+18 | Conteúdo Comercial | Aplicam-se termos e condições | Jogue com responsabilidade | Princípios editoriais
Esta página tem links afiliados. Quando você compra um serviço ou um produto por meio desses links, nós podemos ganhar uma comissão.
Sergio Busquets GFXGOAL

Como Sergio Busquets redefiniu o papel do volante no futebol e por que ele se aposenta na hora certa pelo Inter Miami

Havia uma cena quase cômica que se repetia várias vezes a cada jogo quando Sergio Busquets chegou à MLS. Ele fazia aquele movimento típico, recuando do meio-campo para receber a bola mais atrás. Quem acompanha futebol sabe como funciona: os zagueiros se abrem, Busquets volta mancando em direção ao próprio gol, na hora exata do passe. Ele recebe de costas para o campo, gira as pernas ágeis, pivota o quadril e desliza o corpo para frente. Era a essência do que o tornava tão genial no Barcelona — o modelo perfeito de volante moderno.

No entanto, a dificuldade na La Liga era o aperto constante dos adversários. Os times já tinham descoberto que, para sufocar o Barça, cortar a saída de bola para Busquets era um bom começo. Mas ele sempre se adaptava. O passe chegava, um defensor avançava, e Busquets simplesmente se livrava da pressão e iniciava a jogada. Muitas vezes — especialmente no auge do Barça — a bola terminava no fundo da rede rival.

Quando chegou à MLS, Busquets esperava algo parecido. No seu primeiro jogo como titular pelo Inter Miami, contra o Atlanta United na Leagues Cup, ele fez sua rotina conhecida: correr, receber, se livrar da marcação. Mas, ao girar o corpo, quase esperando o contato, ele percebeu que não havia ninguém ali. Estava surpreendentemente livre. Esse instante único acabou definindo seu estilo na MLS. Enquanto na Espanha e na seleção ele era o mestre de jogar sob pressão e desacelerar o ritmo louco do jogo, com ou sem a bola, em Miami sua missão era outra: criar jogadas, alimentar Messi e fechar os espaços.

E agora, tudo isso está chegando ao fim. Busquets anunciou na quinta-feira que vai se aposentar do futebol profissional ao final da temporada. E mesmo que ele não vá encerrar a carreira com o tiki-taka perfeito que o consagrou, parece o momento certo de dar adeus.

📱Veja a GOAL direto no WhatsApp, de graça! 🟢
  • Pep Guardiola Barcelona 2009Getty Images

    A cola que manteve tudo junto

    Você provavelmente já ouviu aquela frase atribuída a Pep Guardiola. Só que, na verdade, ele nunca disse isso. Quem falou foi Vicente Del Bosque, então técnico da Espanha, e a frase acabou virando parte do mito Busquets: “Se você assiste ao jogo, não vê o Busquets. Mas se você assiste ao Busquets, vê o jogo inteiro.”

    Essas palavras viraram quase um clichê para descrever o volante, um mantra do futebol. Claro, o jogo é bem mais complexo do que uma frase de 19 palavras, mas essa resistiu ao tempo. E Del Bosque tinha razão, de certa forma. O ponto principal, aquele que fica na memória, é que Busquets nem sempre é o jogador mais chamativo. Mas tudo passa por ele. Na Espanha, você provavelmente estava de olho em Xavi ou Iniesta. No Barcelona, provavelmente era Messi, Xavi ou Iniesta (uma seleção de todos os tempos, aliás). Em Miami, novamente, provavelmente era Messi quem chamava atenção.

    Mas Busquets era a cola que mantinha tudo junto. Ele foi, em muitos sentidos, a primeira tradução da filosofia de futebol de Pep Guardiola. Guardiola, por sinal, foi um volante excepcional e sabia que, quando assumiu o Barça, precisava de um camisa 6 capaz de dar ritmo ao time. A história de como ele o descobriu tem um quê de lenda. Reza a história que Guardiola estava num jogo do Barcelona B quando Tito Vilanova, então treinador da base, zoou um zagueiro magricela por ser lento demais. Mas Guardiola ficou impressionado com a capacidade do jogador de jogar sob pressão. Chamou-o para o time principal, transformou-o em volante, e o resto… é história.

  • Publicidade
  • Sergio Busquets Andres Iniesta Barcelona 2011Getty

    Xavi-Iniesta-Busquets

    Os anos que se seguiram foram, na prática, uma aula de como poderia ser o meio-campo moderno. Guardiola, como treinador do Barcelona, mudou a forma como muita gente enxergava o futebol. Não era segredo que ele se inspirava no futebol total do Ajax e da Holanda, mas sua versão tinha algo diferente. Guardiola queria controlar os três terços do campo. Simplificando, a melhor forma de fazer isso era ter a bola e atacar o máximo possível. Você não pode ser ameaçado se o adversário nunca tiver a posse. Chamava-se Tiki-Taka. E, claro, isso chamava atenção: Xavi, Iniesta, Busquets — o triângulo perfeito do meio-campo, tanto para o clube quanto para a seleção. Era praticamente impossível tirar a bola deles.

    Mas o que talvez fosse mais importante para Busquets era o que ele fazia quando o adversário tinha a posse. Até hoje, Guardiola tem um medo quase infantil de ser pego em contra-ataque. Na visão dele, a transição é mortal. A organização defensiva é vital e pode ser treinada. Mas as transições… essas são caóticas. É impossível prever exatamente como o adversário vai te surpreender. E é aí que Busquets entra, como parte da solução. Guardiola percebeu que, no Barça, a melhor forma de lidar com a perda de bola era recuperá-la o mais rápido possível.

    Se a equipe não conseguisse — seja por falhas defensivas ou simplesmente porque o adversário era bom com a bola —, ele pedia que todos recuassem. E Busquets era o arquiteto desse movimento. Sabia exatamente quando interceptar uma linha de passe, quando aplicar a falta certa e colecionar alguns dos cartões amarelos mais felizes que você já viu. Era nesse momento que seus instintos defensivos brilhavam. A leitura de jogo de Busquets era, simplesmente, incomparável.

  • SERGIO BUSQUETS BARCELONA PORTO SUPERCOPA EUROPA 2011Getty Images

    Resultados, influência e sucesso notável

    Os resultados, claro, foram enormes. O Barça de Guardiola era o melhor time do planeta — e não tinha nem comparação. Na sua primeira temporada no comando, conquistou a tríplice coroa. Levou o título da La Liga três vezes consecutivas. Talvez sua maior glória tenha sido a final da Champions League 2010/11 contra o Manchester United, um jogo que deixou até o lendário Sir Alex Ferguson boquiaberto. E a Espanha também não ficava atrás: venceu a Copa do Mundo de 2010 e a Eurocopa de 2012, com Busquets como âncora da equipe em ambas as conquistas.

    No clube, Guardiola não parava de inovar, testando diferentes combinações. Messi jogava aberto na ponta, depois como falso 9. Xavi subia um pouco mais e Iniesta recuava. Ele dispensou Zlatan Ibrahimovic por não se encaixar no sistema e, em outra ocasião famosa, tirou Thierry Henry de campo mesmo após o francês marcar dois gols lindos, só porque não seguiu as instruções. Mas, em meio a todas essas mudanças, Busquets era a constante, o pilar do time.

    Não demorou para que todos começassem a tentar descobrir a “nova versão” do jogador. Nasceu aí uma geração inteira de volantes defensivos altamente refinados, tentando fazer a mesma coisa. Dá para traçar uma linha que vai de Busquets a N’Golo Kanté, Casemiro, Fabinho e Rodri. Nenhum deles é exatamente igual, claro, mas a imitação foi a forma mais pura de elogio.

    “Ele foi um jogador que mudou a forma de pensar do meio-campo,” disse Javier Mascherano em entrevista na manhã de sexta-feira. “Não existiria Rodri sem o Busi [Busquets]. É a minha opinião. E, bem… ele criou uma escola.”

  • Sergio Busquets Barcelona 2022Getty

    Os últimos dias no Barça

    Mas, à medida que Busquets envelheceu, suas limitações atléticas começaram a aparecer com mais clareza. Luis Enrique soube como aproveitá-lo de forma eficiente entre 2014 e 2016, ainda no Barcelona. Depois disso, uma série de técnicos não conseguiu proteger suas pernas menos ágeis. O Barça já não era tão letal com a bola e ficava desorganizado sem ela. Alguns torcedores começaram a questionar se não era hora de mover Busquets. Talvez seu tempo estivesse chegando ao fim.

    Houve, porém, um último canto do cisne. Xavi, seu antigo companheiro, encontrou uma fórmula para extrair os últimos vestígios do futebol de elite de Busquets na temporada em que o Barça conquistou o título em 2023. Ele já não conseguia mais percorrer tanto campo, mas Frenkie De Jong podia. Então Xavi organizou um meio-campo em “caixa”, colocando De Jong ao lado de Busquets.

    O resultado foi uma temporada final memorável na Catalunha. De Jong apagava incêndios por toda parte, enquanto Busquets roubava bolas e ditava o ritmo do jogo. Ele deixou o Barcelona com uma medalha de campeão da La Liga no pescoço — uma despedida perfeita. E, em seguida, partiu para South Beach.

  • Inter Miami CF v FC CincinnatiGetty Images Sport

    Hora de ir?

    O Inter Miami fazia todo sentido como destino. Busquets ainda tinha futebol no pé, e a MLS sempre ofereceria um cenário atraente. Somando isso ao fato de que Messi já havia comprometido seu futuro no clube da Flórida, a escolha parecia óbvia. Por um tempo, Busquets foi exatamente o que Miami esperava — ainda que de uma forma diferente. Ele ancorou o meio-campo e se adaptou bem ao ritmo mais lento do campeonato.

    Na MLS, ele podia tomar atalhos que o futebol europeu raramente permitia. Não havia a obrigação de se mover lateralmente apenas para avançar. Em vez disso, Busquets podia escolher passes que antes seriam bloqueados, encontrar brechas que jogadores de elite anteveriam e, se nada mais desse certo, simplesmente passar a bola para Messi — um padrão que ele aperfeiçoou ao longo da carreira.

    O Miami também tirou proveito de sua versatilidade. Quando surgiram lesões no ano passado, Busquets jogou como zagueiro, ou até mesmo no meio de uma linha de três defensores. Atuou em oito partidas em posição defensiva, e o clube venceu mais da metade delas.

    Nesta temporada, porém, as coisas começaram a desacelerar. Busquets ainda acumula oito assistências, mas, com os companheiros ao redor sendo afetados por lesões, ele começou a ficar mais exposto aos 37 anos. E provavelmente foi isso que motivou seu anúncio na noite de quinta-feira.

  • Inter Miami CF v Seattle Sounders FCGetty Images Sport

    Chamando na hora certa

    Rumores sobre a aposentadoria de Busquets já circulavam há alguns meses. Na maior parte, era só conversa — e hoje em dia esse tipo de boato é comum no futebol. Mas, olhando com mais atenção, sem a arrogância e ignorando o ceticismo das redes sociais, tudo faz muito sentido.

    A idade de Busquets pesa. O Miami contratou Rodrigo De Paul, e Yannick Bright já é um dos melhores volantes defensivos da MLS — mesmo ele admitindo que os talentos do espanhol estão além da imitação.

    “É o Busi. Você não aprende essas coisas, porque é só ele. É realmente, realmente, realmente difícil jogar como ele,” disse Bright à GOAL. “Se você tentar jogar como ele, não vai conseguir.”

    Há também a questão financeira. Busquets é um jogador designado e recebe salários enormes. Ele merece, sem dúvida, mas algumas dessas designações precisam ter seu talento maximizado. Se o Miami pretende se reestruturar, tentar novamente e entregar um troféu a Messi antes que ele saia, Busquets provavelmente teria que se despedir com elegância. E foi exatamente isso que ele fez.

    Ainda há futebol para ser jogado. O Miami ainda pode brigar pela Supporters’ Shield. Existem equipes mais completas na MLS, mas eles certamente são candidatos à conquista da Copa. Assim como na Catalunha, há todas as chances de que Busquets encerre mais uma passagem com um troféu. E se não, ainda restará seu giro característico, o olhar atento e aquele passe mortal — até o apito final de seu último jogo.