Manchester City após sua nova parceria com a Puma. Além disso, o United conta com o maior estádio da Inglaterra — o Old Trafford — e o terceiro maior estádio de clubes da Europa.

    Sem dúvida, o United tem sido imprudente no mercado de transferências e na folha salarial, gastando recursos da Champions League mesmo se classificando para a principal competição europeia a cada dois anos. Contudo, Ratcliffe não mudou a postura do clube quanto às contratações. Seus cortes são movidos por uma ideologia e não por real necessidade financeira, e os que mais sofreram com isso não foram os responsáveis pela situação atual.

    No fim, o que Ratcliffe realmente fez — ao contrário do conselho de sua mãe — foi cuidar dos centavos, mas levar as libras para o cassino. Ele apostou alto em Mbeumo, Cunha e agora Sesko. E, caso essa aposta não dê retorno, alguém inevitavelmente terá que pagar a conta.