Quem não tem Filipe Luís, treina com Fernando Torres? Por que o ex-atacante tem sido apontado como favorito para substituir Diego Simeone como técnico do Atlético de Madrid

Em 25 de julho de 2021, o Atlético de Madrid anunciou com entusiasmo: “El Niño voltou para casa.”

Após duas passagens pelo clube durante a carreira, o ex-atacante aposentado aceitou assumir o time sub-19 dos Colchoneros (embora inicialmente tenha sido listado como auxiliar, já que ainda não possuía todas as licenças exigidas pela UEFA).

Torres era um dos filhos mais famosos e vitoriosos da base atleticana, revelado no clube e transformado em um dos atacantes mais temidos do mundo. Ainda assim, sua entrada formal no universo da comissão técnica surpreendeu muita gente.

“Se você me perguntasse se algum dia imaginei o Fernando como treinador, eu diria: ‘Nem pense nisso, não tem como’”, contou José Antonio Martín Petón, ex-empresário do jogador, ao Relevo na época.

O próprio Torres admitiu que nunca foi daqueles atletas que planejavam seguir carreira no banco. Quando jovem, não se interessava muito pelo que aprendia nos treinos. Só mais velho passou a prestar atenção ao que era instruído a fazer – e, principalmente, ao motivo por trás disso.

Após a aposentadoria, em agosto de 2019, Torres parecia mais próximo de se tornar referência no mundo fitness. Ele fundou a rede de academias Nine Fitness e fez cursos de negócios.

Mas a chance de voltar ao Atlético foi irresistível, ainda mais trabalhando ao lado do ex-colega da base Ricardo Ortega.

“É um desafio empolgante que tenho pela frente”, afirmou Torres na época. “Vamos dar tudo de nós para continuar servindo ao nosso clube.”

O esforço valeu a pena: o sub-19 do Atleti conquistou dois títulos de liga e uma Copa de Campeones, além de chegar às semifinais da Youth League 2021/22.

Por isso, sua promoção ao comando do time B em 2024 foi recebida com naturalidade, ao contrário da surpresa causada por seu retorno três anos antes.

Torres sabia que treinar o time B era uma responsabilidade bem maior do que comandar o sub-19. Exigia mais resultados e, consequentemente, mais pressão.

Embora o Atlético de Madrid tenha perdido a vaga nos playoffs do Grupo 2 da Terceira Divisão Espanhola na última rodada, a diretoria ficou satisfeita com a evolução da equipe em pontos e desempenho. Em 30 de maio, renovou o contrato do técnico por mais duas temporadas.

“Estou muito feliz por poder seguir evoluindo como treinador no clube da minha vida”, declarou Torres ao assinar até 2027. “Sou grato pela oportunidade e ansioso para iniciar esta nova etapa.

“Independentemente dos resultados, há sempre muita autocrítica. Quero seguir aproximando a equipe do tipo de futebol em que acredito.”

O estilo de jogo preferido de Fernando Torres é um pouco difícil de definir, já que sua ênfase está muito ligada à fluidez tática, o que não surpreende, considerando que ele atuou sob o comando de técnicos com filosofias de futebol bem diferentes.

Como contou uma fonte próxima ao ex-atacante: “Ele tem um pouco de tudo. Um pouco da motivação que o Simeone transmite, um pouco da relação com os jogadores que o [Luis] Aragonés tinha, um pouco da mentalidade tática do [Rafa] Benítez e a intensidade que [José] Mourinho cobrava de suas equipes.”

Do ponto de vista tático, ele certamente está mais próximo de Mourinho do que de Guardiola, embora compará-lo diretamente a apenas um treinador seja um equívoco.

Como a maioria dos técnicos modernos, orienta seus jogadores a recuperar a bola o mais rápido e o mais alto possível no campo. Mas, se a primeira pressão falha, o esquema 3-5-2 rapidamente se transforma em um 5-3-2.

Ainda assim, as equipes de Torres já mostraram capacidade de mudar de sistema várias vezes dentro do mesmo jogo, já que ele não se prende a uma única ideia fixa. A única exigência é que seus atletas sejam agressivos, imprimam intensidade e tentem levar a bola para frente da forma mais veloz possível.

Não surpreende, portanto, que Torres seja um grande admirador do Liverpool de Jürgen Klopp, o que levanta a empolgante hipótese de, um dia, ele comandar o clube pelo qual marcou 65 gols em três anos e meio de Anfield.

No Atlético, a sensação atual é de que Torres está sendo preparado para suceder Simeone, com destaque para o fato de que os contratos de ambos expiram em 2027, cenário que tornaria a transição natural.

Curiosamente, os dois chegaram a se desentender na segunda passagem do atacante pelo clube, devido à falta de minutos em campo. Hoje, porém, Torres vê a situação de outra forma.

“Simeone foi meu ídolo, depois meu companheiro de time e, mais tarde, meu treinador – entendo que deve ter sido uma situação difícil para ele”, afirmou Torres em um documentário da Amazon Prime.

Simeone, por sua vez, sempre garantiu que nunca teve problemas pessoais com o jogador que, após a conquista da Liga Europa de 2018, definiu como alguém que “representa tudo o que somos”.

O fato de Torres, assim como Simeone, ser uma lenda do clube facilitou sua transição de jogador para treinador.

Um exemplo claro vem do meio-campista Pablo Barrios, hoje integrante do elenco principal. Quando atuava no sub-19 sob o comando de Torres, afirmou:
“Quando ele fala, não é a mesma coisa que ouvir outra pessoa. Ele é o Fernando Torres, e a verdade é que é uma honra jogar para ele.”

Já David Navarro, ex-capitão do Juvenil, contou ao Relevo que “quando Torres falava, o vestiário ficava em silêncio e todos ouviam. As palavras não explicam o ambiente que ele criava.”

Claro que conquistar esse respeito de jovens é uma coisa; jogadores experientes dificilmente ficarão impressionados da mesma forma – embora Torres já tenha vivido, conquistado e experimentado quase tudo dentro do futebol.

Ainda assim, não há como negar: El Niño já tem presença de treinador. Ele anda pela área técnica com a mesma intensidade de Simeone, mas impõe ainda mais respeito fisicamente, após anos de treinos em suas próprias academias.

Quem o conhece também destaca sua obsessão pelos detalhes. Torres montou um escritório em casa apenas para preparar partidas e analisar adversários.

“Aprendi muito com Benítez, (Carlo) Ancelotti, Mourinho e, mais recentemente, com Simeone, porque todos eles tinham pontos fortes diferentes”, disse Torres em entrevista à Nine Fitness.

“Mas todos têm algo em comum: dedicação absoluta ao que fazem. Você não pode ser o número um se não tiver dedicação total.”

Simeone certamente concordaria. E é exatamente por isso que Fernando Torres é apontado como o sucessor natural no comando do Atlético, talvez mais cedo do que se imagina.